CMJP debate possível mudança de nomes de bairros em alusão a agentes da Ditadura Militar

Siga @radiopiranhas

A Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) realizou, na manhã desta sexta-feira (21), sessão especial para  debater sobre a possível mudança de nomes de logradouros públicos, bairros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas que se refiram a personalidades que, notoriamente, tenham tido comprometimento com a prática de graves violações de direitos humanos durante o período da Ditadura Militar.

A mesa de trabalho foi composta pelo propositor da discussão, pelo vereador Carlão (PL), que secretariou os trabalhos; pela promotora do Ministério Público (MP), Fabiana Lobo; pela representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Nadja Palitot; pelo ex-integrante da Comissão da Verdade em João Pessoa, Rodrigo Freire; pela integrante da Comissão Memorial da Democracia Casa de José Américo, Lúcia Guerra; e pelo presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba, Alexandre Guedes.

O vereador Marmuthe Cavalcanti destacou que a sessão especial foi idealizada para discutir com a população e os órgãos responsáveis pela recomendação de mudança de nomes. A determinação foi apresentada por Comissões da Verdade, que estudaram os eventos da Ditadura Militar, e pelo Ministério Público.

“É preciso diálogo sobre esse tema, pois existe uma legislação municipal que determina que não se pode mudar nomes de espaços públicos consolidados por mais de 10 anos. Vai ser necessário mudar ou aprimorar essa lei. Vale lembrar que estaremos nos referindo a nomes de bairros como Castelo Branco, Costa e Silva e Ernesto Geisel, além do Valentina Figueiredo, nomeado em homenagem à mãe do ex-presidente João Figueiredo. Os bairros não existem de forma autônoma, mas limita espaços das residências de pessoas e representam a cultura dos locais com sentimento, identidade e pertencimento”, arguiu.

O vereador destacou a necessidade da população pessoense ser ouvida sobre o tema, sem mais violação de direitos humanos e sem desrespeitar as culturas dos bairros. “Precisamos contribuir para que a melhor decisão seja tomada, após se promover amplo debate e consulta popular, para que no afã de ofertar solução não criemos outros problemas. Temos que resguardar o melhor caminho para o desfecho desta questão”, ensejou.

A promotora da cidadania do Ministério Público da Paraíba, Fabiana Lobo, fez um apanhado histórico da criação das Comissões da Verdade nas três esferas e suas recomendações. “As três comissões, após um longo período de estudo, fizeram recomendações no mesmo sentido, com relação a alterações de nomes de espaços públicos, porque se trata de um tema objetivo: que é a reparação histórica e simbólica. Faz parte do que a gente chama de justiça de transição, que são mecanismos e formas que o estado desenvolve para superar o legado de violência e abuso contra os direitos humanos. A Comissão da Verdade foi um mecanismo utilizado nesse processo de justiça de transição, com o objetivo de mostrar o reconhecimento e a reprovação do estado pelas violações que foram praticadas neste período de quebra do regime democrático”, explicou a promotora.

“Manter homenagens de ruas, de espaços públicos, no caso de João Pessoa, inédito em uma capital, de três bairros, com pessoas apontadas como violadoras, com graves violações aos direitos humanos, afronta não só o princípio constitucional do estado democrático de direito, como afronta a dignidade humana. Quando falamos em dignidade humana, não é só a dignidade das famílias das pessoas que foram torturadas, mortas ou que desapareceram, é a dignidade de toda a coletividade brasileira que foi atingida por um legado de violência do estado”, afirmou a promotora, salientando que as recomendações já resultaram em mudanças e jurisprudência, já que o município de São Paulo foi condenado a fazer a alteração de vários nomes de espaços públicos que homenageiam envolvidos na Ditadura Militar, em 2024.

A promotora explicou o Ministério Público oficiou a Câmara e a Prefeitura para saber o que já foi feito em João Pessoa para que haja essa reparação simbólica e histórica. “Nosso objetivo é cumprir nossa missão constitucional de garantia do estado democrático de direito. Vamos construindo isso e, se houver necessidade, mas creio que não haja, mais na frente a interposição de uma ação judicial para fazer valer os princípios constitucionais. Este ato [a sessão] mostra como o Legislativo quer debater e discutir com a sociedade”, afirmou, citando ainda um programa, também em São Paulo, que prevê a construção paulatina da mudança dos nomes dos lugares, inclusive para que a própria comunidade possa escolher os novos nomes.

A ex-vereadora Nadja Palitot, representando a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Paraíba (OAB-PB), salientou a importância da instituição na luta contra a ditadura. “Gostaria de lembrar a importância da OAB, que lutou de forma corajosa contra a ditadura militar. Fico feliz de ver a juventude lutando pela permanência dessas liberdades e também por essa vigilância. O preço da liberdade é o da eterna vigilância, então, não podemos esmorecer. É importante ressaltar sempre esse tema porque, afinal, vamos continuar aceitando que criminosos da ditadura militar possam ser homenageados com nomes de bairros enormes, de cidades? Por que vamos concordar com isso? Então, precisamos fazer tudo o que pudermos para que esses nomes possam sair e esses bairros tenham a oportunidade de serem chamados por outros nomes, mais honrosos e dignos. Precisamos modificar essas coisas e trazemos, como OAB, a vontade de continuar na luta pela democracia e pelas liberdades instituídas nesse país”, defendeu.

