Sai o álcool e entra a cafeína: como as “coffee parties” estão reinventando as baladas da geração Z

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Imagine um ambiente com DJs de música eletrônica. Nesse local, pessoas dançam ao som das batidas, conversam, se abraçam, se beijam. Mas, nas mãos, ao invés de cervejas ou drinks, estão xícaras de café. As coffee parties, que já são febre no exterior, começam a se multiplicar agora também no Brasil.

Por muito tempo, as festas juvenis foram, na imensa maioria dos casos, sinônimo de bebedeira e noites viradas aos som de músicas no último volume. Ao que tudo indica as madrugadas vêm perdendo o brilho, e as noites começam a ser substituídas pelo dia, dando início à era das morning raves — sem drogas, mas com muita cafeína.

No Reino Unido, o declínio das baladas foi abrupto. De acordo com o jornal The Guardian, o número de casas noturnas caiu de 1,7 mil em 2013 para 787 em junho de 2024 — ou seja, para menos da metade. Por lá, o fechamento foi devido a um coquetel de fatores culturais e econômicos.

De acordo com a Night Time Industries Association (NTIA), a pandemia de covid-19 acabou com mais de um terço dos clubes noturnos britânicos, que não resistiram à paralisação do setor por meses a fio. A escalada da inflação ajudou a apertar o bolso dos jovens, os quais, inclusive, bebem cada vez menos álcool.

Na Alemanha, o icônico clube Watergate se despediu na virada do ano com uma festa de 35 horas. Mas ele não foi a única vítima do “clubsterben”— palavra alemã que significa “morte dos clubes”. Segundo levantamento feito pelo Financial Times com base em dados do Resident Advisor, ao longo da última década, a proporção de baladas que funcionam até as 3h da madrugada caiu em 12 das 15 cidades globais analisadas.

Os estabelecimentos perceberam que as pessoas não têm dinheiro para beber a noite toda, com a receita da venda de álcool reduzindo nas primeiras horas de evento. Além disso, atravessar a madrugada implica em um custo maior com segurança para as casas de eventos e, em alguns países, no pagamento de impostos adicionais ao governo. É o caso de Dublin, capital da Irlanda, em que leis restritivas de licenciamento exigem que os clubes paguem € 410 por noite para permanecerem abertos entre 0h30 e 2h30.

Isso não significa, porém, que o interesse pela música em um ambiente de festa também esteja caindo. Um estudo do International Music Summit, conferência anual realizada em Ibiza, divulgado pelo Financial Times, constatou que a indústria da música eletrônica cresceu 17% em 2023, atingindo uma receita anual de US$ 11,8 bilhões. Em paralelo, a popularidade de eventos e festivais diurnos é cada vez maior.

Nos Estados Unidos, a empresa Matinee Social Club começou a organizar eventos que terminavam às 22h, com foco na geração Y. O pensamento era que os millennials, já não tão jovens assim, não tinham mais disposição ou interesse em festejar até altas horas da madrugada. O que surpreendeu, no entanto, foi o grande interesse do público na faixa dos 20 anos pelo novo modelo de balada.

Eventos de café com música eletrônica foram inspirados no exterior

K.fe estreou coffee parties no Rio de Janeiro em abril

Primeira edição da AM Sessions, da Mizuno, aconteceu em uma Listening Store da marca em São Paulo

Sucesso foi tão grande, que a Stereo Café passou a promover “pool parties”

Para surfar hype, Biscoitê está realizando eventos musicais com café mensalmente

Agora eles têm filhos

De olho nessa tendência, em São Paulo, as coffee parties começam a se multiplicar. O Stereo Café, inaugurado em agosto do ano passado pelo barista Guilherme Kowalesky e pelo curador musical Akin Bicudo, já estreou surfando nesse hype.

Duas vezes por mês, o estabelecimento realiza festas que começam às 10h e terminam às 22h. A trilha sonora se inicia com uma seleção de vinis nas primeiras duas horas de evento e, em seguida, um DJ convidado assume a pista.

O cardápio tem foco em cafés especiais: métodos de expressos, coados, bebidas com matchá, além de sanduíches. E a maioria dos frequentadores têm entre 18 e 24 anos. Mas, a depender da atração, o público sênior também dá as caras.

O aumento do faturamento em cerca de 25% em relação aos dias normais da cafeteria levou os sócios a expandirem as fronteiras do estabelecimento, organizando também pool parties regadas a café, como as últimas que aconteceram no Edifício Renata, na região central da capital paulista.

“Eu acho que é pela existência da vida noturna que surge interesse em vida vespertina. Não é senso comum, por isso desperta tanto interesse. As pessoas têm buscado ter escolha. Uma coisa não inviabiliza a outra, mas muitos dos nossos frequentadores não têm o hábito de sair à noite”, diz Akin Bicudo, de 47 anos, ao NeoFeed.

Pedro Borin Santana, de 28 anos, que há um ano e meio abriu duas lavanderias com café, inspirado no Japão, também viu nas coffee parties do exterior uma oportunidade de inovar e aumentar o faturamento.

“A gente viu que era o momento de trocar a noite pelo dia, o álcool pelo café e conversas rasas por conversas mais profundas, observando esse movimento muito forte de as pessoas voltarem a se cuidar e a ter estilo de vida saudável”, conta ao NeoFeed o dono da 1851 Laudry Coffee, em São Paulo, e da Saints Laudry Coffee, em Campinas. “Esse tipo de evento vai ao encontro do meu estilo de vida. Prefiro o dia pois sou casado com 4 filhos”.

