Bebês reborn: bonecas hiper-realistas que viraram fenômeno na internet podem ter funções terapêuticas, diz psicóloga


Segundo psicóloga de Sorocaba (SP), brincar ou colecionar bonecas pode servir como um refúgio para traumas e promove senso de cuidado e carinho para crianças. Bebês reborn podem custar a partir de R$ 700 a mais de R$ 3 mil. Bebês reborn, feitos em Sorocaba (SP), são brinquedos realistas que se parecem e pesam como bebês recém-nascidos
Gabriela Rodrigues/Arquivo pessoal
Há tempos, brincar de boneca não era uma pauta tão discutida na internet como tem sido nas últimas semanas. Levar o brinquedo para passear, ao médico e até simular um parto são atividades da rotina de colecionadoras e donas dos bebês reborn, bonecas hiper-realistas que possuem aparência, peso e tamanho parecidos com os de um bebê recém-nascido de verdade.
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A brincadeira, que é muito comum durante a infância, acabou se tornando um hobby da vida adulta. Segundo a psicóloga e professora Desirée Cassado, de Sorocaba (SP), brincar ou colecionar bonecas, especialmente se forem feitas com o realismo das reborn, pode servir como um refúgio para pessoas que possuem algum tipo de trauma, além de promover o senso de cuidado e carinho para as crianças que ganham estes brinquedos.
No entanto, a profissional salienta que é necessário se atentar à realidade e não deixar que a brincadeira se transforme em um prejuízo para a autonomia e os vínculos sociais de uma pessoa, que pode acabar se apegando a objetos que representam a possibilidade de cuidado.
Desirée Cassado, psicóloga e professora de Sorocaba (SP) que atualmente mora na Espanha
Arquivo pessoal
“A primeira coisa que me ocorre é: por que a brincadeira feminina incomoda tanto? Quando uma mulher adulta se dedica ao cuidado de uma boneca, a reação coletiva parece ser de escárnio ou suspeita. Quando um homem adulto se dedica a videogames ou a se fantasiar de Jedi [de ‘Star Wars’], colecionar carrinhos de controle remoto, tênis de marca ou sabres de luz, ninguém se pergunta se ele precisa de ajuda. Mas há muitos significados possíveis para comportamentos com as bonecas reborn — e nem todos exigem intervenção clínica”, explicou Desirée.
Segundo a especialista, algumas pessoas podem encontrar em suas bonecas um espaço simbólico de reparação ou de socialização. Isso quer dizer que conseguem arranjar uma forma de ressignificar sua história, seja com afetos que lhes foram negados ou lidar com o luto, perdas gestacionais, infertilidade ou vivências de privação material.
“Nosso papel, como sociedade e como profissionais da saúde mental, não é julgar o comportamento em si, mas entender o que ele comunica e como ele se encaixa, ou não, na vida daquela pessoa. Só há motivo para intervenção quando se transforma em sofrimento. Fora isso, talvez seja só mais uma forma de elaborar o mundo, como tantas outras”, afirma.
Bebês reborn feitos por artesã de Sorocaba (SP)
Gabriela Rodrigues/Arquivo pessoal
Desirée ainda conta que a aquisição de bonecas e de bebês reborn pode ser uma forma de evitar a solidão e a carência. De acordo com ela, o que alguns internautas podem chamar de “comportamento exagerado” às vezes é só uma forma original de lidar com algo difícil.
A profissional também destaca que há outras formas de responder à solidão e ao desejo de cuidado, como adotar um pet, investir em relações nutritivas ou buscar apoio psicológico. Mas nenhuma destas opções é mais certa ou superior que a outra, pois a prioridade é que a escolha seja consciente, respeitosa e não cause prejuízos.
O mesmo serve para o desenvolvimento infantil. Desirée explica que, quando as crianças simulam gestos de afeto com bonecas, estão ensaiando vínculos, experimentando empatia e expressando, às vezes pela primeira vez, o que é cuidar e ser cuidado, e isso deve ser estimulado para meninas e meninos.