Rodrigo Freire, da Comissão da Verdade em João Pessoa, lembrou que a Comissão foi criada pela Lei 12.633/2013, de autoria de Fuba, e instituída em 2014. “Entre as atribuições da lei havia a mudança desses nomes e a reforma institucional para que não aconteça mais violação dos direitos humanos em João Pessoa. Essa mudança é tarefa fundamental para seguir na justiça de transição, na reconquista da democracia depois da ditadura e na promoção dos direitos humanos com novas lembranças. É contra pedagógico e conivente com esse tipo de prática de memória da ditadura. João Pessoa precisa reafirmar a memória adequada à democracia. É essencial o compromisso democrático com os direitos humanos inquebrantável e inviolável”, afirmou.

Como presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba, Alexandre Guedes explanou: “Nós nos organizamos na Paraíba como articulação estadual das entidades do movimento nacional de direitos humanos. Assumimos um compromisso histórico de estar na direção do Conselho Estadual e estou também na presidência da Fundação de Direitos Humanos Margarida Maria Alves. Nosso país é legiferante, é um país que produz leis todos os dias. O problema é dar efetividade às leis, fazer com que elas sejam cumpridas. Nossa tarefa enquanto Movimento Nacional é justamente ocupar esse espaço no Conselho Estadual para fazer com que a lei seja cumprida. É por isso que estamos com três pilares, que são a efetividade da lei, a estruturação administrativa e a interiorização das atividades do Conselho Estadual”. Alexandre ainda acrescentou: “Temos a tarefa de lembrar para que nunca mais aconteça”.

Representando o Memorial da Democracia da Fundação da Casa José Américo e o Comitê Paraibano por Memória, Verdade e Justiça, Lúcia Guerra reforçou a importância da sessão e do debate com a sociedade. “Vejo que é a oportunidade da comunidade debater e pensar a sua identidade, porque quando esses bairros foram criados e esses nomes colocados, a população não participou, foram nomes impostos, ninguém opinou que seu bairro se chamasse Castelo Branco. Agora é uma oportunidade de se consultar e pensar qual seria a identidade desse bairro, qual nome poderia realmente representar, e começar a construção de uma nova identidade. Nós, como seres humanos, estamos em constante construção, então não se pode pensar que aquilo é petrificado e não muda. Tudo muda na vida, então como o nome de um bairro, escola ou rua não pode mudar? Se temos argumentos sérios, violação de direitos humanos que essas pessoas fizeram, não podemos compactuar com essa situação”, defendeu Lúcia Guerra, destacando que a sessão é um primeiro passa pela ampliação do debate democrático e que deve ser uma construção coletiva.

Vereadores discordam

A vereadora Eliza Virgínia (PP) ressaltou que o assunto é delicado, mas existem verdades e verdades dependendo do espectro político seguido. Ela fez uma comparação entre o Ministério da Verdade, da obra 1984 de George Orwell, onde fotografias e arquivos públicos são manipulados para apagar desafetos do regime da história oficial, com as Comissões da Verdade, que investigam violações dos direitos humanos no Brasil.

“Defendo a escola sem partido, que mostre como os fatos aconteceram. Quando se fala em retirar nomes é como se estivéssemos negando a história. A família brasileira foi para a rua porque não queria a ditadura do proletariado que queriam instalar no Brasil. Há 55 anos quase tivemos uma guerra civil contra a instalação do comunismo em nosso país. Os civis e militares se uniram contra a desordem do Brasil. Qualquer mudança tem que ser feita por lei. Quem quiser fazer mudanças, obtenha votos e venha legislar aqui. O que sai desta Casa não é autoritarismo, sai daqui o que a maioria do povo de João Pessoa quer”, alegou.

O vereador Carlão (PL) questionou a criação da Comissão da Verdade em âmbito federal e estadual: “Trago aqui a mácula de todas essas comissões. Por que ao investigar os crimes do regime militar não se investigam os grupos armados que mataram e violentaram? Esses homens também não podem ser exemplo para ninguém. Precisamos ir além das ideologias”.

A vereadora Jailma Carvalho (PSB) destacou que, assim como a Câmara é um espaço para debater a estrutura dos bairros e garantia de direitos, também é um espaço para a reparação histórica. “Quando a gente faz esse debate, não é desmerecendo a memória afetiva dos moradores, mas é dizendo que a gente precisa, de uma forma pedagógica, dizer quem foi Castelo Branco, quem foi Ernesto Geisel. Nossa luta aqui também é em respeito às famílias que até hoje esperam seus entes queridos” afirmou, defendendo o diálogo com seriedade pelos bairros.

A vereadora citou que o bairro do Bessa, pela sua extensão territorial, foi subdividido em Aeroclube e Jardim Oceania, e seus nomes decididos sem consulta popular. “Mas, nosso trabalho aqui não é de imposição, é de construção junto com a cidade, de ouvir, de dialogar e de dizer, de forma pedagógica, o porquê esse debate é importante. Dizer que nunca mais daremos espaço para que pessoas atentem contra nossa democracia”, finalizou Jailma Carvalho.

@politicaetc

source

Adicionar aos favoritos o Link permanente.