Pela primeira vez em 20 anos, dívida atrelada à Selic se aproxima de 50% do total

Os títulos públicos pós-fixados, as LFTs, são considerados um papel de crise. É a eles que o investidor recorre quando acredita que o cenário vai piorar. No melhor momento da gestão da dívida, em 2014, essa fatia chegou cair abaixo dos 20%. Mas, desde então, o volume só faz subir.

Hoje, 47% do total da dívida está em LFTs. Isso quer dizer se o Banco Central subir a taxa de juro – como aconteceu em setembro (0,25 ponto percentual) e deve acontecer de novo em 6 de novembro (expectativa de 0,5 ponto percentual) –, quase metade da dívida do governo fica imediatamente mais cara.

Ao longo da última semana, o InvestNews conversou com gestores e economistas do mercado financeiro, que manifestaram preocupação com a evolução dos indicadores da dívida. Quadro que pode levar a um ciclo mais longo de aumento de juros, na visão desses profissionais.

O total da dívida em títulos pós-fixados (estoque) é hoje de R$ 3,2 trilhões. Um ponto percentual a mais nessa conta significa nada menos do que R$ 32 bilhões a mais de gasto no ano. Para se ter uma ideia do que isso significa: todo o investimento do governo federal em infraestrutura de transportes no país deverá ser de R$ 24 bilhões em 2024. Com R$ 32 bilhões, o governo conseguiria ainda bancar dois meses e meio de Bolsa Família, o programa que hoje atende 54 milhões de pessoas.

Subir a taxa de juro não é uma maldade praticada pelo Banco Central, que fique bem claro. O BC tem um mandato para manter sob controle a inflação. E desarranjos na questão fiscal alimentam a alta de preços, seja pelo aumento da despesa pública pressionando a demanda por bens e serviços, pela desvalorização cambial ou pelo aumento da desconfiança.

Ter uma fatia tão grande da dívida pública brasileira indexada à Selic intensifica uma espécie de espiral negativa: a piora das expectativas leva o Banco Central a subir o juro, o que deixa a dívida pública mais cara – e isso retroalimenta a preocupação com o futuro. É por essa razão que tanta gente tem dito que um “choque fiscal” é a única saída para romper esse ciclo.

Na prática, o que acontece é que se há uma incerteza em relação ao juro futuro e à trajetória da dívida pública, ninguém quer se arriscar a ter na mão um título que pode acabar rendendo menos do que a taxa básica. A opção mais conservadora é comprar um papel atrelado à variação da Selic.

Trajetória preocupante

O que está centro do problema é a trajetória da dívida pública. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, afirmou nesta quarta-feira (23) que o arcabouço fiscal implementado pelo governo não é capaz de estabilizar a dívida – ou seja, ela vai seguir crescendo. Nas contas do fundo, o endividamento bruto do Brasil sairá de 87,6% do PIB em 2024, alcançará 92% em 2025 e baterá em 97,6% do PIB daqui a cinco anos. Ou seja, em 2029, o Brasil pode ter uma dívida quase do tamanho do seu PIB.

A dívida pública mobiliária – total de títulos públicos que o Tesouro Nacional emite para financiar o governo –, chegou a R$ 7 trilhões em agosto, último dado disponível. Para conseguir rolar essa dívida crescente, o governo tem aumentado a oferta de papéis pós-fixados indexados à Selic (LFTs).

Do volume de títulos vendidos este ano (em termos líquidos, descontando a parcela de papéis que venceu), cerca de 75% foram LFTs. A escolha de rolar a dívida usando LFTs – e não prefixados (LTN e NTN-F) ou papéis atrelados a índices de preço (NTN-B) – é uma estratégia que o Tesouro adota para driblar o momento negativo do mercado. É que, agora, o investidor até topa emprestar dinheiro para o governo, mas cobra um juro alto para isso.

Para se ter uma ideia, nos últimos leilões semanais que o Tesouro fez para rolar esse caminhão de dívida, os investidores chegaram a pedir taxas perto de 13% ao ano, bem acima do juro básico no momento, de 10,75% ao ano. Como não concorda com essa taxa, o Tesouro prefere rolar a dívida com os títulos indexados à Selic. Se concordasse, ele estaria indicando que aceita se comprometer com uma taxa muito alta por um período longo, de cinco ou dez anos.

Esse clima negativo do mercado em relação ao fiscal não é novo, mas vem tomando proporções maiores nas últimas semanas. E representa um contraste quando se olha para os indicadores de curto prazo da economia: o desemprego está nas mínimas históricas, enquanto a renda e o PIB estão em alta. Ao mesmo tempo, o Brasil conseguiu até uma melhora em sua nota de crédito concedida pela agência Moody’s, que colocou o país a um degrau do grau de investimento.

Nada disso tem entusiasmado os investidores. O real vem perdendo valor e tem um dos piores desempenhos dentre as principais moedas globais, assim como a bolsa brasileira.

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