Entenda como está o julgamento sobre descriminalização da maconha para consumo próprio

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (6) o julgamento que trata da descriminalização do porte de maconha para consumo próprio.

A análise foi novamente paralisada, ao final da sessão, por um pedido de vista (mais tempo para examinar o processo) do ministro Dias Toffoli. Ele pode ficar com o caso por até 90 dias e não há data para a retomada.

Foi o quarto pedido de vista do caso, que começou a ser julgado em 2015.

O placar até o momento é de 5 a 3. Cinco ministros foram a favor da descriminalização do porte de maconha para uso próprio: Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber (já aposentada).

Três são contra e votaram pela manutenção como crime do porte de maconha para consumo: Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.

Ainda faltam os votos do próprio Toffoli, e dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. Flávio Dino não votará no caso porque sua antecessora na Corte, Rosa Weber, já apresentou seu voto.

Critérios

Já há maioria de votos formada pela necessidade de a Corte definir um critério objetivo, como quantidade de droga, para diferenciar usuário de traficante. Todos os oito ministros que se manifestaram foram a favor de fixar esse parâmetro.

Até o momento, a proposta com mais adesões (quatro votos) estabelece um critério de até 60 gramas de maconha para se presumir o consumo.

Essa sugestão foi feita no voto de Alexandre de Moraes. Aderiram a ela os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.

Cristiano Zanin e Nunes Marques propuseram como critério 25 gramas de maconha. André Mendonça sugeriu 10 gramas, mas isso até o Congresso deliberar sobre a diferenciação. Ele votou para dar prazo de 180 dias para essa definição pelo Legislativo.

Já Edson Fachin votou pela necessidade de fixar objetivamente e diferenciação entre usuário e traficante, mas propôs que essa medida seja tomada pelo Congresso.

O que se discute

A discussão no STF gira em torno da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006. A norma estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal.

Pela lei, a punição para esse crime envolve penas alternativas, como medidas educativas, advertência e prestação de serviços, e não leva à prisão.

Ocorre que, como não há uma diferenciação clara e objetiva na norma entre usuário e traficante, polícias e o sistema de Justiça acabam tratando de formas diferentes pessoas de acordo com a cor da pele, classe social ou local de residência.

O artigo da Lei de Drogas trata de drogas no geral, sem especificar sobre determinados entorpecentes ou substâncias. Ao julgar o caso, os ministros que votaram a favor da descriminalização optaram por restringir os efeitos só à maconha, mantendo como crime o porte para uso pessoal das demais drogas.

O caso analisado pelo STF tem repercussão geral, ou seja, o entendimento que vier a ser tomado pela Corte deverá ser adotado em processos semelhantes em toda a Justiça.

Uma eventual descriminalização do porte de maconha para consumo, por exemplo, faria com que pessoas abordadas com a quantidade da droga considerada para consumo não sofressem as consequências penais, e o fato não entraria para seus antecedentes criminais.

Barroso: Não é liberação ou legalização

No começo da sessão desta quarta (6), o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, fez uma fala dizendo que Corte não está discutindo uma legalização das drogas.

“O consumo de drogas no Brasil continuará a ser ilegal. As drogas não estão sendo – nem serão – liberadas no país por decisão do STF. Legalizar é uma definição que cabe ao Poder Legislativo”, afirmou.

Barroso também defendeu a definição de um critério objetivo para diferenciar usuários e traficantes.

“O tráfico de drogas é crime, sancionado com pena de prisão. Se não definirmos uma quantidade de maconha que deve, em regra, ser considerada como de uso pessoal, essa definição continuará nas mãos da autoridade policial em cada caso”, afirmou.

“E esse filme nós já assistimos e sabemos quem morre no final: o homem negro e pobre que porta 10 gramas de maconha vai ser considerado traficante e enviado para a prisão. Já o homem branco, de bairro nobre, com 100 gramas da droga será considerado usuário e liberado. Portanto, o que está em jogo aqui é evitar a aplicação desigual da lei em razão da cor e das condições sociais e econômicas do usuário. E isso é tarefa do Poder Judiciário”.

O caso chegou ao STF em 2011 e começou a ser julgado em 2015. Leia abaixo uma linha do tempo sobre o andamento do processo:

Linha do tempo

2011

O ministro Gilmar Mendes foi sorteado relator do Recurso Extraordinário (RE) 635.659 em fevereiro de 2011.

O caso é um recurso da Defensoria Pública de São Paulo contra decisão do Juizado Especial Cível de Diadema (SP) que manteve a condenação de um homem pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal.

Ele estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema, e estava com 3 gramas de maconha.

A repercussão geral ao caso – que estabelece que o entendimento firmado pelo STF nesse julgamento deverá servir como parâmetro em processos similares por todo o país – começou a ser analisada em novembro do mesmo ano, e foi reconhecida em plenário virtual no mês seguinte.

