1º presidente negro do TJSC assumiu o cargo exatamente 43 anos após a abolição 

 

Baiano, nascido em Salvador em 1879, Heráclito cresceu em uma casa repleta de livros, frequentada por intelectuais e artistas. Foi o quinto e último filho de Maria Francisca Ribeiro e do renomado Ernesto Carneiro Ribeiro, médico, linguista e educador.

Ernesto, aliás, protagonizou com Rui Barbosa, seu ex-aluno, um estrondoso debate público que entraria para a história jurídica do país. Motivo da desavença: a revisão ortográfica do Código Civil brasileiro em 1916.

Profundo conhecedor de filologia, Ernesto defendeu as peculiaridades e diferenças regionais do português falado no Brasil. Propôs uma adaptação da língua que fosse capaz de refletir a realidade local e a oralidade do povo.

Ou seja, em certo sentido, ele foi precursor da linguagem simples no Judiciário, mais de 100 anos antes de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) levantar essa bandeira. Conservador, Rui Barbosa posicionou-se contra, ao defender uma ortografia mais próxima da norma culta e europeia.

Heráclito nasceu nesse ambiente intelectualmente agitado. Formou-se na Faculdade de Direito da Bahia e mudou-se para Santa Catarina, atraído pelo clima frio. Casou-se em Laguna com a alagoana Áurea da Cunha em 1904 e, no ano seguinte, iniciou sua carreira na magistratura em Araranguá.

Depois atuou como juiz em São Bento do Sul, Joinville e Capital. Em 1920, foi nomeado procurador-geral do Estado, cargo no qual permaneceu até 1922. Nesse ano, por merecimento, chegou ao cargo de desembargador no então Superior Tribunal de Justiça do Estado, hoje Tribunal de Justiça. Na Corte, antes de ser presidente, foi corregedor-geral da Justiça e vice-presidente. Assumiu a presidência em 1931.

Sua história, no entanto, vai além: Heráclito é um dos fundadores da Faculdade de Direito de Santa Catarina, hoje integrante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); do Instituto Politécnico de Florianópolis, o qual dirigiu de 1930 a 1932; e do Ginásio José Brasilício de Souza. Em 1938, já aposentado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde advogou e lecionou nas Faculdades de Direito do Catete e de Niterói.

“Talvez seja impossível imaginar quantas barreiras e quantos preconceitos o desembargador Heráclito, ao longo da vida, precisou superar para chegar aonde chegou, para realizar o que realizou. Por isso, histórias como a dele precisam ser conhecidas e divulgadas, porque servem de exemplo e de inspiração para várias gerações”, diz a desembargadora Haidée Denise Grin, presidente da Comissão de Gestão de Memória do Poder Judiciário de Santa Catarina.

A Comissão, em conjunto com a Seção de Museu, produziu e publicou, em oito volumes, a biografia de todos os desembargadores e desembargadoras que compuseram o TJSC ao longo de 133 anos. Os volumes estão disponíveis gratuitamente no Portal da Memória .

“Conhecer a história, ampliar e valorizar a representatividade nos diferentes espaços em que vivemos e promover discussões é fundamental para avançarmos na direção de uma sociedade sem preconceitos, sem racismo”, diz Lília Lacerda da Silva, chefe da Seção de Museu. Para ela, datas como esta são pertinentes, pois suscitam importantes reflexões.

O município de Joinville prestou uma homenagem ao primeiro presidente negro do TJSC e deu a uma rua, no bairro Guanabara, o nome de Desembargador Heráclito Ribeiro. 

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