Monumento das Sereias de Balneário Camboriú pode ser restaurado após anos de abandono

Inaugurada em dezembro de 1999, durante a gestão do então prefeito Leonel Pavan, a Cascata das Sereias ou também chamada de Monumento das Sereias, que enfeitavam a antiga rotatória da Quarta Avenida, em Balneário Camboriú, se tornou um marco visual e afetivo da cidade. 

Criadas pelo artista Jorge Schröder, as figuras encantaram moradores e visitantes por mais de duas décadas, até serem retiradas do espaço público durante as obras do elevado da Quarta Avenida, no início de 2020.

Mais de quatro anos depois, as sereias foram encontradas, abandonadas num depósito da Secretaria de Educação, e agora estão sob os cuidados de Jorge, desde a última semana (relembre aqui).

A escultura pronta em dezembro de 1999 (Divulgação/PMBC)

“Era uma obra representativa para a comunidade”

O artista relembra com emoção o início da trajetória das sereias. Segundo ele, a ideia partiu de uma conversa entre Pavan e o escultor Paulo Siqueira, autor de uma sereia que ficava às margens da BR-101, em frente a um hotel que era de Siqueira. 

Com a retirada da escultura durante alterações na rodovia, nasceu a proposta de homenagear o símbolo em outro ponto da cidade. 

“O Siqueira acabou falecendo, mas o Pavan me conheceu e perguntou se eu poderia fazer uma obra nesse estilo, uma sereia. Foi em 1999, primeiro ano que eu estava em Balneário Camboriú. A ideia era uma sereia bastante grande, mas eu sugeri uma cascata com várias sereias, porque na mitologia elas sempre estão em grupo – a ideia da sereia veio do Pavan, mas o grupo de sereias foi uma concepção minha”, conta Jorge.

A escultura, que também incorporava o sol, símbolo da bandeira da cidade, foi projetada para ser vista de todos os ângulos, mais elevada na antiga rotatória, e também para não atrapalhar o tráfego. 

“Me sentia grato por isso, porque sempre foi uma obra imponente na história de Balneário Camboriú. A impressão que dá é que alguns representantes do poder público simplesmente não respeitam os cidadãos e se desfazem do patrimônio público por birra política ou gosto pessoal”, lamenta o escultor.

Retirada sem aviso e abandono

A retirada das sereias, sem qualquer consulta ou notificação ao artista, segue como uma das maiores mágoas de Jorge. 

“Desmantelaram a obra sem me chamar. Eu teria feito voluntariamente, acompanhado a retirada e guardado as peças de maneira adequada. Me disseram que haviam numerado tudo, mas não procede. Cortaram de qualquer jeito. O sol (que era segurado pela sereia do topo, em uma referência ao símbolo da bandeira da cidade) sumiu. A parte metálica, que fazia parte da estrutura, foi toda perdida”, relata.


A situação chegou ao ponto de a Fundação Cultural entrar em contato com Jorge às pressas, na semana passada, dizendo que o local onde as sereias estavam ‘guardadas’ (um depósito da Secretaria de Educação) seria desocupado e que as peças iriam ser jogadas fora ou leiloadas como sucata. 

“A Cultura foi avisada, e perguntaram se eu teria como recepcionar as sereias. Consegui um espaço e guardei”, explica.

É possível restaurar as sereias

A Fundação Cultural solicitou e Jorge entregou nesta semana, uma semana após receber as sereias, um laudo técnico — feito gratuitamente — atestando que as partes artísticas da obra estão em bom estado. 

“Os elementos geométricos e as cinco sereias estão preservados, aptos a serem colocados novamente em local público. Agora o restauro é outro processo, vai precisar de mais profissionais. Mas é viável”, afirma.

Segundo ele, a obra é mais do que um conjunto artístico: tornou-se parte do imaginário coletivo da cidade. 

“Sereias já faziam parte do coletivo cultural da cidade. Ficaram mais de 20 anos expostas, viraram objeto de cultura popular. Tanto que as pessoas chamavam de ‘praça das sereias’, mesmo sem ter esse nome oficial”, lembra.

O projeto original das sereias – no topo, a sereia seguraria uma concha, mas Pavan pediu que Jorge mudasse pelo sol, o símbolo da bandeira da cidade (Arquivo Pessoal)

Críticas a comentários pejorativos

Ao longo dos anos, houve comentários sobre o suposto teor sensual da escultura – há até quem diga que pessoas envolvidas com igrejas teriam pedido ao ex-prefeito Fabrício Oliveira para não reinstalar as sereias. Jorge rebate com firmeza. 

“Não tinha nada de pejorativo, nada sensual. Eram imagens representativas de sereias, figuras mitológicas. Não faz sentido esses comentários. Nunca atrapalharam o trânsito, não incomodavam ninguém, e mesmo assim foram removidas”, pontua.

Esperança de retorno

Apesar da decepção com a forma como a obra foi tratada, Jorge acredita que as sereias ainda voltarão a brilhar em Balneário Camboriú. 

Ainda antes de serem retiradas, Jorge havia entrado com protocolos pedindo a manutenção da obra, pois, segundo ele, nos últimos seis anos que as sereias estavam na cidade elas não receberam nenhum tipo de atenção. 

O artista tentou contato com o antigo governo municipal pedindo isso e inclusive com o Ministério Público. 

Na época, a atual prefeita, Juliana Pavan, era vereadora e atendeu Jorge. Por isso, ele acredita que ela dará atenção às sereias – que inclusive já foram citadas por ela até mesmo em seu plano de governo.

“Tenho plena certeza que elas vão voltar. Talvez não esse ano, mas vão. O material de hoje é mais resistente, temos equipamentos melhores, e isso contribui para uma restauração ainda melhor que a original. Há também a ligação afetiva da atual prefeita, filha do ex-prefeito Leonel Pavan, que encomendou a obra. Ela me disse que ia resolver. Tenho certeza que vai colocar essa obra novamente em algum espaço público, de onde nunca deveriam ter tirado”, acrescenta.

“O povo não vive sem história”

Para Jorge, o caso das sereias expõe um problema maior: a ausência de políticas públicas consistentes de preservação da memória e do patrimônio cultural. 

“É inadmissível que não se preserve nada. Só pensam em desenvolvimento, em cimento e obra nova, mas o povo não vive sem história. Balneário Camboriú tem memória, e as sereias fazem parte disso. Espero também que deem atenção para as esculturas dos pescadores, que ficam em Laranjeiras, que também estão abandonados”, conclui.

Hoje, as esculturas das sereias estão armazenadas no ateliê de Jorge, aguardando uma decisão do poder público sobre seu destino. Ele segue à disposição, com esperança de ver a obra novamente integrada à paisagem urbana da cidade.

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