Idade não deve determinar vínculos

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Em outubro de 2021, a família do casal Simone Aciole e Carlos Marinho, de Campina Grande, cresceu com a entrada de mais três novos membros: Gabriel, Alessandro e Manoel, respectivamente com três, seis e sete anos de idade, à época. Depois de dois anos de procura, o casal conseguiu adotar um grupo de três irmãos — algo fora da curva em relação às adoções, que geralmente focam em bebês e crianças de até dois anos. “Entendemos que todas as crianças podem se tornar filhos, independentemente da sua idade. Não nos prendemos à ideia de que não seria possível viver com os nossos filhos, pelo fato de não serem mais bebês, e dissemos ‘sim’ a tudo o que poderíamos construir e viver juntos, a partir do nosso encontro”, considera Simone.

Segundo informações do Setor de Adoção da 1a Vara de Infância e Juventude de João Pessoa, metade das 32 crianças adotadas neste ano, na Paraíba, tinha até dois anos de idade. Além delas, foram adotadas três crianças de dois a quatro anos; seis de quatro a seis; quatro de seis a oito anos; uma de oito a 10; uma de 10 a 12; e uma de 14 a 16 anos. Atualmente, a Paraíba dispõe de 84 crianças e adolescentes para a adoção, sendo que 37 já estão vinculados a pretendentes. No contexto brasileiro, em 2024, de 3.020 crianças e adolescentes adotados, 1.343 tinham até dois anos de idade — quase a metade do número total.

Em 2023, por sua vez, 40% das 71 crianças adotadas na Paraíba tinham até dois anos. As demais idades ficaram assim: sete crianças de dois a quatro anos; 10 de quatro a seis; 10 de seis a oito; três de oito a 10 anos; sete de 10 a 12 anos; quatro de 12 a 14 anos; e duas de 14 a 16 anos. No Brasil, nesse mesmo ano, 2.398 crianças de até dois anos foram adotadas, dentro de um conjunto de 5.339 adoções realizadas em 2023 — cerca de 44% do total.

De acordo com o juiz da 1a Vara da Infância e Juventude de João Pessoa, Adhailton Lacet, a maioria das pessoas quer adotar crianças mais jovens por acreditar que elas dão menos trabalho e são mais fáceis de fortalecer os vínculos de afinidade, sem a necessidade de reconstruir a história de sofrimento e de violações de direitos por que passaram. “Já que o cadastro dá oportunidade de traçar o perfil, a maioria opta por bebês, talvez por pensar que crianças mais velhas vêm com a personalidade já formada e carregam as angústias e as dores dos lares anteriores. O perfil procurado pela maioria das pessoas é bebê de zero até dois anos, do sexo feminino e da pele clara”, explica.

A maioria opta por bebês, talvez por pensar que crianças mais velhas vêm com a personalidade já formada    —   Adhailton Lacet

Para Simone e Carlos, isso não foi um problema. Segundo ela, como adotantes, ambos entendiam que os filhos não eram uma página em branco e carregavam uma história que precisava ser respeitada. “Sabíamos disso. Quando conhecemos a história deles, nós a abraçamos, pois ela faz parte da vida deles. Mas eles não se resumem a ela. Entendemos que estamos aqui exatamente para ajudá-los a ressignificar a sua história e construir um novo caminho. Precisamos abraçar esse passado com eles, para ajudá-los a seguir adiante. Não temos o poder de curar todas as feridas. Mas, como pais, temos a missão de ajudá-los a sentir menos dor”, defende Simone.

Construção de novos caminhos demanda afeto e compreensão

A adoção de um grupo de três irmãos também é algo incomum entre os adotantes paraibanos. No caso de Gabriel, Alessandro e Manoel — que estavam cadastrados no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) —, o casal Simone e Carlos precisou fazer o que é chamado de “busca ativa”, que significa procurar crianças e adolescentes que não tivessem pretendentes para o seu perfil, ou seja, com poucas chances de adoção. Em situações assim, a busca pode ser feita em nível nacional.

