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Quando nasci, em um lugar distante e cheio de areia chamado Leblon, havia um pequeno colégio e uma igreja dedicada a Santa Mônica. Ali estava estabelecida a Ordem de Santo Agostinho, uma das ordens mendicantes da Igreja Católica, que defende a convivência fraterna e o engajamento com o mundo, atuando na educação, missão e trabalho social.
No final da década de 1960, conseguiram construir um prédio encravado no meio do bairro, a uma quadra da praia. Nessa escola passei o fim da minha infância e toda a minha adolescência.
Foi ali, entre Agostinho e Alceu Amoroso Lima, que aprendi que fé e liberdade não são opostos. Que a espiritualidade mais profunda nasce quando o ser humano se compromete com a justiça. E que só a razão nos liberta da escuridão do autoritarismo.
Aprendi que minha liberdade termina onde começa a do outro; que quem não para no sinal vermelho não tem direito ao verde; que caridade se faz sem alarde — e tantos outros valores. Afinal, a ordem segue os ensinamentos e a filosofia de Santo Agostinho de Hipona, do século IV, que valorizava a vida em comum, a oração, o estudo e a busca interior por Deus.
Aquelas salas, impregnadas de poeira branca de giz e vozes em eco, formaram não apenas nosso intelecto, mas também nossa consciência política. Eram os anos duros da ditadura militar. O medo era o idioma das ruas, a censura o filtro dos jornais, e a esperança resistia em formas clandestinas — num grêmio estudantil, num poema lido em voz baixa, numa missa que, mais que religiosa, era ato de resistência.
Estávamos sob um regime autoritário, em plena Guerra Fria, com milhares de bombas atômicas como ameaça constante, mas também , em contrapartida, sob a égide da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” esculpida, como Ruy Tavares tão bem explica em seu livro “Agora, Agora e Mais Agora”, ao longo de mais de um milênio (de 950 até 1948) era nosso guia.
Hoje, depois de décadas de uma grande ilusão de que poderíamos ter paz, vivemos um tempo em que o barulho substitui o pensamento, e a desinformação corrói a confiança coletiva. Ideias simples e sedutoras circulam em alta velocidade, muitas vezes impulsionadas por redes que favorecem a reação, e não a reflexão.
A verdade, antes bem público, tornou-se mercadoria disputada por narrativas. Líderes se erguem prometendo resgatar grandezas passadas, mas o fazem por meio da divisão, do medo e da negação do conhecimento.
Surge o risco de uma nova forma de obscurantismo — digital, emocional e estratégico.
Nunca a escolha de um pontífice me chamou tanta atenção — e apreensão — quanto esta. Quando vi a fumaça branca anunciar um papa norte-americano, jovem (com potencial para 20 anos de papado), professor, e membro de uma congregação modesta em tamanho, mas de profundo significado humanista e pastoral, confesso que me emocionei.
Prevost representa a síntese do que o mundo mais precisa: líderes que saibam pensar com método e agir com compaixão
Todos os papas da minha vida, de Paulo VI a Bento XVI, foram sacerdotes diocesanos, ou seja, não pertenciam a ordens religiosas. A exceção foi Francisco, jesuíta — de uma ordem criada com o objetivo principal de evangelizar e expandir a fé católica, especialmente combatendo o avanço do protestantismo na Europa.
A eleição de Robert Francis Prevost é consequência direta do esforço de Francisco em tornar a Igreja mais plural e acolhedora à diversidade da raça humana.
Prevost, com formação em matemática, experiência pastoral no Peru e trajetória acadêmica em Roma, representa a síntese do que o mundo mais precisa: líderes que saibam pensar com método e agir com compaixão. Homens de fé que não temem o saber científico. Homens de ciência que não renegam a alma.
A Igreja, sob Leão 14, pode se tornar um farol de equilíbrio. Não para impor verdades dogmáticas, mas para defender os fundamentos da civilização: a dignidade humana, a responsabilidade social, a educação como libertação, a ecologia como dever moral. Tudo isso em oposição direta às forças que preferem o conflito à convivência.
Em suas próprias palavras, Leão 14 afirmou que escolheu adotar esse nome: “principalmente porque o Papa Leão XIII, em sua histórica Encíclica Rerum Novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial. Em nossos dias, a Igreja oferece a todos o tesouro de sua doutrina social em resposta a outra revolução industrial e aos avanços no campo da inteligência artificial, que colocam novos desafios à defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho” (publicado no X pelo Vaticano em 10/5/25).
Nunca essa frase foi tão necessária: Habemus Papam.
* Fersen Lambranho é chairman de GP investments e G2D investments
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