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Pioneira no cinema negro da Paraíba, Antônia Pereira Ágape viu seu filme As Cegas permanecer guardado por uma longa metragem de tempo nas gavetas da história. No entanto, de 2024 para cá, o curta-metragem de 10 minutos filmado em formato super-8 tem sido exibido em diversos festivais ao redor do país, como na última quinta-feira (15), ocasião em que participou da seção “Mulheres, Documentário e Invenção” da Mostra de Cinema Ayabá no Rio de Janeiro.
Iniciado em 1981 e concluído em 1982, As Cegas — que a princípio tinha outro título — foi realizado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em parceria com uma associação francesa que percorria países do mundo e alguns estados brasileiros no intuito de trabalhar com o que se chamava no final dos anos de 1970 de cinema direto — um estilo de abordagem do real próprio ao gênero do documentário.
As deficientes visuais retratadas — uma mãe e suas três filhas em condição de mendicância —, são as mesmas do documentário A Pessoa É Para o Que Nasce (2005) e foram objeto de diversos estudos, tanto de personalidades, como o político Raimundo Asfora, quanto de pesquisadores acadêmicos, já que as músicas populares que ambas cantavam nas feiras de Campina Grande eram de domínio público. “Esse filme foi feito e tem uma parte que retrata muito das injustiças sociais e a coletividade precisava saber disso. Dessas músicas, delas e de toda aquela luta”, afirma Antônia sobre sua realização.
Resgate histórico
Ágape realizou o cinema direto abordando as personagens, mas o trabalho ficou no Núcleo de Documentação Cinematográfica (Nudoc) da UFPB aguardando pela edição por 42 anos. No ano passado, saiu das gavetas do núcleo para dar visibilidade pública à obra, em uma primeira homenagem à diretora no Festival Internacional de Cinema de João Pessoa (FestincineJP).
O resgate do curta se deu quando Roberto Berliner, codiretor de A Pessoa É Para o Que Nasce, veio à Paraíba para acessar a versão beta da película. “Um pequeno trecho do meu filme foi colocado no filme de Berliner”, explica.
“Do meu ponto de vista, a pessoa não é para o que nasce, porque se fosse assim, eu não teria chegado onde cheguei. Eu não teria enfrentado a luta de ter sido uma mulher pobre e preta vivendo nesta sociedade”, desabafa. “A pessoa nasce para o que é. O ser é tão poderoso que se a gente soubesse, já estaríamos livres de muitas mazelas que a humanidade não consegue mudar”, acresce.
De acordo com a diretora, As Cegas foi recuperado pela Petrobrás e por projeto estrangeiro que veio ao Brasil resgatar filmes em super-8. Ano passado, foi exibido em festivais de três cidades da Bahia, além da Câmara dos Deputados em Brasília com menção honrosa.
O primeiro filme de Antônia Ágape, premiado ainda na década de 1980, abordou a história da escritora e professora Joana Belarmino, também portadora de deficiência visual. “Meus amigos do cinema riam muito de mim porque eu delirava. Eu acreditava em coisas bonitas – e continuo acreditando. Sou fora do quadrado”, diz ela. “Sei que ainda é necessário fincar o pé. Quem estiver em um lugar de conforto, passe a olhar o lugar em que o seu semelhante está. É preciso expor pra que essas coisas não aconteçam mais”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de maio de 2025.
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A União