Petróleo “mais limpo” dá vantagem ao Brasil na corrida pela descarbonização

O Brasil tem papel de destaque na transição energética graças às condições propícias para a produção de uma ampla gama de fontes renováveis, das já tradicionais eólica e solar aos chamados combustíveis “do futuro”, como o hidrogênio verde.

Mas o país conta com outro trunfo, este menos óbvio: o petróleo. Sim, ele mesmo.

É fato que as mudanças climáticas têm levado à imposição de metas de “descarbonização” da economia, o que exige o gradual abandono de fontes fósseis como o carvão e o próprio petróleo. Só que esse processo não será rápido nem barato – e tampouco será capaz de dispensar totalmente o petróleo no curto e médio prazo.

Nesse cenário, o óleo da camada pré-sal – que hoje responde por três quartos da produção nacional – desponta como uma boa alternativa de transição. O motivo: ele é “mais limpo” que os concorrentes. Emite até 70% menos gases de efeito estufa que a média mundial, segundo a Petrobras.

A empresa busca destacar esse ponto num momento em que o Brasil é questionado, em fóruns internacionais, por se colocar como um país “verde” e ao mesmo tempo destinar bilhões de dólares para a busca de novos campos de petróleo.

Petróleo do pré-sal é mais leve e menos poluente que a média

Na comparação com outros óleos extraídos do subsolo marinho (camada “pós-sal”) e de campos terrestres, o petróleo do pré-sal é menos denso e tem menos enxofre em sua composição. Com isso, dá origem a uma fração maior de derivados nobres, como querosene de aviação e gasolina, e por isso vale mais que os petróleos pesados. Como também é menos poluente, ele tende a ser cada vez mais valorizado em meio à transição energética.

“A transição energética é muito complexa e o Brasil está oferecendo atender uma demanda crescente de petróleo descarbonizado que nem todos os países atendem. Quem vai liderar é Brasil, Kuwait e Emirados Árabes. O mundo quer um produto cada vez mais refinado e o nosso tem resiliência e baixa carbonização”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Ardenghy.

Para o presidente da S&P Global Commodity Insights, Saugata Saha, os países que oferecem petróleo de baixa intensidade de emissões de carbono se destacam como fornecedores no mercado global quando se trata de transição energética.

“No passado, o mercado de petróleo levava mais em consideração o custo da produção e os aspectos químicos do produto, por exemplo, se o óleo era leve ou pesado. O novo fator que está entrando nessas discussões é a intensidade de carbono da produção. Isso é um grande diferencial”, disse o executivo em entrevista ao site EPBR.

Outra boa notícia para o Brasil é que o petróleo da Margem Equatorial – uma nova fronteira exploratória no litoral norte do país – também tende a ser do tipo leve, a julgar pelo óleo que já foi descoberto e está em exploração na Guiana.

“Normalmente o petróleo do pré-sal contém menos enxofre e outros elementos que contribuem para a formação de poluentes atmosféricos quando queimados. Além disso, é um petróleo mais leve, com baixa densidade, o que significa que contém menos carbono por unidade de volume”, explica Leandra Ribeiro, assessora de planejamento estratégico da Pré-Sal Petróleo (PPSA), estatal encarregada de gerir os contratos de partilha de produção.

Petrobras reinjeta gás carbônico nos campos do pré-sal

Outros dois aspectos ajudam o óleo do pré-sal a ganhar musculatura no mercado na corrida da transição energética. Um deles, diz Ardenghy, do IBP, é que o óleo mais leve é retirado com maior facilidade do fundo do mar. Isso reduz custos de operação e se reflete em ganho de competitividade.

“É um petróleo muito apreciado no mundo, pois é um componente leve e com baixo teor de enxofre. A natureza já nos ajudou num primeiro momento”, diz.

O outro aspecto é que o Brasil soube potencializar a natureza através da tecnologia. A Petrobras desenvolveu uma sistema pioneiro para reduzir a pegada ambiental do pré-sal.

Criado há cerca de 15 anos, logo que o pré-sal foi descoberto, o sistema ganhou o nome de CCUS (Carbon Capture, Utilization and Storage) – sigla que em português significa “captura, uso e armazenamento de carbono”.

Neste sistema, o petróleo bruto “sugado” pelos navios-plataforma (conhecidos no setor pela sigla FPSO) passa por um tratamento em que o gás carbônico (CO₂) é separado e depois reinjetado no poço.

A Petrobras também estuda implementar uma tecnologia inédita chamada HISEP para aumentar ainda mais a eficiência e descarbonização. O projeto-piloto será anunciado nesta terça-feira (20), no Rio de Janeiro, e começará a ser colocado em prática no campo de Mero, no pré-sal da Bacia de Santos.

