Sindicatos rurais e descontos não autorizados em aposentadorias

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INSS: Entenda a atuação dos sindicatos rurais investigados pelos descontos não autorizados dos aposentados a entidades representativas.

Entidades ligadas a agricultores e trabalhadores rurais estão entre as que mais receberam descontos de mensalidades de aposentados da lista de associações representativas investigadas pela Operação Sem Desconto. O relatório da Polícia Federal aponta que aposentados do setor rural foram os mais atingidos, com 67% das cobranças de contribuições não autorizadas, contra 33% dos aposentados urbanos.

Juntas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Confederação Nacional de Agricultores Familiares Rurais (Conafer) receberam 27% do total arrecadado pelas 19 principais entidades mencionadas em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), que subsidiou a operação da PF.

No caso da Contag, os pagamentos repassados pelo INSS evoluíram de R$ 336,7 milhões em 2016 para R$ 446,5 milhões em 2024, segundo o Portal da Transparência. No caso da Conafer, os valores saltaram de R$ 400 mil em 2019 para R$ 202,3 milhões em 2023 e R$ 277,1 milhões em 2024, conforme estimativa contida em relatório da CGU.

“Nada disso é coincidência”, afirma Hélio Zylberstajn, professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “Não é à toa que a Contag é uma das organizações que está por trás disso. Eu não estou dizendo que a entidade não tenha justificativa ou que não ofereça serviços aos trabalhadores, mas que há uma relação estreita com as contribuições sindicais rurais.”

Segundo ele, a expansão do sindicalismo rural se deu com o surgimento de milhares de associações ligadas à Contag a partir dos anos 1960, mas ganhou impulso com a Constituição de 1988.

O novo texto constitucional determinou que o valor base de qualquer benefício previdenciário seria de um salário mínimo. A mudança, aparentemente técnica, provocou um redesenho da representação do meio rural.

Até então, o trabalhador do campo – quase sempre informal, sem registro em carteira – tinha acesso, quando muito, a uma aposentadoria por idade no valor de meio salário mínimo. Além disso, a legislação permitia apenas um benefício por domicílio, ou seja, se o marido recebia uma aposentadoria, a esposa não podia receber outra.

Com a nova Constituição, esse cenário se inverteu. Passou a ser possível que mais de um membro da família recebesse benefícios, cada um no valor de um salário mínimo. “De repente, isso quadruplicou a renda da família do aposentado rural”, afirma Zylberstajn. “Os impactos foram imediatos na economia e na proliferação dos sindicatos.”

Sindicatos rurais ofereciam atestados e filiação

Para ter acesso à nova aposentadoria rural, era necessário comprovar a atividade como trabalhador rural, tarefa difícil em um setor marcado pela informalidade. O caminho mais comum era procurar o sindicato local, para comprovar que havia exercido a atividade.

“Então ele [o trabalhador] ia ao sindicato e pedia uma declaração ou um atestado de que ele tinha sido trabalhador rural”, explica o professor. “E em troca disso, o sindicato pedia para que ele se filiasse.”

Com isso, a filiação rural explodiu. Em 1963, havia cerca de 400 sindicatos rurais no Brasil. Na década de 1990, esse número já ultrapassava 3 mil, segundo publicações da própria Contag. O movimento contrastava com a queda da sindicalização urbana que acontecia no Brasil e no mundo.

“Fomos o único país que apresentou crescimento de taxas de sindicalização nos anos 1990 na área rural”, diz Zylberstajn. “Isso foi causado por esse incentivo não planejado. Esse hábito de se apropriar das contribuições tem origem nesse contexto.”

Além da tradicional contribuição sindical obrigatória, as entidades passaram a buscar outras fontes de receita ligadas à concessão de benefícios previdenciários, ampliando sua atuação para além da representação trabalhista. “É isso que a gente está vendo com essa maior incidência de organizações entre os trabalhadores rurais”, diz.

Como o sindicalismo rural fortaleceu o PT

Os sindicatos rurais foram um dos pilares para a consolidação e expansão do Partido dos Trabalhadores. Por meio da base organizada de trabalhadores do campo, alinhada com sua proposta de transformação social e redistribuição de renda, o PT conseguiu enraizar sua influência para além dos grandes centros e se tornar uma força política nacional.

A rede sindical oferecia infraestrutura e capilaridade para a mobilização política. Sindicatos atuavam como defensores dos direitos dos trabalhadores do campo e também funcionavam como espaços de formação política e articulação comunitária. Lideranças dos trabalhadores migraram para a política institucional, filiando-se ao PT e ocupando cargos eletivos, especialmente no Nordeste, Sul e Centro-Oeste.

A aliança com a Contag e outros movimentos sociais do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), consolidou ainda mais esse vínculo. Embora a Contag historicamente mantivesse uma posição moderada, grande parte de sua base se aproximou do discurso petista a partir da redemocratização.

Ao mesmo tempo, o MST, surgido em 1984 com forte apoio de sindicatos e da Igreja Católica, tornou-se um dos principais aliados políticos do PT nas lutas pela reforma agrária e pela justiça social no campo.

Entidades explicam descontos de aposentados

Procurada pela Gazeta do Povo, a Contag encaminhou um documento onde afirma que qualquer mensalidade associativa só é contabilizada pelos trabalhadores que tenham efetivamente autorizado o desconto.

“Atualizamos, constantemente, os procedimentos exigidos pelo INSS e pelos órgãos de controle. Também seguimos rigorosamente as exigências legais e normativas para que sejam processados os descontos associativos nos benefícios”, afirma a presidente, Vânia Marques Pinto.

A nota também enfatiza o trabalho da Confederação. “Ao longo de seis décadas, muitas das políticas públicas voltadas à agricultura familiar tiveram origem em proposições da Contag, FETAGs e Sindicatos. Garantiram inúmeras conquistas a partir de luta, como a Previdência rural, a Lei da Agricultura Familiar, o Pronaf, o Programa de Aquisição de Alimentos, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Garantia Safra, a reforma agrária, a habitação rural, o Luz para Todos, o Água para Todos, o Pronera, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, entre outros.”

Também procurada, a Conafer, que teve dois operadores como alvos da segunda fase da Operação Sem Desconto na quarta-feira (14), informou, por e-mail que “não teve acesso aos relatórios referidos pelas reportagens”. A confederação informou que se manifestará “somente após a auditoria contratada pela entidade ser concluída, quando teremos possibilidade de oferecer a informação solicitada a contento”.

Crédito Gazeta do Povo

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Fonte:
Paulo Figueiredo

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