Proibir é benéfico para a educação?

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 Não é novidade que o Brasil é, hoje, um dos países que passa mais tempo utilizando telas, em todo o mundo. Em média, o brasileiro passa nove horas do seu dia dividido entre smartphones, computadores, tablets e outros dispositivos eletrônicos. E, no caso de crianças e adolescentes, a tendência se repete. O Comitê Gestor da Internet no Brasil, em pesquisa realizada em 2022, mostrou que 92% dos indivíduos com idade entre nove e 17 anos já são usuários regulares de internet, sendo o celular o principal dispositivo de acesso. Talvez seja por isso que pais e educadores têm buscado tornar a educação, novamente, um espaço livre de telas, mobilizando-se para utilizar material didático impresso e promover exercícios off-line.

Joventina Fernandes é gestora da Escola Cidadã Integral Félix Araújo, em Campina Grande, e conta que, antes do isolamento social causado pela pandemia de Covid-19, os professores vinham utilizando os dispositivos eletrônicos em sala de aula como forma de integrar a tecnologia ao aprendizado. “Nós fazíamos atividades com o celular, pesquisas e jogos, mas percebemos que, ao retornamos, o uso do celular ficou em completo descontrole. Temos alunos que, quando têm o seu aparelho recolhido, tornam-se agressivos. É como uma verdadeira dependência. Então, tivemos de proibir totalmente o uso dos celulares, de novo”, conta.

Ela revela ainda que os pais concordam com a proibição na escola, mas encontram dificuldades em conscientizar os filhos quanto aos malefícios do uso exagerado desses dispositivos. “É difícil, para os pais, ter esse controle. Muitos trabalham o dia todo e não têm como fiscalizar o que os filhos estão fazendo na internet nem quanto tempo estão passando on-line. É uma situação complexa de ser resolvida”, diz.

Ensino e perspectiva

A nova geração é a primeira a nascer em um mundo integralmente digital. Por essa razão, ainda é cedo para apontar quais são os efeitos, em longo prazo, de uma infância e uma adolescência imersas nas plataformas on-line e nos dispositivos eletrônicos. O que os educadores já conseguem perceber é a dificuldade de atenção que muitos alunos apresentam em sala de aula. A pedagoga Mariana Eugênia, que trabalha com crianças em fase de alfabetização, relata que as crianças têm dificuldades de executar tarefas que exigem mais concentração.

 “O excesso do uso também prejudica o desenvolvimento global da criança. A fala, a memória, a escrita e, inclusive, a questão motora. Alunos menores, que são apresentados ao celular muito cedo, ficam com o movimento de pinça, que a gente chama de praxia fina, prejudicado. Não conseguem ter esse movimento para segurar o lápis, por exemplo, porque só sabem fazer o movimento de deslize característico das telas”, detalha a pedagoga.

Com a migração cada vez maior para o mundo digital, os pais se mostram aliviados ao saber que, pelo menos, na escola, os filhos terão algum tempo longe das telas. Para Larissa Piano, mãe de Gabriel, de 14 anos, a proibição dos celulares é um dos fatores que a fazem valorizar a escola particular onde o adolescente estuda. “Nas salas de aula, há bolsões enumerados, em que cada aluno tem um número para guardar o seu celular durante a aula. No intervalo, é permitido, mas, ao entrar na sala, tem que deixar o celular no bolsão. Eu acho isso ótimo, porque é um mecanismo que inibe esse comportamento vicioso”, relata Larissa.

Segundo a mãe, a mudança de humor e de concentração é totalmente perceptível quando Gabriel está com o celular no momento de estudo. “Tivemos que dar o celular por necessidade de comunicação e também porque não acho certo isolar o adolescente da vida social, sempre buscando ensiná-lo a usar o aparelho com sabedoria. No entanto, percebo que, com o celular, ele não tem a atenção necessária para assistir a um filme ou para ler um livro, por exemplo”, acrescenta.

Além da atuação da escola, Larissa também busca preencher o tempo do filho com atividades que não precisem do celular. “Ele começou a praticar basquete, durante a pandemia, já como uma forma de diminuir o uso do celular, pois, com o isolamento, o celular era tudo o que ele tinha para se distrair. E aí, com a prática do esporte, ele fica três ou quatro horas sem se lembrar de que o celular existe”, comemora.

Protocolos de uso são construídos em colaboração com os pais

Foi por meio dos professores que os primeiros sinais do prejuízo que causa o uso excessivo de aparelhos celulares no aprendizado chegaram à direção da Escola Municipal de Ensino Fundamental Leônidas Santiago, no Bairro do Cristo Redentor, em João Pessoa. Em reuniões de planejamento pedagógico, os docentes do 5o ao 9o anos do Ensino Fundamental levaram reclamações sobre como o celular atrapalhava a concentração nas aulas, a participação em atividades e a interação dos alunos entre si.