“Quanto às bonecas reborn, o realismo pode ser fascinante para algumas crianças, mas o mais importante é a liberdade da brincadeira. Se a boneca é um bebê reborn ou uma de pano com um olho faltando, tanto faz. O que conta é o que a criança faz com aquilo. É o espaço de imaginação, não o realismo do objeto, que promove o desenvolvimento emocional”, finaliza.
Público visitando estande de bebês reborn de Gabriela Rodrigues no shopping Iguatemi Esplanada, em Sorocaba (SP)
Gabriela Rodrigues/Arquivo pessoal
👶 Arte reborn
Gabriela Salome Rodrigues, de 28 anos, é uma aresã de bebês reborn e empresária de Sorocaba. Em 2021, ela viu uma boneca hiper-realista pela primeira vez na televisão, e conta que se apaixonou pela arte.
“Aquilo me despertou uma curiosidade enorme! Fui pesquisar mais a fundo e descobri que era possível fazer cursos para aprender essa arte. Após o meu primeiro curso, me encantei e já iniciei minhas próprias criações. Na época, eu ainda não tinha uma reborn, mas a vontade de fazer parte desse universo foi o que me motivou”, contou Gabriela.
Artesã de Sorocaba faz bebês reborns hiper-realistas
Com o passar do tempo, o negócio de Gabriela se consolidou na região e chegou a diversas partes do país. Atualmente, a jovem possui lojas físicas em shoppings de Sorocaba e na capital paulista.
Ao g1, Gabriela também contou como é o processo de fabricação das bonecas, que pode levar de uma a duas semanas, dependendo do modelo, podendo ser de ponta entrega ou personalizado para cada cliente. A artesã vende desde bonecas mais simples, que custam a partir de R$ 790, a bonecas mais caras, que podem ultrapassar os R$ 3 mil.
O valor elevado das bonecas reborn, segundo Gabriela, se dá a partir das horas dedicadas a este trabalho, que precisa ser feito à mão e exige muita técnica para ficar pronto. A arte precisa ser realista na pintura, no cabelo e no acabamento.
“As reborn são feitas a partir de kits de vinil ou silicone, que simulam as partes do corpo do bebê. A partir desse material base, fazemos um trabalho detalhado de pintura em camadas, para criar o tom de pele, veinhas, manchinhas, dobrinhas e até marquinhas de vacina, tudo para que fiquem o mais realistas possível”, explicou.
Artesã de Sorocaba (SP) pinta detalhes na pele de bebês reborn
Gabriela Rodrigues/Arquivo pessoal
Depois que o corpo fica pronto, a cabeça da boneca recebe os fios de cabelo, que são implantados com uma agulha delicada e específica para este tipo de artesanato.
Em seguida, o interior da bebê reborn é recheado com enchimentos estratégicos, para que eles fique maleável e com o peso semelhante ao de um bebê real. O toque final é feito com a personalização de roupinhas e acessórios.
Conforme a empresária, com a popularização das bonecas na internet nos últimos meses, a procura por modelos realistas aumentou bastante, pois as clientes já a procuram dizendo que querem uma boneca que “pareça um bebezinho mesmo”.
Gabriela Salome Rodrigues é uma artesã e empresária de Sorocaba (SP) que faz bonecas reborn
Gabriela Rodrigues/Arquivo pessoal
“Enviamos para todo o Brasil, mas, como temos as lojas físicas, a maior parte das entregas acontece por aqui mesmo. Às vezes, isso [comprar reborn] causa estranheza em quem vê de fora, mas, para quem vive essa experiência, pode ser algo muito terapêutico e significativo. Já vi casos de idosos, por exemplo, que encontram companhia e alegria com essas bonecas. Cada pessoa tem suas formas de expressar afeto e isso merece empatia”, destacou a profissional.
“Por serem tão realistas, as reborn tornam a brincadeira ainda mais envolvente. É um brinquedo que estimula o cuidado, a imaginação e o afeto”, finaliza Gabriela.
