Governo quer isentar 60 milhões da conta de luz. Mas existe almoço grátis?

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Especialistas e entidades do setor elétrico reagiram com surpresa e muitas críticas nesta quinta-feira, 17 de abril, à minuta da proposta de reforma do setor vazada na véspera e enviada pelo ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, para a Casa Civil.

Diferentemente dos pedidos que vinham sendo feitos há tempos por vários segmentos do setor – que uma proposta de reforma fosse amplamente discutida em audiências públicas e formulada em consenso -, as medidas foram desenhadas pelo governo federal sem consultas externas.

E, por seu teor, com objetivos claramente políticos, que possam melhorar o índice de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não se sabe, por exemplo, se a reforma será levada ao Congresso Nacional por meio de projeto de lei ou por medida provisória . As linhas gerais das principais medidas já vinham sendo anunciadas por Silveira desde agosto do ano passado.

As diretrizes da minuta incluem isenção da conta de luz para cerca de 60 milhões de pessoas da baixa renda, a abertura para o mercado livre de energia para indústria e comércio da chamada baixa tensão a partir de março de 2027 e para a população em geral no ano seguinte – quando todos poderão escolher seu fornecedor de eletricidade.

Outra novidade é a revisão de subsídios para o setor de energia elétrica, que representaram 13,78% da fatura da conta de luz e custaram R$ 45,1 bilhões em 2024 – sendo R$ 11,5 bilhões em benefícios para os projetos de energia renováveis, como eólica e solar.

Pela proposta, haverá aumento do número de beneficiados pela isenção, que se encaixam na chamada tarifa social. Hoje ela é aplicada de forma escalonada para famílias de baixa renda que gastam até 220 kWh, com descontos maiores para quem consome menos. Atualmente, o custo da tarifa social é de cerca de R$ 6,5 bilhões ao ano.

A minuta enviada à Casa Civil estabelece que a conta de luz passa a ser gratuita para todos de baixa renda que gastam até 80 kilowatts-hora (kWh) por mês, abaixo da média de consumo das residências no Brasil, que é de 200 kWh mensais. Se o domicílio gastar 100 kWh, por exemplo, terá gratuidade até os 80 kWh e pagará a tarifa normal sobre os 20 kWh restantes.

Pela proposta, são contempladas famílias do CadÚnico (desde que tenham renda mensal até meio salário-mínimo per capita, sejam indígenas e quilombolas ou sejam atendidas em sistemas isolados) e pessoas com deficiência ou idosos que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada).

O governo afirma que 17 milhões de famílias (ou 60 milhões de pessoas) serão beneficiadas. Serão 4,5 milhões (ou 16 milhões de pessoas) com a conta zerada.

A medida proposta aumenta, a princípio, a despesa em R$ 3,6 bilhões, o que causaria um aumento médio de 0,9% para os demais consumidores regulados. O governo espera abater essa despesa com a revisão de outros subsídios. Sem essas revisões nos subsídios, a tarifa média para o consumidor regulado subirá em cerca de 1,4%.

Outra novidade importante é a expansão do chamado mercado livre, por meio do qual os consumidores podem escolher quem vai fornecer sua energia. Pelo que foi divulgado, os consumidores de baixa tensão não poderão ter desconto para fontes incentivadas.

A justificativa é que quem está na alta tensão usa menos infraestrutura. Mas as outras etapas da cadeia, como a transmissão e a distribuição, continua como antes – o que deve ter agradado a esses setores.

Custos incertos

A parte mais incerta do pacote é como será reduzido o custo dos subsídios às renováveis. O governo acena com maior restrição para os descontos no uso da rede de transmissão e distribuição (Tust e Tusd), amplamente usadas por fontes incentivadas (como eólicas e solares).

Conforme o ministro Silveira havia prometido, o governo pretende limitar o uso da chamada autoprodução, que concede descontos para quem produz a própria energia (como em energia solar e eólica), pois há percepção no setor de abusos – incluindo a expansão desordenada de fazendas solares para oferecer energia por meio de assinatura, que leva a descontos de 10% da conta de luz.

A proposta estabelece uma demanda mínima de 30.000 kW e uma participação mínima da empresa beneficiária de 30% no capital social da geradora, para coibir abusos dos benefícios.

A rigor, as diretrizes atendem às reivindicações que vinham sendo feitas por boa parte do setor. Mas as críticas de especialistas e entidades ouvidas pelo NeoFeed refletem os problemas relacionados a vários aspectos da proposta do governo.

Lucien Belmonte, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro) e porta-voz do União Pela Energia – movimento que reúne 70 setores da indústria brasileira -,  chamou a atenção para o fato de a proposta ter sido divulgada sem anúncio oficial e à véspera de um feriado prolongado, com o Congresso Nacional e entidades de setor desmobilizados – o que dificulta um debate amplo sobre o tema.

“As medidas foram divulgadas para dar ênfase aos benefícios que podem trazer, como a isenção de pagamento de luz para população de baixa renda e a abertura do mercado livre, mas sem peso aos custos, com o claro objetivo de gerar notícias positivas para o governo”, diz Belmonte.

O presidente da Abividro aponta a necessidade de se fazer uma proposta que contemple uma análise regulatória mais ampla, o quanto as medidas vão gerar de impacto para todos os consumidores e a economia com um todo.

“As diretrizes anunciadas não preveem a correção estrutural do sistema nem a questão da competividade da indústria, incluindo os impactos inflacionários que, em vez de baratear, vão encarecer os produtos”, acrescenta o representante das indústrias engajadas na reforma do setor.

Outras duas entidades reclamaram da forma como a proposta foi divulgada – sem debate ou detalhes.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia – coalizão formada por 16 entidades de consumidores ligadas à indústria e ao comércio –, por exemplo, decidiu esperar por informações mais detalhadas para se posicionar.

Já a Abrace Energia, que reúne mais de 50 grupos empresariais responsáveis por quase 40% do consumo industrial de energia elétrica do Brasil e 42% do consumo industrial de gás natural, emitiu nota afirmando entender que o assunto é extremamente relevante e merece uma análise profunda e técnica.

“Como a indústria consumidora de energia elétrica não participou dos debates para a proposta, entendemos ser necessário cautela na avaliação dos pontos apresentados”, informa a nota da entidade.

E acrescenta que é “importante avaliar com cautela movimentos que procuram fazer o que é certo, o barateamento da conta para pequenos consumidores, mas que podem se apoiar no deslocamento de custos da conta de luz para o preço dos produtos brasileiros com resultados piores do que os benefícios pretendidos”..

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Neofeed

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