Concessão da hidrovia do rio Madeira esbarra em “problemas amazônicos”

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A concessão da Hidrovia do rio Madeira entrou em águas turvas, com questionamentos de políticos do Amazonas sobre a viabilidade do projeto e dúvidas técnicas sobre como será feita a dragagem periódica que será exigida ao concessionário.

Os custos delas resultantes, que vão impactar na tarifa a ser paga pelas embarcações, além do provável impacto dessa dragagem no tráfego de embarcações rumo ao polo industrial de Manaus, ampliam a polêmica.

A crescente contestação à hidrovia do Madeira acabou levando o governo federal a priorizar o a concessão de outra hidrovia, a do Rio Paraguai – cujo trâmite regular, de audiências públicas e envio de estudo técnico para o Tribunal de Contas da União (TCU), passou à frente da hidrovia do Madeira, com possibilidade de ter edital e leilão de concessão concluídos ainda este ano.

O Plano Geral de Outorgas, elaborado pelo Ministério de Portos e Aeroportos e pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), agência reguladora do setor, prevê no total a concessão de seis hidrovias, que deverão gerar R$ 4 bilhões em investimentos diretos.

As concessões terão contratos de 12 anos e obrigação do concessionário de fazer dragagens periódicas para manter a navegabilidade do rio durante períodos de seca, entre outras obrigações. Em troca, o concessionário poderá cobrar pedágio, mas apenas das embarcações com grande carga.

Projeto da área anunciado inicialmente como prioritário pela pasta, a concessão da hidrovia do Madeira trouxe à tona alguns questionamentos técnicos-ambientais que não haviam sido levantados com grande ênfase pela sociedade civil após o anúncio, no ano passado, do plano de concessão das hidrovias.

“A proposta da hidrovia do Madeira é a que estava mais avançada, mas percebemos a necessidade de ter um alinhamento maior e por isso decidimos segurar o projeto”, afirmou ao NeoFeed o secretário de Hidrovias do Ministério dos Portos e Aeroportos, Dino Antunes, recalculando o leilão de concessão para o primeiro semestre de 2026.

Segundo ele, dúvidas e questionamentos em relação ao projeto de concessão de hidrovias são naturais, uma vez que se trata do último modal de transporte de grande porte no setor de infraestrutura a não dispor de um marco regulatório.

“Qualquer projeto que traz novidade, como de concessão de hidrovias, precisa mesmo ser discutido e na Região Norte mais ainda, porque os rios são como estradas – o que vai acontecer no rio traz impacto direto na sociedade do Norte do País”, acrescentou Antunes, assegurando que o governo está aberto ao diálogo.

O Brasil dispõe de 42 mil quilômetros de vias navegáveis, sendo cerca de 19 mil quilômetros com viabilidade econômica – ou seja, por onde navios e barcaças transportam grãos, granéis líquidos e combustíveis; veículos; fertilizantes; contêineres e cargas gerais. O objetivo é triplicar a capacidade de rios com viabilidade econômica.

O potencial representado pelas hidrovias é inegável. Além de ser um modal menos poluente que o rodoviário e o ferroviário, leva grande vantagem em relação ao custo de frete por tonelada transportada. Uma barcaça com 1.500 toneladas de carga, por exemplo, transporta o equivalente a 15 vagões de trens ou tira da estrada 58 carretas de caminhão de 26 toneladas cada.

Resistência

A concessão do Madeira prevê a entrega à iniciativa privada de aproximadamente mil quilômetros de trecho navegável entre Porto Velho (RO) e Itaquatiara (AM).  Ela inclui investimento direto estimado para os 12 anos de concessão de R$ 109 milhões e R$ 477 milhões em despesas operacionais, além do aporte de R$ 590 milhões da venda da Eletrobras em dez anos.

O modelo também prevê manutenção e operação de seis Instalações Portuárias Públicas de Pequeno Porte (IP4s) no futuro trecho sob concessão, entre Porto Velho (RO) e Itacoatiara (AM). O Madeira tende a ocupar papel de destaque na ampliação do escoamento de grãos do Centro-Oeste. A expectativa é de que as operações atuais de 15 milhões de toneladas subam para 25 milhões de toneladas por ano.

Apesar dos ganhos com a concessão, a resistência ao projeto do Madeira por parte de líderes políticos da Região Norte começou a ganhar tração no início do mês, quando o senador Eduardo Braga (MDB-AM) se posicionou contrário ao projeto, mas sem detalhar o motivo.

Depois foi a vez de outro senador do estado, Omar Aziz (PSD-AM), também demonstrar contrariedade à concessão do Madeira. Aziz, porém, citou preocupação com as taxas de pedágio e com a necessidade de dragagens constantes no rio Madeira.

