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Eles são muito mais do que fãs. Fazem de seus ídolos o centro de seu mundo e dedicam-lhes tempo e dinheiro. Muito tempo e muito dinheiro — alguns têm até um segundo emprego apenas para sustentar sua devoção. Cultura japonesa em ascensão, o oshikatsu já está no radar dos analistas de investimentos e até do banco central do Japão, o BOJ.
Combinação das palavras oshi, “algo ou alguém digno de devoção”, e katsu, “dar suporte, impulsionar”, o fenômeno surge como uma esperança da retomada do consumo em um país em recessão – sobretudo agora, com o encerramento das negociações trabalhistas anuais.
Algumas das grandes empresas, como o conglomerado Hitachi, concordaram em aumentar os salários em 5%, em média — o reajuste mais substancial das últimas três décadas, em uma tentativa de conter a alta do custo de vida, em meio à escassez de mão de obra. Renovam-se, assim, as expectativas de que o oshikatsu “abra a carteira” dos japoneses.
Obviamente, não há fervor de fã desmedido o suficiente para levar o Japão de volta ao posto de terceiro país mais rico do mundo – posição perdida para a Alemanha em 2023. Mas, conforme levantamentos recentes, o oshikatsu injeta por ano ¥ 3,5 trilhões na economia do país; o equivalente a US$ 25 bilhões, aproximadamente.
Embora tais valores representem apenas 2,1% do total das vendas anuais do varejo, “é seguro dizer que os gastos com consumo devido ao oshikatsu estão em uma tendência de alta”, diz Kohei Okazaki, analista da Nomura Securities, em entrevista à agência de notícias Reuters. “Os gastos não essenciais parecem estar se mantendo, mesmo com a inflação levando muita gente a economizar em outras áreas.”
Para se ter ideia da importância do fenômeno para a economia japonesa, o termo foi usado pela primeira vez em um documento do BOJ em outubro de 2024, em referência à evolução do setor de serviços na região metropolitana de Tóquio.
Ele voltaria a ser citado no último relatório trimestral do banco, divulgado em janeiro. Dessa vez, por um operador da filial de Nagoya: “Embora os preços estejam subindo, os produtos e serviços estão vendendo bem devido à forte demanda por atividades de oshikatsu”.
Para muitos, a devoção incondicional a seu oshi favorito funciona como uma espécie de válvula de escape em momentos de crise econômica — mesmo que uma parte considerável do katsu seja de natureza financeira.
Pelas estimativas das empresas de marketing CDG e Oshicoco, 14 milhões de pessoas são adeptas do oshikatsu, o que representa pouco mais de 10% da população do Japão. O comportamento é típico dos mais jovens, principalmente entre aqueles ao redor de seus 20 anos. Mas, não está restrito a eles.
Quase seis em cada dez japoneses entre 15 e 49 anos têm a quem ou a algo venerar, revela pesquisa da empresa japonesa JR East Marketing & Communications, com 17 mil entrevistados.
Outro dado revelador do alcance da tendência é o estudo da consultoria Harumeku Lifestyle Expert Research Institute: o número de “seguidoras” do oshikatsu com 50 anos ou mais praticamente dobrou entre 2022 e 2024. E 46% delas “sustentam financeiramente” seus ídolos.
O amor em um outdoor
Ora, muitos podem pensar, ir ao show de sua banda ou músico favorito é uma forma de apoio monetário. Comprar uma camiseta com o símbolo de seu ídolo também. Da mesma forma como é participar de eventos, como os de meet & greet. Mas no universo oshikatsu não é apenas disso que se trata.
Os fãs japoneses vão além. Eles são, digamos, mais proativos. Cada vez mais comum, por exemplo, é o hábito de comprar espaços publicitários para gritar ao mundo a devoção por um oshi.
Um dos casos mais emblemáticos aconteceu no final de 2024. De diferentes regiões do Japão, quatro mulheres se conheceram pela internet, em uma comunidade de fãs da boy band JO1. Quando Takumi Kawanishi, um dos integrantes do grupo, foi convidado para participar de um filme, elas encomendaram um outdoor no metrô da cidade de Yokohama, cenário das gravações, e estamparam nele a foto do artista, com mensagens de felicitações. O custo do mimo? ¥ 155 mil semanais (cerca de US$ 1,1 mil).
