
Ministério Público do Trabalho da Bahia moveu ação contra empresa chinesa e duas empreiteiras terceirizadas. g1 teve acesso ao documento, que aponta que funcionários chineses foram atraídos por promessas falsas de salário e eram mantidos presos em alojamento. Trabalhadores chineses são resgatados de situação análoga à escravidão na Bahia
Arquivo Pessoal
Porta trancada, passaportes retidos e policial militar armado como vigia. De acordo com o Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), era assim que os funcionários chineses da montadora Build Your Dreams (BYD) viviam em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). O g1 obteve acesso à ação protocalada pelo órgão contra a empresa nesta terça-feira (27).
Em dezembro do ano passado, 220 funcionários foram resgatados devido a situações de trabalho degradantes. Eles dormiam em alojamentos lotados e cerca de 31 pessoas precisavam dividir um único banheiro. As condições de armazenamento de comida também eram precárias.
Alojamento precário, falta de banheiro e de água: trabalhadores são resgatados em condição análoga à escravidão na BA
A ação civil pública pede o pagamento de R$ 257 milhões por danos morais coletivos. Além da BYD, os alvos são duas empreiteiras terceirizadas que prestavam serviços exclusivos para a montadora chinesa, a China JinJiang Construction Brazil Ltda. e a Tonghe Equipamentos Inteligentes do Brasil Co., atual Tecmonta Equipamentos Inteligentes Brasil Co. Ltda.
No documento, o órgão detalha não só as condições degradantes de trabalho, mas como os funcionários chineses eram privados de liberdade. Confira abaixo as irregularidades constatadas, segundo o MPT.
Passaportes retidos
Os passaportes dos funcionários chineses foram encontrados retidos dentro de um armário trancado no escritório administrativo da obra. Inicialmente, os representantes das empresas negaram a existência dos documentos no local, mas abriram o compartimento após pedido do MPT-BA.
Apenas um funcionário tinha a chave do armário e o escritório onde os documentos ficavam retidos não funcionava todos os dias.
Segundo o MPT-BA, alguns passaportes estavam retidos desde agosto de 2024. Para o órgão, não há justificativa para manter os documentos sob a posse da administração da empresa por meses, já que a retirada do Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) é rápida.
📄 O RNE é um documento de identificação obrigatório para estrangeiros residentes no Brasil com visto temporário ou permanente.
Policial armado na porta
Um policial militar armado ficava na porta de um dos alojamentos da empresa. Ele atuava como segurança entre 17h30 e 5h, e recebia R$ 300 por diária. Segundo o MPT-BA, o valor pago para os vigias dos alojamentos totalizava R$ 9 mil por mês.
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Segundo as pessoas ouvidas pelo órgão e os contratos analisados, os funcionários eram proibidos de sair dos alojamentos sem autorização dos “líderes”, inclusive em dias de folga.
Após o jantar, os portões dos alojamentos eram trancados e só era permitida a saída previamente autorizada para compra de itens básicos.
Promessas de salários
De acordo com as apurações do MPT-BA, muitos trabalhadores foram atraídos por promessas de salários de 15 mil a 20 mil yuans mensais, o que equivale a R$ 11.790 e R$ 15.720, respectivamente. Efetivamente, os funcionários recebiam apenas 6 mil yuans – aproximadamente R$ 4,7 mil.
A investigação do Ministério Público do Trabalho indica que o valor era depositado em uma conta na China e os funcionários não tinham acesso à quantia no Brasil. Enquanto trabalhavam na obra da BYD, recebiam apenas uma “ajuda de custo” de R$ 1 mil, pagos somente mediante solicitação e aprovação dos líderes. Apesar disso, alguns trabalhadores relataram não ter recebido nenhum valor mesmo após semanas de trabalho.
Em entrevistas com os funcionários, o MPT constatou que alguns dos chineses não assinaram nenhum contrato. Outros dizem ter assinado papéis em branco, enquanto um terceiro grupo afirmou não ter lido o contrato por conta do analfabetismo.
O g1 procurou a assessoria da BYD, que disse estar preparando uma nota de resposta. O portal também questionou a Polícia Militar se a corporação tem conhecimento de que agentes estariam atuando como vigias na montadora, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Este texto será atualizado quando as respostas foram enviadas.
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