Bebês reborn podem demorar de uma a duas semanas para serem feitos por artesã de Sorocaba (SP)
Gabriela Rodrigues/Arquivo pessoal
🍼 ‘Mais que um brinquedo’
Uma das clientes de Gabriela é Cristiane dos Santos, moradora de Sorocaba, de 32 anos. Ela comprou recentemente uma bebê reborn para a sua filha, Luiza Tonon Armagni, de sete anos, que sempre sonhou em ter uma boneca realista.
Ao g1, Cristiane contou como a filha ficou contente ao ganhar a boneca de aniversário, e que, antes de comprar a bebê reborn, pesquisou bastante sobre o assunto. A boneca de Luiza foi feita por encomenda, com os olhos azuis, pesada e com um corpo maleável.
“Eu acho que muitas mamães, como eu, às vezes, tiveram uma infância muito difícil. De não ter condições e também nem existiam bonecas assim. Então, alguns adultos, eles acabam pegando para si, acho que, como um sonho antigo. Mas eu acho que, quando a pessoa adulta trata uma boneca como se fosse filho, é um pouco estranho”, opinou Cristiane.
Luiza ganhou uma bebê reborn de aniversário de sete anos, em Sorocaba (SP)
Cristiane dos Santos/Arquivo pessoal
Para Cristiane, a filha está na idade certa para brincar com bonecas, principalmente diante da era digital, em que os pequenos se encantam e se tornam dependentes da tecnologia com facilidade, portanto, sempre estimulou a menina a reproduzir o amor e carinho que recebe com os brinquedos.
“O que a gente traz de bom para os nossos filhos é o que eles refletem também. Então, hoje eu vejo a minha filha brincando com a bonequinha e falando as mesmas coisas que eu falo para ela, tratando com carinho, é a transferência de amor, né? Dá uma sensação de conforto, de que a gente está fazendo a coisa certa. A realização da minha filha também é uma realização para mim.”
“A bebê reborn foi mais que um brinquedo para a gente. Uma coisa simples que você compra em uma loja foi a construção de um sonho na cabecinha de uma criança e de uma mãe também, que comprou esse sonho junto. A bonequinha dela tem todas as manchinhas de um recém-nascido, tem marquinha de vacina, tem unhas perfeitas. Os cabelinhos parecem cabelos de um neném de verdade. Então, assim, ela é uma boneca mais perfeita que eu já vi na vida. Minha filha ficou encantada”, finaliza Cristiane.
Bebê reborn foi feita por encomenda em Sorocaba (SP)
Cristiane dos Santos/Arquivo pessoal
🤱 Bebê em sacola?
Outra cliente de Gabriela, que mora em São Paulo (SP) mas fez questão de buscar uma de seus bebês reborn na loja do shopping de Sorocaba, é Bianca Camargo, de 24 anos. Elas tem dois bonecos chamados Henrique e Miguel, e contou ao g1 que deve ter gastado pelo menos R$ 5 mil com eles.
Bianca Camargo comprou bebês reborn de artesão de Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
Questionada sobre os costumes inusitados de donos adultos de bebês reborn, que brincam com as bonecas e acabam viralizando nas redes sociais, a jovem contou que apenas coleciona os brinquedos, hábito que tem desde a infância. Ela não brinca com os bebês, mas já passou por uma experiência inusitada com um deles, quando chamaram sua atenção por colocá-lo dentro de uma sacola.
“Eu não tenho costumes inusitados, tenho as bebês mesmo como um sonho realizado e uma coleção. Não sou de sair com eles, mas já levei para o meu trabalho, pois todos estavam muito curiosos em conhecê-los, e fizeram bastante sucesso entre os funcionários e clientes.”
“Nesse mesmo dia, me lembro que, na rua mesmo, guardei o meu bebê em uma sacola para voltar para dentro do meu local de trabalho, e uma pessoa dirigindo me xingou, pois achou que eu estava guardando um bebê na sacola, foi engraçado”, acrescentou a jovem.
Bebê reborn comprado de artesã de Sorocaba (SP) já foi confundido com bebê de verdade ao ser colocado em sacola
Arquivo pessoal
Bebê reborn de Bianca Camargo, moradora da capital paulista, foi comprado de artesã de Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
Bebê reborn faz parte da coleção de Bianca Camargo, que adquiriu dois bonecos de artesã de Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
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