História repleta de transformações

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A contagem regressiva para as Eleições Municipais 2024 — a 28ª da história do país —  já começou. No dia 6 de outubro — daqui a exatos 15 dias — cerca de 155 milhões de brasileiros e 3,2 milhões de paraibanos irão às urnas para votar, em primeiro turno, em seus candidatos aos cargos de vereador e prefeito. Nas cidades com mais de 200 mil eleitores em que nenhum candidato ao Executivo obtiver mais de 50% dos votos válidos (excluindo brancos e nulos), o segundo turno de votações será realizado no dia 27 de outubro. Na Paraíba, apenas João Pessoa e Campina Grande poderão ter segundo turno por serem as únicas cidades do estado com eleitorado superior a 200 mil.

Hoje, incorporadas ao calendário e à cultura democrática brasileira, as eleições no país possuem uma trajetória própria repleta de transformações. Da primeira votação formal organizada em território nacional — ainda em 1532, durante o período colonial, para escolher o Conselho Administrativo da vila de São Vicente, na capitania de mesmo nome — até os dias atuais, o processo eleitoral passou por diversas reformas que refletiram as mudanças sociais e políticas do país.

João Pessoa e Campina Grande poderão ter segundo turno por serem as únicas com eleitorado superior a 200 mil

 Início

A primeira eleição “brasileira” em moldes modernos, por exemplo, ocorreu somente um ano antes da proclamação da Independência, em 1821. Na ocasião foram eleitos os representantes do Brasil para as Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, após a Revolução Constitucionalista do Porto e a volta do rei dom João VI a Portugal, em 1820. Anos depois, em 1824, a primeira Constituição brasileira, outorgada por dom Pedro I, definiu as primeiras normas do nosso sistema eleitoral, criando a Assembleia Geral — órgão máximo do Poder Legislativo à época, cuja composição já contava com Senado e Câmara dos Deputados.

O voto, no Brasil Imperial, contudo, era restrito a uma minoria privilegiada da população. As eleições eram indiretas e censitárias, o que significa: primeiro, que os eleitores votavam para escolher os membros de um colégio eleitoral que, este, sim, era responsável por eleger o imperador e outros altos cargos; e, segundo, que o direito ao voto era condicionado a critérios como renda e propriedade, excluindo, por exemplo, mulheres, indígenas e escravizados.

Com a proclamação da República, em 1889, uma nova era foi iniciada com o fim do voto censitário e o estabelecimento do voto direto para deputados e senadores. Todavia, a Primeira República (1889-1930) foi marcada por fraudes e manipulações eleitorais, com governadores estaduais exercendo forte controle sobre o processo eleitoral em seus estados. São dessa época as chamadas “Eleições a Bico de Pena”, em que o voto aberto (não secreto) facilitava a coerção dos eleitores pelos líderes locais. Não à toa, também datam desse período as expressões “voto de cabresto” e “voto de curral”.

 Golpes e reformas

Nas décadas seguintes, o processo eleitoral passou por uma série de reformas significativas com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. O Código Eleitoral de 1932, por exemplo, instituiu o voto secreto e garantiu o direito de voto às mulheres.

Contudo, com a instauração do Estado Novo de Vargas após o golpe de Estado de 1937, as eleições foram suspensas até 1945. Após a redemocratização, em 1946, uma nova Constituição foi promulgada, restabelecendo eleições diretas para os principais cargos políticos do país.

A estabilidade do processo eleitoral, entretanto, não foi suficiente para garantir a estabilidade política. Em 1964, o golpe civil-militar, que depôs o então presidente João Goulart, instaurou uma ditadura que suspendeu o voto direto dos cidadãos para cargos majoritários durante praticamente duas décadas. Durante o período, o voto direto era exclusivo a deputados federais, estaduais e vereadores. Somente em 1984, após mobilizações populares como a campanha “Diretas Já”, o Brasil voltou a ter eleições diretas.

Constituição de 1988 consolidou retomada da democracia

Em 1988, a promulgação da Constituição Federal consolidou a retomada democrática no país, garantindo direitos políticos fundamentais e estabelecendo um sistema eleitoral mais robusto. A partir daí, o sistema eleitoral brasileiro passou ainda por diversas reformas para aumentar a transparência e a representatividade. Entre as novas medidas implementadas, destaca-se a adoção das urnas eletrônicas em 1996. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais do que combater as fraudes, o voto informatizado também agregou, “qualidade, agilidade, transparência, segurança e robustez” ao processo eleitoral.

Vantagens
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, mais do que combater fraudes, o voto informatizado também agregou “qualidade, agilidade e transparência”

Em termos legais, é possível ressaltar medidas mais recentes como a Emenda Constitucional nº 97/2017, que proibiu coligações partidárias nas eleições proporcionais e estabeleceu normas sobre o acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão; a Lei 14.192/2021, que tornou crime a violência política de gênero; a Lei 14.211/2021, que reduziu o limite de candidaturas que cada partido pode registrar; e a Emenda Constitucional nº 117/2022, que impôs aos partidos a aplicação de recursos do fundo partidário na promoção e na difusão da participação política das mulheres, bem como a divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão no percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional uma proposta para um “Novo Código Eleitoral” (PLP 112/2021), que visa unificar e modernizar toda a legislação eleitoral brasileira. Além disso, uma “minirreforma eleitoral” (PL 4438/2023) foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2023, trazendo medidas como a oferta de transporte público gratuito no dia das eleições e a legalização de candidaturas coletivas para cargos de deputado e vereador. O texto, contudo, ainda não foi apreciado pelo Senado.

Ainda sobre a modernização do sistema eleitoral para atender as demandas da sociedade, neste ano, o TSE regulamentou, de maneira inédita, o uso da inteligência artificial (IA) na propaganda de partidos, coligações, federações partidárias, candidatas e candidatos nas Eleições Municipais. As 12 resoluções aprovadas pela Corte estabelecem, por exemplo, que os partidos e candidatos deverão avisar quando os conteúdos de propaganda forem produzidos com uso de IA e que os provedores de internet e plataformas digitais são obrigados a combater a disseminação de notícias falsas, assim como discursos de ódio ou com teor antidemocrático.

Desafios

De acordo com o professor de Direito Eleitoral da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Renato César Carneiro, o sistema eleitoral brasileiro ainda tem muito a ser aperfeiçoado, sobretudo no que se refere à redução de violência nas eleições, à compra de votos e à fraude eleitoral. Contudo, segundo o jurista, tais melhorias não dependem exclusivamente da Justiça Eleitoral.

“Para isso, nós precisamos reduzir as desigualdades sociais e econômicas do país, porque nós não podemos falar em democracia se há uma dependência enorme de uma grande parte do eleitorado brasileiro. Não há democracia se há desigualdade social e econômica. Não há que se falar em democracia, se não há liberdade econômica do eleitorado. Esse é o grande desafio da nossa democracia”, pontuou.

Sobre o contexto eleitoral deste ano, o professor explica que o crescimento do eleitorado — em 2024, o Brasil terá, segundo o TSE, a maior eleição municipal da história — acompanha uma tendência histórica: “Toda eleição será sempre maior que a outra”, resumiu.

Em relação às expectativas sobre a participação política da população, ele observa: “A tendência é que os eleitores sigam ou reflitam o comportamento da representação política, isto é, da classe política. Os exemplos sempre vêm ´de cima`. Ou seja, o eleitorado — quem está ´por baixo` — é um espelho das lideranças políticas do país. A questão é que os exemplos não têm sido bons. Infelizmente essa é a realidade do momento que nós passamos no país”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de setembro de 2024.

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A União

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