Polícia aguarda autorização do TJ para investigar prefeito de SC que ameaçou PM

A Polícia Civil pediu ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) uma autorização para abrir um inquérito para investigar a conduta do prefeito de Bela Vista do Toldo, Francisco Carlos Schiessl (MDB). Conforme o delegado Darci Nadal, há indícios de ameaça, abuso de autoridade e concussão/corrupção passiva do político contra um policial militar.

No domingo (02), o prefeito discutiu com o PM após ele abordar o afilhado de Schiessl em um caso envolvendo uma infração de trânsito. “Quer guerra comigo?”, gritou o prefeito, ao perceber que o veículo do afilhado seria guinchado. A ação foi filmada pelo policial.

Prefeito

Nas imagens, o prefeito aparece pedindo ao militar para liberar o condutor somente com uma multa, sem guinchar o veículo. O g1 entrou em contato com a assessoria do prefeito e não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.

  • O pedido ao TJSC para autorizar o inquérito ocorre porque, por causa do cargo, Schiessl tem foro privilegiado.

O TJ informou na tarde desta quinta-feira (6) que a solicitação chegou ao tribunal. Depois, o Poder Judiciário vai decidir se acata ou não o pedido da Polícia Civil.

Conforme o delegado Darci Nadal, o policial militar agiu de forma correta na abordagem com o afilhado de Schiessl, já que a medida legal para veículo com o licenciamento vencido é a remoção para o pátio.

O município de Bela Vista do Toldo fica no Norte de Santa Catarina e tem 5.872 habitantes, de acordo com o Censo 2022.

O que aconteceu

O vídeo que gravou o prefeito ameaçando o policial militar durante abordagem de trânsito também fez outros flagrantes. Nele, o político também aparece pedindo ao militar para liberar o condutor somente com uma multa, sem guinchar o veículo.

“Vamos amenizar a situação para ficar bom para todo mundo. Guinchar não!”, diz o prefeito. Ao perceber que o militar ia seguir com o procedimento, Schiessl questiona se ele tem certeza do que está fazendo e acrescenta: “Você quer guerra comigo?”.

Cronologia

  1. Schiessl não estava no local no momento em que o carro foi abordado
  2. Ele chega e questiona “o que está se sucedendo”. O PM responde que era apenas uma infração de trânsito
  3. Em seguida, o prefeito segue questionando o que tem de errado com o veículo. “Mas está atrasado ou o quê?” O militar explica e questiona: “o senhor é parente (do motorista)?”
  4. Schiessl, então, diz: “eu sou o prefeito daqui da cidade”. O PM responde que sabia do cargo
  5. Na sequência, o prefeito segue questionando se o militar realmente iria seguir com os procedimentos de multa e guincho
  6. Com a confirmação, a situação escala

“Você quer guerra comigo?”, diz o administrador, que bate no peito enquanto afirma que é o prefeito da cidade e que iria lutar para tirar o policial de lá. “O prefeito aqui na cidade sou eu”. “Eu vou mostrar quem manda nessa cidade”.

Em outro vídeo, Schiessl já está dentro do carro, diz: “Eu não vou bater boca com você porque eu sou prefeito e eu sou o teu chefe”.

O MDB municipal foi questionado, mas não retornou ao contato e a legenda estadual disse que não vai falar sobre o caso.

Em nota, o 3º Batalhão da Polícia Militar reforçou apoio à equipe policial, assim como a Associação de Praças do Estado de Santa Catarina (Aprasc).

  • Quem é o chefe da Polícia Militar?
  • Os policiais militares são servidores públicos estaduais subordinados aos governos de cada estado e aos governadores. Demissões, por exemplo, dependem de processos administrativos.
  • Os prefeitos gerenciam municípios e não têm autoridade sobre agentes estaduais. A explicação é de Guilherme Stinghen Gottardi, presidente da Comissão de Segurança, Criminalidade e Violência Pública da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB/SC).

PM estava sozinho e gravou ocorrência

O batalhão não soube informar em qual dispositivo as imagens foram feitas, mas afirmou que o PM estava sozinho e precisou chamar reforço. A corporação disse que o condutor do carro se recusou a fazer o exame de alcoolemia e, devido aos sinais de embriaguez, foi levado à delegacia.

Procurado pelo g1 para falar sobre como funciona a subordinação dos policias militares, o advogado Guilherme Stinghen Gottardi ressaltou a importância da gravação da ocorrência e alertou que as câmeras são mecanismos de defesa para o policial.

“Se o policial não tivesse gravado a ocorrência, como ele poderia se defender do prefeito em eventual procedimento futuro?”, questionou. “E nisso a OAB/SC vem alertando a tempos, sua preocupação com o fim do programa das câmeras corporais nas fardas dos policiais militares”, disse.

O uso de câmeras nos uniformes da PM foi encerrado em 2024. A PM afirmou, na terça (4), que segue em um processo de estudo sobre o uso dos equipamentos.

O que aconteceu com o afilhado?

De acordo com o delegado, o afilhado do prefeito foi levado à delegacia e declarada prisão em flagrante por dirigir embriagado, crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

Antes, quando ainda era abordado pela PM, ele se recusou a fazer o teste do bafômetro. “Como ele possuía mais de um sinal de embriaguez, o policial militar fez o auto de constatação”, explicou o delegado.

Com isso, já seria possível realizar a prisão. Porém, na delegacia, o motorista pediu para fazer o teste. “Salvo engano, deu 0,43 miligramas de álcool por litro”.

Foi dada a ele a possibilidade de pagar uma fiança de um salário mínimo, atualmente em R$ 1.518. Segundo o delegado, o motorista fez o pagamento e agora responde ao crime em liberdade.

O que diz a PM

Confira abaixo a nota completa da Polícia Militar:

A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), através do comando do 3º Batalhão de Polícia Militar (BPM), em relação aos eventos ocorridos durante a abordagem policial em Bela Vista do Toldo-SC no último dia 2, assevera que:

1. após a análise das informações preliminares devidamente registradas nos documentos pertinentes, bem como os relatos dos Policiais Militares envolvidos no atendimento, reforça seu total apoio às equipes policiais;

2. destaque-se que a abordagem e a condução de todo o procedimento foram realizadas em conformidade com a legislação vigente, além de estar de acordo com os manuais operacionais da corporação.

A PMSC, por fim, frisa seu compromisso na preservação da ordem pública, visando, principalmente, a proteção de todos.

O que diz a Aprasc

Veja a íntegra da nota da Aprasc:

A APRASC vem a público manifestar seu total apoio ao Policial Militar que, no cumprimento do seu dever, foi alvo de intimidação por parte do Prefeito de Bela Vista do Toldo.

Durante uma abordagem legítima, o Prefeito tentou usar de sua posição para ameaçar o Policial, insinuando que poderia removê-lo da cidade e desafiando sua autoridade. O Policial, no entanto, agiu de forma exemplar, mantendo a postura profissional e aplicando a lei com imparcialidade, sem se curvar a pressões políticas.

A APRASC repudia qualquer tentativa de interferência no trabalho dos militares estaduais e reafirma que a hierarquia e a disciplina da Polícia Militar não estão à mercê de interesses individuais. A caneta pode dar poder, mas o verdadeiro respeito se conquista com responsabilidade e retidão.

Nosso total reconhecimento ao Policial que honrou sua farda e demonstrou que o compromisso das praças é com a sociedade e com a legalidade.

A APRASC segue vigilante e atuante na defesa dos direitos e da dignidade de seus associados.

(G1)

Adicionar aos favoritos o Link permanente.