Nanopartícula desenvolvida por pesquisadores goianos pode vir a combater o câncer de forma não invasiva com terapia térmica


Artigo foi destaque na capa da revista científica da Associação Americana de Química. Tratamento foi testado em camundongos com câncer de pele e tumor cerebral. Pesquisadores da UFG desenvolveram uma nanopartícula que pode vir a tratar o câncer
Pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) desenvolveram uma nanopartícula que pode vir a tratar o câncer de forma não invasiva. De acordo com o estudo, a partícula pode atuar no tratamento e diagnóstico com a utilização do óxido de ferro, por meio da terapia térmica. Testada em camundongos, a terapia ainda não tem previsão de ser aplicada em humanos.
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O artigo foi destaque na capa da revista científica da Associação Americana de Química, a ACS Applied Materials & Interfaces. Segundo o professor do Instituto de Física da UFG e um dos autores do estudo, Andris Bakuzis, o diferencial da nanopartícula criada no Centro de Pesquisa Integrada em Nanomedicina (CNanoMed) é a utilização do óxido de ferro combinado a um sistema chamado de nanocarreador biomimético.
“A partícula funciona como um Cavalo de Tróia, que vai se aproximar dos tumores, por ter proteínas cancerígenas colocadas em laboratório, mas ela também é capaz de tratar tumores com tratamentos acionados externamente pela equipe médica”, esclareceu.
Para entender como isso funciona, é preciso saber do que essa partícula é feita. O professor explica que a partícula tem em torno de 100 nanômetros, menor do que a espessura de um fio de cabelo, células sanguíneas ou bactérias (veja no infográfico abaixo).
Escala nanométrica com representação da nanopartícula
Gil Jesus/CNanoMed
O modelo é uma casca esférica, com uma cavidade interna onde são colocadas partículas ainda menores de óxido de ferro, como vários confetes. Na superfície, existe uma membrana esponjosa onde são adicionadas proteínas de células cancerígenas, que fazem com que essa nanopartícula seja atraída para os tumores.
“Isso dá uma capacidade de interação forte entre essa nanopartícula e a célula tumoral. Então, se ela passa do lado, ela tem a maior afinidade para ser pega por essa células da região do tumor, explica Andris.
Essa atração pode ser usada, em primeiro lugar, para diagnosticar tumores. Na pesquisa, o melanoma (câncer de pele) e o glioblastoma (tumor cerebral) foram induzidos em camundongos. A partir daí, os pesquisadores injetaram as nanopartículas e acompanharam o caminho feito até a chegada no tumor por meio de ressonância magnética, possível pela presença do óxido de ferro, que se destaca na imagem.
“Se você consegue ver a partícula chegando, você também consegue fazer uma ação externa. E o interessante é que a gente pode acionar externamente, de maneira não invasiva, algum agente terapêutico naquela região”, explica.
Segundo ele, tratamento com fármacos podem ser transportados pela partícula, que carrega as substâncias em uma membrana esponjosa. Entretanto, o destaque do estudo é o uso de outro tipo de tratamento: a terapia térmica.
Professor Andris Bakuziz, do Instituto de Física da UFG.
— Fotos: Divulgação/Secom UFG
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Terapia térmica
Com a certeza de que a nanopartícula está no tumor, é possível acionar algum tipo de tratamento que é transportado por elas, como o testado com a chamada terapia térmica. No caso do estudo, a ação externa realizada é o aquecimento das partículas de óxido de ferro, por meio de um campo magnético.
“Dependendo da intensidade de calor que eu deposito no tumor, eu posso só pelo calor, literalmente, aniquilar o tumor”, ressalta o pesquisador.
Segundo Andris, o método, que também pode ser feito com laser, é parecido com a cauterização, um dos primeiros tratamentos contra câncer já utilizados na história. Com a técnica desenvolvida, é possível ter mais precisão com o método, principalmente em regiões mais sensíveis, como próstata e cérebro.
Imagens que demonstram o ganho de calor das nanopartículas injetadas em lobo de porco.
Reprodução/ACS Applied Materials & Interfaces
O glioblastoma, tumor cerebral maligno de crescimento agressivo, é um dos cânceres mais difíceis de tratar. Segundo Andris, algumas características do tumor fazem com que a radioterapia e a quimioterapia sejam pouca efetivas, além de causarem diversos efeitos colaterais aos pacientes.
Nesse sentido, o uso da terapia térmica aliada a precisão da aplicação para tumores de tratamentos mais complexos poderiam revolucionar a área. “Um agente terapêutico que é muito eficiente, pode ser tóxico para outras células. Se você aciona somente no local desejado, o resto do corpo fica menos penalizado pela presença desse agente terapêutico”, explica o professor.
Segundo o pesquisador, o uso das partículas biomiméticas, com partes de células tumorais que “encontram” os tumores, para a terapia térmica vai demorar mais para chegar nas pessoas porque é muito mais complexo de construir. No entanto, a terapia térmica pode ser usada com nanopartículas que sejam apenas magnéticas (sem a propriedade biomimética) que já existem no mercado. ⁠Em ambos os casos, estudos clínicos ainda precisam acontecer.
De acordo com o médico Adriano de Paula, gerente médico do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Araújo Jorge, a pesquisa mostra resultados de uma tecnologia promissora que seria um sonho para pacientes e médicos. “Terapias alvo dirigidas como essa, já existem para alguns tumores e vem apresentando avanços sustentáveis, todavia ainda com limitações de acesso devido ao alto custo”, ressalta.
Outras aplicações
Além do tratamento fototérmico, a nanopartícula ainda pode ajudar na maior aceitação de tratamentos tradicionais. Segundo o pesquisador, as nanopartículas são capazes de interagir com macrófagos, células do sistema imunológico que desempenham papel fundamental no tratamento de doenças e na defesa do organismo.
“Em geral, observa-se que esses macrófagos estão em um estado do tipo M2, que atua na regeneração. Quando a gente injeta as nanopartículas, os óxidos de ferro, em particular, parecem modular essas células para um estado que a gente chama de M1”, conta.
De acordo com a literatura, essa mudança acontece em um espaço chamado de microambiente tumoral. Se alterado, ele pode deixar o organismo mais suscetível a responder aos tratamentos tradicionais, como radioterapia e quimioterapia.
As nanopartículas podem até mesmo atuar como plataforma vacinal contra o câncer. Segundo o professor, a injeção de partículas cancerígenas em corpos saudáveis pode fazer com que o organismo fortaleça o sistema imunológico contra a doença identificada.
“Quando eu comparo um animal saudável que recebeu a injeção com animais que não receberam a injeção, a taxa de crescimento tumoral é muito maior naqueles animais que não receberam. Isso acontece porque o sistema imunológico aprendeu a reconhecer aquela doença e ficou mais forte”, explica o pesquisador.
Apesar da possibilidade, a variedade de tipos de câncer é um desafio para o desenvolvimento desse tipo de tratamento vacinal. Entretanto, Andris acredita que todas essas evidências podem resultar em mais uma via interessante no futuro.
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