Siga @radiopiranhas
O título acima foi extraído de uma canção muito conhecida por várias gerações no país. Há dias que não me sai da cabeça sua letra e melodia. O nome da canção é “Rosa de Hiroshima”, um poema de Vinícius de Morais que ficou conhecido na voz de Ney Matogrosso. Um protesto contra as explosões de bombas em Hiroshima e Nagasaki.
É aviltante e profundamente horrível o grande silenciamento que existe em torno das crianças exterminadas na Faixa de Gaza e as que sobreviveram traumatizadas. Há mais de um ano, sistematicamente, crianças, as que têm sobrevivido, estão vivenciando um horror. Nem consigo mensurar. Não é mensurável, nem suportável.
Quando recentemente começou a circular nas mídias do país um volume muito grande de notícias sobre bebês reborn eu inicialmente nem quis dar atenção. Com tanta coisa para fazer e o tempo curto, achei mais uma dessas coisas fúteis que circulam pela internet.
Depois fiquei pensando, mesmo sem me dedicar as informações, que podia significar um debate ampliado sobre adoecimento mental, para além da discussão sobre o hobby de pessoas adultas brincarem com bonecos hiper-realistas.
Aí fiquei remoendo por dentro, refletindo muito sobre o vazio e a alienação do tempo presente. Pois imagine a quantidade de crianças, adolescentes e jovens mortos, feridos e traumatizados em Gaza, na Ucrânia, no Sudão, em Myanmar, nas periferias brasileiras e a construção da noticiabilidade e das temáticas públicas vão focar em bonecos hiper-realistas que podem custar até 15 mil reais como preferência de adultos.
Estima-se que mais de 12,3 mil jovens já morreram em Gaza desde 7 de outubro de 2023. O comportamento da imprensa mundial produz uma cobertura que se desdobra numa naturalização e indiferença como efeito de sentido. Gerando também omissão, e ainda cumplicidade quando assume uma cobertura unilateral dos fatos.
Como é que em pleno século 21 não se unifica vozes contra à barbárie que está diante de nossos olhos? Que tipo de arte criamos hoje que não se posiciona frente à destruição massiva de pessoas? Se fomos capazes de ser contra o Holocausto, a guerra do Vietnã, a Guerra Civil Espanhola, as ditaduras, e tantos conflitos, o que nos faz hoje não reagirmos individualmente ou coletivamente diante de fatos tão hediondos?
Para que serve mesmo a nossa fé?
Para mim não existe heroísmo nem vencedores numa guerra… No último domingo vendo um repórter cobrindo a guerra na Ucrânia para um programa de televisão observava quão empobrecidas estão as coberturas jornalísticas, apesar de todos os recursos tecnológicos, a opção por uma visão unilateral dos fatos subtrai os sentidos reais dos acontecimentos.
Estar num território em conflito é um ato de profunda coragem para um jornalista. Mas narrar algo complexo, trágico e de grande impacto dando voz a apenas um lado, não problematizando minimamente as razões do conflito e questionando aspectos da realidade vivida expressa uma fragilidade grande, um vácuo narrativo imenso, uma alienação e um trabalho incompleto.
A comunicação é uma arma de guerra. Infelizmente. E há tempos ela vem sendo usada para isso.
As narrativas precisam recuperar o caráter de vínculo, como defende o filósofo Byung-Chul Han. Quem somos nós sem o Outro (a Outra)?
Romper o silêncio contra a barbárie é uma maneira de pedir paz, de construí-la a cotidianamente. Subtrair da vida cotidiana uma comunicação violenta não dando audiência à programas e conteúdos baseados no ódio e agressões, abusivos e que mercantilizam o sofrimento, e monetizam a dor pode ser um caminho. Cantar canções pela paz. Eleger pessoas que promovam a paz.
Seja qual for nossas crenças e valores que possa haver espaço dentro de nós para construção da paz.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de maio de 2025.
source
Fonte
A União