Segundo a Petrobras, todas as 21 plataformas do pré-sal da Bacia de Santos têm a tecnologia CCUS. Em 2022, diz a empresa, foram reinjetados 10,6 milhões de toneladas de CO₂ nos reservatórios do pré-sal – um recorde mundial, que representa 25% do total reinjetado pela indústria no mundo naquele ano. A meta é atingir 80 milhões de toneladas reinjetadas até 2025.

A petroleira também recorre a outros projetos para mitigar as emissões de gases do efeito estufa, como a redução da queima de gás em tocha (flaring), da liberação de gases controlada (venting) e de vazamentos (emissões fugitivas).

Leandra Ribeiro, da PPSA, acrescenta que, entre as ferramentas para descarbonização do petróleo na indústria do pré-sal, também são usadas a eletrificação de equipamentos das plataformas, uso de embarcações híbridas, operação com turbinas de ciclo combinado e aumento da produtividade e da eficiência nos processos produtivos de forma geral.

O petróleo do pré-sal no Brasil produz cerca de 15 quilos de CO₂ por barril. É a metade da média mundial, ressalta Ardenghy, do IBP, que emenda: “No Canadá chega a ser 70 quilos de CO₂ por barril”.

Em 2023, 76% de todo o petróleo e gás produzidos no Brasil vieram do pré-sal. Foram pouco mais de 3,3 milhões de barris de óleo equivalente por dia, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

O campo de Tupi, na Bacia de Santos, é o maior campo produtor de águas profundas no mundo, segundo a Petrobras. Com 60 poços, é o que mais produz petróleo (com 804 mil barris por dia) e também gás natural (40 milhões de metros cúbicos por dia) no Brasil.

Margem Equatorial: expectativa de grandes jazidas de petróleo leve

Procurada pela Gazeta do Povo, a Petrobras não deu resposta até a conclusão desta reportagem. Em seu site, ela informa que o pré-sal continua a ser o centro de suas operações, “já que seu petróleo emite até 70% menos CO₂ equivalente por barril do que a média mundial”.

A empresa observa que a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê demanda de 20 milhões de barris por dia de petróleo até 2050 – e a maior parte desse volume ainda não foi descoberta.

Daí o esforço da companhia para convencer o Ibama a liberar a exploração de petróleo na Margem Equatorial. Em uma projeção mais conservadora, o Ministério de Minas e Energia (MME) acredita que haja algo em torno de 10 bilhões de barris recuperáveis comercialmente nessa nova fronteira.

Esse volume é próximo ao das reservas provadas do pré-sal – de 11,5 bilhões de barris ao fim de 2022, segundo a ANP.

“Até 2028, iremos investir US$ 7,5 bilhões na exploração de novas fronteiras de óleo e gás, sendo 41,5% do valor destinado à Margem Equatorial. Os outros 41,4% serão destinados para as Bacias do Sudeste e o restante, à exploração em outros países”, diz a Petrobras.

Como a Margem Equatorial tem características geológicas similares às da costa da Guiana, a expectativa é de que o petróleo também seja semelhante.

“A Margem Equatorial brasileira é estratégica porque nós temos ali alto potencial para a descoberta de óleo leve, que tem um valor comercial maior, além de uma localização geopolítica estratégica, próxima dos maiores mercados consumidores do mundo”, disse Raphael Moura, então diretor da ANP, em seminário sobre a região em 2021.

Petrobras quer usar tecnologia do pré-sal para chegar ao hidrogênio de baixo carbono

Embora a menina dos olhos de agora seja o pré-sal, já existem olhares direcionados para novos negócios. O próximo passo é usar a tecnologia CCUS para chegar ao hidrogênio de baixo carbono.

Em dezembro, a Petrobras, detentora da tecnologia, assinou um protocolo de intenções com o governo do Rio de Janeiro para implementar no estado um projeto-piloto de hub de captura e armazenamento de CO₂, incluindo o hidrogênio de baixo carbono.

A proposta é armazenar 100 mil toneladas de CO₂ por ano de uma Unidade de Tratamento de Gás de Cabiúnas, em Macaé (RJ). Esse carbono será enviado, através de um duto, e tratado na Estação de Barra do Furado, no município de Quissamã, para depois ser injetado e armazenado em um reservatório salino.

Uma vez que a captura de carbono na região vingue, a ideia é escalonar o processo e comercializar os créditos de carbono gerados, conforme contou o diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da estatal, Maurício Tolmasquim, ao jornal “O Estado de S. Paulo”.

“No futuro, a gente pode também gerar créditos no mercado. Vamos entrar na captura, que é o CCUS, e pode até gerar créditos [de carbono]”, afirmou o executivo.

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Fonte : Gazeta do Povo

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