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Desde 1931, o guia Michelin classifica os restaurantes mundo afora que se destacam por sua gastronomia. Os que merecem uma parada recebem uma estrela. Os que valem um desvio de caminho, duas estrelas. Já os que justificam uma viagem inteira, três. Da edição 2025 do guia, divulgada recentemente, constam 25 casas brasileiras — 20 com uma distinção, das quais quatro estreantes e cinco com duas honrarias.
Mas é um restaurante inaugurado há menos de um ano e meio na efervescente Vila Madalena, em São Paulo, comandado por um chef de apenas 26 anos, que chama a atenção. Não só Iago Jacomussi foi eleito o Jovem Chef do Ano como o Jacó, comandado por ele, entrou na categoria BIB Gourmand, da boa comida a preços moderados.
“É um restaurante que impressiona pela sua culinária e criatividade (…) o chef Iago Jacomussi, que passou por estabelecimentos renomados no Brasil e na Europa, apresenta pratos à base de ingredientes sazonais, combinando a cozinha tradicional brasileira com influências europeias e asiáticas”, escreve o guia.
Nascido em São Bernardo do Campo e criado em Mauá, ambas cidades do ABC paulista, desde pequeno, Jacomussi sempre se encantou pela forma como os avós mineiros circulavam pela cozinha. Apesar do fascínio, ele nunca pensara em trabalhar com panelas. Ao sair da escola, foi cursar economia. Nos primeiros anos de faculdade, conseguiu um trabalho no Santander.
No terceiro ano do curso, porém, o mercado financeiro e seus trajes formais deixaram de fazer sentido — se é que algum dia fizeram. Aos 21 anos, ele deu um passo para trás e sua vida tomou uma guinada radical.
Com apoio dos pais, se matriculou na unidade paulista da renomada escola francesa de gastronomia Le Cordon Bleu. Logo no primeiro dos três módulos do curso, Jacomussi decidiu que só trabalharia em restaurantes estrelados.
“Eu não tinha experiência nenhuma e o jeito de entrar nesses restaurantes no meu nível de conhecimento era trabalhando de graça ou no cargo mais baixo possível”, conta o chef, em entrevista ao NeoFeed. “Imprimi alguns currículos e fui bater de porta em porta para conseguir qualquer oportunidade.”
Por sorte, como ele lembra, a primeira cozinha na qual ele bateu, aquela onde o jovem mais queria trabalhar, logo lhe abriu as portas. E, assim, Jacomussi foi estagiar no Evvai, do renomado Luiz Filipe Souza, duas estrelas Michelin. De degrau em degrau, ele foi crescendo até se tornar chefe de praça.
Curioso e ávido por experiência, Jacomussi foi atrás do chef Jean-Georges Vongerichten, em seu restaurante estrelado no hotel Tangará. Em seguida, foi abraçado por Helena Rizzo, no premiado Mani, onde ficou por um ano. Para o jovem, só faltou passar algum tempo no Tuju, de duas estrelas, que estava fechado temporariamente na época.
Do Brasil para o mundo
Seu próximo passo era conquistar novos territórios. Após decidir que queria deixar o país, Jacomussi começou a mandar e-mails para todos os restaurantes com estrelas da Europa. Após muitas negativas, ele conseguiu uma oportunidade de estágio no Belcanto, um restaurante duas estrelas comandado pelo chef José Avillez, em Lisboa, onde ficou por quatro meses.
“Para o cozinheiro, a meca é Copenhague. Lá estão os melhores chefs e restaurantes do mundo, que dominam o cenário da gastronomia, e essa era a minha última meta de experiência na Europa”, diz Jacomussi. “E eu consegui uma vaga no Jordnær, um restaurante três estrelas Michelin.”
Encerrando o capítulo internacional de sua trajetória, ele voltou ao Brasil para testar seus conhecimentos, mas já tinha um novo objetivo: conhecer a gastronomia japonesa. Porém, nesse meio tempo, ele recebeu uma proposta de um amigo para abrir um espaço de sanduíches, que, apesar do esforço criativo, não se provou.