2015

O julgamento foi iniciado em 20 de agosto de 2015. O relator do processo é o ministro Gilmar Mendes. Na época, foi favorável à descriminalização do porte para consumo pessoal de todas as drogas.

Na avaliação do ministro na época, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de gerar uma punição desproporcional ao usuário.

Na retomada da análise, em 2023, Gilmar reajustou o voto para restringir a descriminalização ao porte de maconha para consumo e pela fixação de parâmetros diferenciando tráfico de consumo próprio.

Também em 2015 votaram Edson Fachin e Roberto Barroso. O primeiro votou para descriminalizar só o porte da maconha para consumo próprio, já que o caso concreto analisado na ação trata dessa droga.

Fachin explicou ser favorável a um caminho de “autocontenção” da Corte em temas penais para justificar a restrição do entendimento só à maconha. O ministro entendeu que cabe ao Congresso definir os parâmetros de diferenciação entre usuários e traficantes. Contudo, o ministro entendeu que o Judiciário deve atuar até que haja lei preenchendo o vácuo normativo.

Enquanto não houver lei aprovada sobre o tema, o ministro propôs que órgãos do Poder Executivo, como o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, estabeleçam parâmetros provisórios.

Já Barroso também votou a favor de descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio, e avançou ao propor a fixação de parâmetros de diferenciação entre traficantes e usuários.

A proposta ficou estabelecida no porte de 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas. Acima disso, a princípio, o caso seria de tráfico. A proposta de parâmetros também é provisória, até que o Congresso decida sobre o tema.

O julgamento foi suspenso depois de pedido de vista do ministro Teori Zavascki (que morreu em janeiro de 2017, em um acidente aéreo em Paraty).

2023

Sucessor de Teori, o ministro Alexandre de Moraes apresentou seu voto em agosto de 2023, a favor da descriminalização da maconha para consumo próprio.

Ele propôs a fixação de uma faixa entre 25 e 60 gramas ou de seis plantas fêmeas para considerar consumo, em conjunto com outros critérios.

Conforme o ministro, policiais podem fazer a prisão em flagrante de pessoas que estejam portando uma quantidade menor do que a prevista, desde que, de maneira fundamentada, comprovem a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico.

Esses critérios complementários levam em conta o contexto da apreensão, como a forma em que a droga estiver guardada, a diversidade de entorpecentes, a apreensão de outros instrumentos, como balança e cadernos de anotação.

A ministra Rosa Weber, à época presidente do STF, acompanhou o voto de Moraes.

Cristiano Zanin foi o primeiro a votar a favor da constitucionalidade de norma da Lei de Drogas. Ele entendeu que a regra foi feita pelo Legislativo no sentido de despenalizar (não prever mais a pena de prisão) o porte da droga, e não descriminalizar.

Por isso, segundo o ministro, uma mudança judicial nesse quesito não seria possível.

2024

A sessão desta quarta (6) teve os votos de André Mendonça e de Nunes Marques, ambos contra a descriminalização do porte de maconha para consumo.

Primeiro a votar foi Mendonça, que havia pedido vista quando a Corte julgou o caso em 2023.

Em seu voto, Mendonça fez uma descrição de informações obtidas com professores e pesquisadores sobre os prejuízos do consumo de maconha para a saúde.

O magistrado associou o ato de fumar maconha a um “primeiro passo para o precipício”.

“Se fala em uso recreativo da maconha. [Mas] causa dano, e danos sérios e maiores que o cigarro. Ao mesmo tempo, entendo que isso é importantíssimo para melhor delimitarmos a quantidade, conforma a gradação dos riscos à saúde”, afirmou.

“Entendo em síntese que a questão da descriminalização, que é o que estamos tratando, é uma tarefa do legislador. Vamos jogar para um ilícito administrativo qual autoridade? Não é para conduzir para a delegacia? Quem vai aplicar a pena, ainda que seja medida restritiva? Na prática, estamos liberando o uso”.

Manifestação semelhante foi feita pelo próximo a votar, o ministro Nunes Marques. Ele disse que uso de drogas implicam em “danos severos” ao usuário e que familiares e a sociedade “sofrem danos indiretos”.

Ele criticou a proposta de descriminalizar o porte para consumo com a manutenção de penas administrativas, como medidas educativas e prestação de serviços.

“A solução de descriminalizar e manter a sanção administrativa é contraditória”, afirmou. Segundo Nunes, outra contradição é o fato de o tráfico continuar sendo considerado crime. “Vender droga constitui ilícito criminal grave, mas comprar para uso próprio, não”.

O ministro também entendeu como possível “interferência desproporcional” do Judiciário uma decisão sobre a descriminalização. Para ele, esse tipo de discussão demanda “profunda reflexão e debates” que são próprios do Legislativo.

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Fonte : CNN BRASIL

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