O “divórcio” entre EUA e China ameaça reduzir PIB global em 7%

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A recente onda de tarifas retaliatórias, mais do que agravar a guerra comercial entre Estados Unidos e China, na prática está enterrando de vez o comércio bilateral de US$ 582 bilhões, passo final para a dissociação econômica das duas maiores potências do planeta.

O alerta – na verdade, a constatação – é da Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão multilateral sediado em Genebra, que nesta quarta-feira, 16 de abril, divulgou seu relatório de perspectiva global no qual prevê os efeitos do “divórcio” repentino das duas maiores economias do planeta.

Antes mesmo do anúncio, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já sinalizou que pretende usar as negociações tarifárias em andamento com mais de 70 países para pressionar os parceiros comerciais dos EUA a limitar suas negociações com a China.

A ideia é extrair compromissos dos parceiros comerciais dos EUA para isolar a economia chinesa em troca de reduções nas barreiras comerciais e tarifárias impostas pela Casa Branca. Seria a consolidação da dissociação econômica EUA-China.

De acordo com a diretora-geral da OMC, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, o comércio de mercadorias entre os dois países deverá se reduzir em 80% até dezembro, um recuo que teria ultrapassado 90% sem a recente isenção da Casa Branca para smartphones e outros produtos de tecnologia.

“A queda no comércio entre os EUA e a China da magnitude da qual estamos falando é praticamente equivalente a uma dissociação das duas economias, isso reduzirá o PIB global em 7% no longo prazo”, acrescentou ela, condicionando essa estimativa se os países retaliarem e a incerteza tarifária continuar até o fim do ano.

Pelas estimativas da OMC, o volume total de bens comercializados ao redor do mundo deverá contrair 0,2% este ano — uma reviravolta abrupta em relação ao aumento de quase 3% no ano passado. Sem a incerteza comercial gerada pelas tarifas dos EUA, a OMC afirma que o comércio mundial cresceria 2,7% em 2025.

O relatório do órgão afirma ainda que as tarifas terão o maior impacto no comércio da América do Norte, com queda de exportações de 12,6% e de importações em 9,6% em 2025. A Ásia será a segunda mais afetada, mas a Ásia e a Europa ainda registrarão crescimento modesto tanto nas exportações quanto nas importações.

“Decoupling” pra valer

O relatório da OMC reforça um temor que já vinha sendo manifestado por especialistas e governos de vários países desde que Trump anunciou seu tarifaço: o risco da dissociação (“decoupling”, em inglês), termo que resume o resultado de uma disputa comercial prolongada entre as duas superpotências econômicas.

O efeito temido é a divisão do sistema comercial global em dois blocos distintos — países que negociam com os EUA e aqueles que negociam com a China. Nessa situação, independentemente de qual dos dois países arregimentar mais aliados, não terá vencedor.

Enquanto a economia dos EUA representa 26% do total do planeta, a China é responsável por 34% das exportações globais de produtos manufaturados. Com a dissociação dos dois países no comércio bilateral encaminhada – com as tarifas de Trump contra a China de 147% e as do líder chinês Xi Jinping de 125% penalizando importações americanas -, os dois países já dão sinais da estratégia daqui para frente.

Após sofrer um duro golpe na terça-feira, 15 – quando o governo chinês determinou que suas companhias aéreas suspendam a compra de aviões da fabricante americana Boeing, além de equipamentos e peças de empresas dos EUA -, Trump praticamente confirmou os dois passos de sua ofensiva contra a China.

O primeiro deles é usar as tarifas contra países aliados, oferecendo sua extinção em troca do fim ou redução ao máximo das relações comerciais desses países com a China. A arma é poderosa – a China é o maior parceiro comercial de 123 países.

O segundo passo, efeito do primeiro, é forçar um governo chinês debilitado pelo impacto em suas exportações a sentar à mesa de negociações com menos poder de barganha antes de potenciais negociações entre o presidente Trump e o presidente chinês Xi Jinping.

O próprio Trump insinuou a estratégia na terça-feira, dizendo ao programa em espanhol Fox Noticias que consideraria fazer os países escolherem entre os EUA e a China, em resposta a uma pergunta sobre a decisão do Panamá de não renovar seu papel na Iniciativa Cinturão e Rota, o programa global de infraestrutura da China para países em desenvolvimento.

Um dos cérebros por trás da estratégia é o secretário do Tesouro, Scott Bessent, que assumiu um papel de liderança nas negociações comerciais desde que Trump anunciou uma pausa de 90 dias nas tarifas recíprocas para a maioria das nações — mas não para a China — em 9 de abril.

Bessent é um dos maiores entusiastas da pressão contra a China, inclusive sugerindo a possibilidade de o governo Trump tentar retirar ações chinesas das bolsas americanas, conforme revelou em uma entrevista recente à Fox Business.

Trunfos chineses

A China, por sua vez, tem suas armas. Desde a primeira retaliação ao tarifaço de Trump, o governo chinês sinalizou qual seria o seu principal alvo: as empresas americanas que exportam para o país asiático ou dependem dos insumos importados da China.

Em uma frente, o governo chinês acrescentou 11 empresas americanas à sua lista de “entidades não confiáveis”, essencialmente impedindo-as de fazer negócios na China ou com empresas chinesas. Além disso, impôs um sistema de licenciamento para restringir as exportações de sete elementos de terras raras que são minerados e processados quase exclusivamente na China e são usados em tudo, de carros elétricos a bombas inteligentes.

Em outra frente,  anunciou que estava iniciando duas investigações comerciais sobre exportações americanas de equipamentos de imagem médica, uma delas envolvendo a DuPont. O segmento é uma das poucas categorias de fabricação nas quais os EUA continuam competitivos internacionalmente.

Analistas acreditam que o governo chinês deve usar a tática de fazer anúncios pontuais que minem a produção da indústria americana – a medida contra a Boeing se encaixa nessa estratégia -, além de penalizar os americanos dependentes das exportações chinesas de alto valor agregado.

A China, por exemplo, lidera a produção e exportação global de componentes eletrônicos e é responsável por quase um quinto das exportações globais de insumos intermediários, como vidro de segurança temperado (usado na produção de smartphones e laptops) e transistores.

As armas dos dois lados para atingir a economia do adversário parecem inesgotáveis. Por isso, a secretária-geral da OMC disse esperar que o órgão de 166 países-membros possa ajudar a intermediar uma solução para a crise.

Seria uma ironia que a OMC pudesse evitar a dissociação econômica EUA-China. O órgão, que teve os EUA entre os seus fundadores, tem sido boicotada desde que o governo de Barack Obama congelou a nomeação de um representante dos EUA, impedindo a solução de conflitos.

Uma das primeiras medidas de Trump após assumir o cargo em janeiro foi assinar decretos executivos iniciando o processo de saída da OMC e do acordo climático de Paris.

“Os membros da OMC estão agora mais interessados em reformar o órgão comercial para que ele mantenha condições equitativas”, disse a secretária-geral Okonjo-Iweala, que foi ministra das Finanças da Nigéria. “Uma das coisas boas que saíram disso é que os membros estão vendo o valor da previsibilidade e estabilidade do sistema criado pela OMC.”

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