Das 32 adoções efetivadas na Paraíba, neste ano, apenas duas incluem três irmãos ou mais, contra 15 adoções sem irmãos e 15 com um irmão. Inicialmente, o casal havia pensado em adotar duas crianças — ou seja, já havia o desejo de adotar irmãos. “Mas, depois de muita reflexão, um ano depois de darmos entrada no processo de habilitação, solicitamos a alteração do perfil, ampliando o grupo de irmãos e a faixa etária. Uma semana depois, fomos chamados e informados sobre os nossos filhos”, relembra Simone.

Segundo o casal, houve as dificuldades de adaptação esperadas, como em qualquer adoção. No entanto, essas questões não tiveram relação com a idade das crianças, e sim com a mudança da composição familiar, que passou de um casal para um grupo de cinco pessoas. “Os desafios que surgiram eram previstos, como dificuldades escolares do nosso filho mais velho e regressões de comportamento — quando as crianças se comportam como se tivessem menos idade, como se fossem bebês. Mas sabíamos que isso poderia acontecer, por se tratar de um mecanismo psicológico deles, para se sentirem pertencentes. Nada que dedicação, amor e paciência não resolvessem. Eles se entregaram muito rápido ao amor de pertencer a uma família! É um processo intenso!”, diz ela.

Vara incentiva prática

A chamada adoção tardia, justamente por ser mais incomum entre os pretendentes, precisa ser incentivada. Todo dia 25 de maio, Dia Nacional da Adoção, a 1a Vara de Infância e Adolescência realiza ações e projetos para informar e conscientizar as pessoas sobre a possibilidade de adoção de crianças mais velhas. “Nós juntamos as crianças dos acolhimentos com pessoas pretendentes à adoção para fazer essa aproximação e para mostrar que existem pessoas que adotam crianças mais velhas e se dão muito bem com essa escolha. Então, na vara, há sempre esse tipo de evento para estimular a adoção tardia”, coloca Lacet.

Atualmente, a capital paraibana está com a lista de adoção zerada, segundo Lacet. As crianças que se encontram nos abrigos da capital já estão em estágio de convivência com os adotantes. “Hoje, se alguém der à luz a uma criança e disser que quer entregá-la para a adoção, a maternidade entra em contato com a Vara da Infância e Juventude, a nossa equipe técnica recebe aquele bebê e o encaminha imediatamente para o casal que está na fila do SNA. As que aparecem são imediatamente encaminhadas para as pessoas previamente habilitadas”, explica o juiz.

Fechar a conta

De acordo com a Andi – Comunicação e Direitos, há, no Brasil mais de 35 mil pretendentes à adoção, categorizados por estado civil: casado (73%), união estável (14%), solteiro (9%) e divorciado (3%). Do total, apenas 2% aceitam a adoção tardia, segundo dados atualizados da plataforma SNA.

De um lado, há quase 4,5 mil crianças e adolescentes aguardando uma família para chamar de sua; do outro, milhares de pessoas que desejam viver a parentalidade. A conta não fecha. Apesar de a adoção tardia ter crescido 9,3%, entre 2022 e 2023, crianças com mais de 10 anos ainda representam 60% das disponíveis para adoção.

Para mais informações, acesse o SNS por este link

Saiba Mais

  • Acolhidos(as): são crianças e adolescentes que sofreram algum tipo de violação de direitos ou violência dentro do lar e, momentaneamente, são encaminhadas a um abrigo, até que se resolva a situação que motivou o afastamento.
  • Crianças e adolescentes disponibilizados: são aqueles cujos pais estão destituídos do poder familiar e que aguardam a possibilidade de serem colocadas em uma família substituta.
  • Busca ativa: é quando uma criança ou adolescente tem poucas ou remotas possibilidades de adoção, seja por ter uma patologia mais acentuada ou uma doença incurável, seja por estar em um grupo de irmãos. Nesse caso, a equipe técnica faz a busca ativa de pretendentes em todo o território nacional, para encontrar alguém disposto a adotar.
  • Instituições de acolhimento ou abrigos: são casas que comportam até 20 crianças, cuidadas por equipes multidisciplinares compostas por coordenadores, psicólogos, assistentes sociais, cuidadores, vigias e cozinheiros.
  • Famílias acolhedoras: são residências comuns, em que as pessoas são capacitadas para receber crianças por até 18 meses.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de setembro de 2024.

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Fonte

A União

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