Foi então que, a partir de abril deste ano, o colégio adotou um protocolo de uso dos aparelhos: os celulares são recolhidos após a entrada de todos os alunos na sala, ficam guardados em pastas específicas, na sala da direção, e são entregues apenas quando os estudantes são liberados das aulas. No entanto, a decisão e o formato do protocolo não foram definidos de uma hora para outra.

A medida foi tomada depois de muita conversa da direção com a equipe pedagógica e com os professores, segundo explica a gestora pedagógica da escola, Aline Barbosa. “Após a decisão, a direção realizou uma reunião com os pais dos alunos para discutir a situação e ouvir a opinião deles em relação ao recolhimento dos aparelhos. A aceitação foi unânime. A Secretaria de Educação foi informada da decisão e nos deu total autonomia, pois entendeu que beneficiaria a aprendizagem e os resultados obtidos pela escola”, explica Barbosa.

De fato, o município de João Pessoa não tem legislação específica sobre o assunto, mas a Secretaria de Educação e Cultura do Município de João Pessoa tem algumas recomendações, como o uso pedagógico dos aparelhos como recurso didático. “O uso indevido, que distrai o estudante durante a aula, é o ponto crucial da discussão. Para ajudar os educadores, dispomos de um conjunto de estudos educacionais, no âmbito da psicologia e da neurociência, que nos fornecem argumentos e esclarecimentos sobre o uso excessivo de telas e as suas consequências para as capacidades cognitiva e emocional dos estudantes, inclusive as crianças”, acrescenta a diretora de Ensino, Gestão e Escola de Formação da secretaria, Clévia Carvalho.

Neuroplasticidade

“Bolsão” para guardar o aparelho durante as aulas é uma das alternativas encontradas

Também foi a partir do olhar dos docentes que uma escola particular de João Pessoa, o Instituto Pessoense de Educação Integrada (Ipei), precisou ajustar o uso dos celulares. Nesse caso, os professores foram percebendo uma queda progressiva no rendimento dos alunos e a intensificação de um comportamento distraído nas aulas — e viram que isso estaria associado ao uso excessivo de celular, dentro e fora da escola.

“A primeira medida foi estudar, a partir da neurociência, o que era fato e o que era fake. Então, confirmamos que a prática realmente prejudica a neuroplasticidade mental. A segunda foi levar psicólogos para orientar os professores. Depois disso, fomos até as famílias para discutir o caso e dizer que a mudança não se daria de uma hora para a outra, mas de forma didática”, relata Amélia Nóbrega, gestora pedagógica do colégio. A aproximação com os alunos foi feita a partir da inserção do tema nas disciplinas, em conversas nas assembleias coletivas e nas reuniões com os representantes de turma.

Nas palavras da gestora, a transição aconteceu como um desmame, de forma gradual e educativa. No início do ano, foi proibido o uso de celular tanto na sala de aula como no primeiro dos dois intervalos do colégio. Assim se seguiu até abril, quando o uso também foi proibido no segundo intervalo, deixando apenas a opção do uso do celular ao fim das aulas. “Agora a gente está na fase de não ter mais de jeito nenhum. Se alguém estiver doente, procura a secretaria da escola, que a gente entra em contato com as famílias. Se alguém estiver precisando de um motorista de aplicativo, a gente pede na escola”, explica.

 

Para Lara Rique, aluna e representante do 9o ano do Ipei, a retirada do celular permitiu novos comportamentos. “Percebi que, no recreio, a gente já não fica distraída com o celular. Consegue conversar, interagir e descansar a mente depois das aulas. A gente volta para a sala com a cabeça mais descansada e disposta a aprender. Ajuda muito na concentração, porque diminui a ansiedade, Além disso, já que conversamos com todos os amigos, durante o recreio, não ficamos conversando tanto na sala de aula”, observa a estudante.,

Saiba mais

O uso excessivo do celular e os problemas que ele pode causar: 

• Distração: prejudica a capacidade de se concentrar, reter informações e processar tarefas complexas.

• Redução da memorização ativa: impacta a memória de longo prazo, o que compromete o desempenho acadêmico.

• Isolamento social: diminui as interações pessoais entre os alunos. 

• Saúde mental: aumenta a ansiedade, a depressão e a falta de sono; promove sobrecarga emocional.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de setembro de 2024.

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A União

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