Mas Jacomussi não desanimou. Ao contrário. O fracasso serviu de combustível para ele estudar cada vez mais e, com o perdão do trocadilho, alimentar a vontade de comandar suas próprias panelas.
“Todo esse plano de carreira que eu tracei, de trabalhar em restaurantes com uma, duas e três estrelas, foi feito para chegar a esse dia e abrir o meu próprio negócio. Com essa experiência, eu consegui mapear quais eram as diferenças entre os restaurantes e o que me chamava atenção e agradava mais em cada um, para poder replicar no meu um dia”, afirma Jacomussi. “Foi com essas informações que nasceu o Jacó.”
Cozinha em eterno movimento
Localizado em uma casa dos anos 1950, o restaurante de Iago Jacomussi ganhou vida em dezembro de 2023. Com estética minimalista formada por placas de metal, mesas e cadeiras de madeira, e cozinha aberta ao público, o Jacó está um passo abaixo do fine dining, em um patamar definido pelo chef como casual dining.
Quando teve a ideia, o jovem chef conseguiu dois investidores, que tiraram o projeto dele do papel. Em pouco tempo, porém, esses apoiadores decidiram sair da empreitada.
“Eu fiquei com apenas 40 dias de dinheiro em caixa e o Jacó estava longe de começar a funcionar”, conta o chef. “Além disso, por não ter experiência nenhuma no negócio, fui pegando diversos empréstimos no meu CPF, que me criaram dívidas significativas”, lembra ele. “Nesse momento, achei que tudo daria errado.”
Sem muitas opções, Jacomussi decidiu “vender” a ideia do Jacó para todos os seus conhecidos – e também para conhecidos dos conhecidos. Ou seja, todo mundo. Antes do dinheiro efetivamente acabar, ele conseguiu encontrar dois novos parceiros: a multinacional Engefood, que equipou toda a cozinha do restaurante, e um investidor pessoa física, chamado Demetrius Adib.
Com o novo dinheiro, Jacomussi começou a desenvolver o que ele gosta de chamar de “comunidade do Jacó”. Com uma cozinha criativa, moderna e em eterno movimento — formada por pratos criados internamente todas as semanas. Assim, ele acredita que consegue entregar o que se propôs desde o início.
“Nós seguimos uma gastronomia focada em ingredientes da estação, já que eles são mais frescos, mais baratos e resultam em combinações incríveis”, diz ele. “No restaurante, você ganha na compra e não na venda, então essa estratégia tem sido muito importante para o nosso sucesso.”
Para o chef Jacomussi, a primeira experiência liderando uma cozinha não tem sido simples. Porém, como, em sua visão, é impossível tirar a pressão da gastronomia, ele tenta deixar o ambiente o mais ameno possível, buscando “terceirizar” as cobranças entre os funcionários, que, enquanto se impõem cobranças, se incentivam.
De todos os desafios, o chef acredita que o maior é deixar a vida pessoal de lado ao pisar na cozinha, e esse também é o que ele mais cobra no Jacó. “Você pode ter problemas na vida pessoal, todos nós temos… mas, ao entrar no restaurante, isso precisa ficar do lado de fora”, explica.
E, assim, a combinação entre muita pesquisa, trabalho e dedicação de todo o time resultou nas honrarias Michelin.
“Ter recebido esse reconhecimento, ainda mais ao lado de tantas pessoas que considero e respeito, é incrível”, afirma Jacomussi. “Pensar que o sommelier do ano, Marcelo da Fonseca Lopes Costa, do Evvai, a pessoa que abriu a porta para mim no meu primeiro dia de cozinha, estava ao meu lado nessa conquista, tem um significado imenso.”
Em tempo: quem passa pelo número 357 da rua Fidalga não encontra o nome Jacó estampado na fachada do restaurante. Para o chef, a ideia é que as pessoas que frequentam o estabelecimento saibam, ao menos, como ele funciona e qual é a sua filosofia.
E ele conta: “Eu nunca quis que o Jacó fosse um restaurante que a pessoa passa na rua, vê e entra. Para mim, ele tem de ter uma comunidade. Precisa ser conhecido para ser entendido”.
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Neofeed