“Se privatizar, vai ter que cobrar pedágio e alguém vai ter que arcar com isso”, afirmou. “Todo ano muda o leito do rio, conforme a seca e a cheia. Para garantir a navegabilidade, é preciso dragar, e isso às vezes exige muito tempo e recursos do governo federal.”

Procuradas, as assessorias do dois senadores não retornaram aos pedidos de entrevistas.

A polêmica cresceu na semana passada, quando o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa, reclamou que “o discurso de privatização” do rio Madeira estava atrapalhando a tramitação do processo para a concessão da hidrovia.

A declaração foi feita durante uma audiência na CI (Comissão de Infraestrutura) do Senado, ao responder perguntas dos senadores sobre os planos da pasta para os próximos dois anos. Costa Filho reconheceu que a concessão da hidrovia do rio Madeira deve ser tratada com cautela, por se tratar de um “tema sensível”.

Em paralelo, o ministro começou a buscar apoio ao projeto com outros políticos da região, entre eles o governador de Rondônia, Marcos Rocha, que concordou em ajudar.

Os eventuais impactos da dragagem do Madeira sob concessão estão por trás da resistência de políticos amazonenses. Isso porque o arrasto dos sedimentos retirados do fundo do rio deverá ser jogado, a princípio, na foz do Madeira.

O local é estratégico para a economia do estado – a foz do Madeira é localizada no encontro com o rio Amazonas, ponto duramente atingido pelas secas de 2023 e 2024, que prejudicaram o tráfego de embarcações do escoamento do polo industrial de Manaus, entre a capital amazonense e a cidade de Itacoatiara.

Augusto César Barreto Rocha, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) que acompanha de perto os problemas de logística na região amazônica, adverte que a concessão do Madeira e de outros rios da Amazônia é complexa porque não há estudos aprofundados do sistema hidrográfico da região.

Segundo ele, o que fazer com a dragagem regular do Madeira sob concessão é o primeiro problema. A opção de jogar os sedimentos na foz do Madeira é inadequada.

“Quanto mais se joga na foz do Madeira, mas se faz assoreamento do Rio Amazonas, agravando o acúmulo de sedimentos num ponto vulnerável para as embarcações”, diz Rocha.

O professor observa que o baixo calado nessa área durante a seca obrigou as empresas da Zona Franca de Manaus a ter um custo extra de R$ 2,9 bilhões nos últimos dois anos, para aumentar o número de embarcações com cargas menores para navegar por ali durante a estiagem.

Além disso, afirma Rocha, a região do Madeira tem tanta chuva fora dos períodos secos que a dragagem terá pouca valia. “Não sabemos como operar isso e até reconheço a boa vontade do governo, mas não vejo capacidade técnica ou solução para os problemas apresentados.”

O especialista afirma que o estudo preparado pelo governo para a concessão do Madeira tem o mínimo necessário para cumprir a lei para formalizar a concessão.

“É preciso um estudo de engenharia mais amplo sobre os rios da Amazônia”, acrescenta, deixando a entender que as outras três concessões de hidrovias da Região Norte – a dos rios Tapajós, Tocantins e Barra Norte, na foz do Amazonas, correm risco.

Isso porque o movimento das águas dos rios amazônicos é incomparável. “Na foz do Amazonas, na costa do Amapá, sai tanta água em 24 horas quanto todas as hidrovias da Europa no ano”, acrescenta Rocha.

Custo menor

Antunes, o secretário de Hidrovias, afirma que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) já executa algumas ações de dragagem no Madeira, rio em que o órgão mais atua neste sentido. Ele admite que o orçamento do Dnit não consegue garantir a navegação, daí a necessidade de concessão.

Segundo o secretário, a dragagem representa um custo elevado para os usuários de grande navegação, que precisam de calado. “A tarifa é muito inferior do que o ganho que essas empresas vão ter ao poder, em tese, navegar quase o ano todo ou muito mais que navega hoje.”

Em relação a resistências, Antunes diz que as empresas de navegação, que conhecem os custos envolvidos, enxergam benefício na concessão. Foi o caso da concessão do rio Paraguai, cujo processo está avançando.

Na semana passada foi finalizada a primeira audiência pública, em Corumbá (MS) e a próxima será em Brasília. O passo seguinte é encaminhar o projeto para o Tribunal de Contas da União.

Antunes anunciou ainda as negociações para criar uma parceira-público privada (PPP) entre a pasta e o governo do Piauí para criação da Hidrovia do Parnaíba – movimento fora do plano original de outorgas.

“O governo federal delega a modelação e estruturação, mas andando seria uma concessão estadual”, diz o secretário de Hidrovias.

Um modelo semelhante também está sendo discutido com a Companha de Docas da Bahia (Codeba), órgão federal, para criar a Hidrovia do São Francisco. “Vamos dar agilidade aos estudos do Dnit para viabilizar essa obra”, diz Antunes.

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