No mês passado, um cartaz na estação ferroviária de Shinjuku, em Tóquio, em vez de trazer o anúncio de uma marca de cosmético ou de uma grife de roupa, exibia a imagem do cantor sul-coreano Kogun, com os dizeres “Happy birthday”. O autor da mensagem? O fã-clube japonês da jovem celebridade.
Também em Yokohama, a Marine Tower lançou um serviço de iluminação para que as pessoas possam iluminar a torre com a cor temática do oshi de seus sonhos. Vinte minutos de luzes coloridas a um custo de ¥ 44 mil (US$ 310). Os pedidos atualmente estão em torno de 20 por mês.
Desde sua inauguração, no final de 2024, em Tóquio, o Oshikatsu Izakaya Marumaru-no-kai vive lotado. O restaurante oferece 13 salas privativas, equipadas com sistema de luzes LED e televisão, onde os fãs podem assistir filmes e videoclipes de seus ídolos. A aposta é unânime: em breve, os izakayas dedicados única e exclusivamente ao oshikatsu desbancam os karaokês na preferência dos japoneses.
Um mundo de oportunidades
“Para marcas que visam o mercado japonês, explorar o fenômeno oshikatsu pode ser a porta de entrada para a conquista de novos consumidores”, lê-se em relatório da agência de publicidade An-Yal, sediada em Tóquio.
A partir do momento em que o oshikatsu se torna um componente essencial da identidade pessoal e do estilo de vida dos fãs apaixonados, influenciando como eles gastam seu tempo e dinheiro, abre-se um mundo de oportunidades nos mais diversos setores da economia. Entretenimento, publicidade, comidas e bebidas, moda, souvenirs, papelaria, brinquedos, serviços de alimentação… e por aí vai, uma variedade de segmentos tão grande quanto os ídolos possíveis.
Sim, porque o oshi pode ser tanto um artista, como Kogun, uma banda como a JO1 ou a AKB48, composta apenas por meninas, suprassumo da popularidade oshikatsu, quanto um influencer. Mas há personagens fictícios honrados com o mesmo fervor dedicado a celebridades reais, de carne e osso — outra particularidade que faz da idolatria japonesa diferente de qualquer outra do planeta.
Entre os mais famosos estão Hello Kitty; Hatsune Miku, representação antropomórfica de um Vocaloid; o youtuber virtual Fulgur Ovid; e a fada do mirtilo Burburu-kun, mascote da empresa de produtos de saúde Wakasa Seikatsu.
Um desejo profundo por conexão
O oshikatsu apareceu pela primeira vez nas redes sociais em 2016 e, dois anos depois, ganhou popularidade como hashtag no Twitter (hoje, X). Mas, o termo explodiria mesmo com a pandemia de covid-19. Tanto que, em 2021, foi indicado à palavra japonesa do ano.
No artigo Oshikatsu, the fandom phenomenon Japan hopes can boost its flagging economy, publicado recentemente na plataforma The Conversation, Fabio Gygi, professor de antropologia da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, defende: para além dos aspectos econômicos e das peculiaridades de fãs obcecados, o oshikatsu é um sinal da “lenta, porém profunda transformação” da sociedade japonesa.
“Pesquisas de 2022 sobre pessoas envolvidas em oshikatsu deixam claro que as ‘atividades de fãs’ atendem a um desejo profundo de conexão, validação e pertencimento”, escreve ele. “Embora isso possa ser satisfeito por meio de amizade ou parceria íntima, um número crescente de jovens adultos japoneses considera tais relacionamentos ‘incômodos’.”
O desconforto é mais comum entre os jovens do gênero masculino, especialmente os que trabalham meio período ou são funcionários de “colarinho azul”. Não à toa, o setor terciário japonês “está mudando para acomodar um número crescente de serviços que transformam coisas intangíveis, como amizade, companheirismo e fantasias românticas escapistas, em serviços pagos”, diz Gygi.
De abraços sem conotação sexual ao aluguel de um “amigo” por dia, por exemplo, é possível comprar o alívio para a solidão. “Por outro lado, compartilhar atividades de oshikatsu pode criar novas amizades. Fãs se reunindo para adorar seus ídolos coletivamente é uma maneira poderosa de estabelecer novas conexões”, completa o antropólogo.
Em texto na plataforma Medium, a escritora japonesa Yuri Minamide sintetiza a nova cultura em uma única frase: “Deixe-me gritar que eu te amo!!”
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Neofeed