As festas zero álcool têm, segundo ele, maioria do público com até 35 anos e são regadas à música eletrônica.

Atraso de vida

O movimentador cultural Caê Drummond, de 27 anos, pesquisou tendências em eventos relacionados à cultura wellness por meses até perceber que, na Europa, as cafeterias se tornaram as novas boates. Em abril, fundou, junto a sócios, a marca K.fe Club e já realizou três eventos no Café da Carol da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, com drinks de café com e sem álcool. A próxima edição será em Copacabana, no restaurante Venga.

“A cultura está mudando. A gente vê surgir diversos clubes de corrida ou grupos de ciclismo que praticam o esporte ainda de madrugada para terminar vendo o sol nascer”, lembra ele ao NeoFeed. “Esse novo perfil de evento, então, atende a dor de um público que não quer deixar de encontrar amigos, escutar música, mas prefere um ambiente mais tranquilo”.

Marina Roale, sócia do Grupo Consumoteca e head de insight, defende que hábitos da geração Z, nascidos a partir dos anos 2000, estão remodelando o consumo e os negócios. Nativos digitais, eles têm antecipado a entrada na vida adulta, o que os leva a decisões de consumo mais racionais, digitais e ligadas à estabilidade emocional e financeira.

“Essa geração já vive sob pressão de ser produtiva e independente desde cedo, o que impacta desde os tipos de produtos que consomem até os formatos de entretenimento e as formas de se relacionar com as marcas”, explica a head de insight, em entrevista ao NeoFeed.

Nesse sentido, o álcool pode ser visto como um risco ou um atraso de vida. De acordo com o estudo Adultopia, da Consumoteca, a Geração Z valoriza formas de lazer rápidas, intimistas e que tragam algum tipo de ganho emocional ou funcional.

“Para muitos jovens, beber está fora de sintonia com a ideia de ser alguém focado, produtivo e emocionalmente estável. Muitos estão mais em casa do que nas ruas, mais em plataformas digitais do que em festas e mais interessados em bem-estar do que em euforia. Não é à toa que formatos como vídeos curtos, podcasts e encontros temáticos estão ganhando força entre esse público”, analisa Marina Roale.

Paula Bragagnolo, diretora criativa e fundadora da consultoria PGB Inteligência, ainda acrescenta que, do ponto de vista econômico, os altos custos atuais fazem com que as pessoas escolham com mais critério com qual entretenimento gastar seu dinheiro.

Já do ponto de vista comportamental, reflete que a pandemia ensinou as pessoas a terem momentos de lazer e reconexão no ambiente doméstico, com atividades mais intimistas, que fortalecem a relação consigo mesmo, o que contrasta com a proposta das baladas, que muitas vezes funcionavam como escapes da realidade.

“A geração Z, em particular, não viveu com tanta intensidade a fase das baladas e se inspira em influenciadores e movimentos que valorizam estilos de vida mais reservados, como o ‘clean girl’ (aparência mais minimalista)”, opina.

Em sua visão, a busca por um estilo de vida equilibrado se tornou o novo ideal de luxo: cuidar da alimentação, praticar exercícios físicos, investir em skincare e evitar excessos. Paula ainda avalia que a geração Z prefere formas de entretenimento que promovam conexão humana e experiências sensoriais mais profundas.

“Por isso, vemos o surgimento de espaços como listening bars, clubes do livro e atividades manuais que permitem criar, ouvir, refletir ou interagir de maneira mais significativa”, exemplifica, em conversa com o NeoFeed.

Terceiro lugar

Percebendo isso, as marcas já vêm apostando em novas formas de contato com seus consumidores. A Biscoitê, boutique de biscoitos para presentes, fez a sua primeira coffee party em uma de suas lojas em São Paulo, com nome de Brew & Beats, como um teste e contabilizou um aumento de mais de 50% no consumo dos itens de cafeteria comparado com o mesmo dia da semana sem programação especial. Diante do sucesso, o evento irá ganhar frequência mensal.

“Com os eventos, buscamos criar espaços de convivência que estimulem a conexão entre as pessoas. A iniciativa está alinhada ao conceito de “terceiro lugar”, que representa ambientes fora do lar e do trabalho onde se constroem relações, se compartilham experiências e se fortalece a vida em comunidade”, afirma Raul Matos, CEO da empresa, ao NeoFeed.

Em fevereiro, a Mizuno realizou a primeira AM Sessions na Listening Store de São Paulo. A próxima, marcada para 24 de maio, das 10h às 15h, será no Botanikafé Pinheiros, com grandes nomes da música eletrônica como Ashiba e Halfcab, tocando em meio a xícaras de cafés especiais e drinks low-alcohol.

A inspiração, segundo o gerente de marketing Rafael Santos, veio do crescimento de movimentos como o There is a DJ in my Coffee Shop e eventos como Sunday Cleaning Coffee Club e Beans & Beats em grandes centros como Londres, Berlim e Tóquio.

“Estamos vendo no mundo todo uma valorização de experiências híbridas: físicas, sensoriais, culturais e autênticas. A música tem um papel central nisso, assim como o café — dois elementos que ajudam a criar pertencimento e atmosfera”, diz o executivo ao NeoFeed. “Com o AM Sessions, a marca atua quase como curadora de cultura, não apenas de produtos. É uma forma moderna de construir comunidade em torno da Mizuno, o que é essencial para o futuro do varejo”.

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Neofeed

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