A seriedade dos fatos não pode, por si só, cegar o Juízo do que já consta dos autos. O Poder Judiciário não pode se deixar influenciar pelo clamor social ou pela indignação natural que os eventos despertam. Ainda que a materialidade do dano ao erário seja evidente, a imputação do crime de organização criminosa exige a presença de elementos que demonstrem a estruturação e a estabilidade de um grupo voltado à prática de delitos, o que não se verificou no caso em apreço.
O entendimento é do juiz Elleston Lissandro Canali, titular da Vara Criminal da Região Metropolitana da Capital, e integra decisão que decreta a absolvição sumária de sete denunciados pelo crime de integrar organização criminosa no âmbito da Operação Oxigênio, que apura responsabilidades no desvio de R$ 33 milhões com a compra fraudulenta de respiradores pulmonares pela Secretaria de Estado da Saúde, jamais entregues ao governo do Estado, em 2020.
Em relação aos demais delitos imputados pelo Ministério Público do Estado (MPSC), o magistrado determina o prosseguimento da ação penal.
Em um despacho de 47 páginas, o juiz registra:
Dúvidas não pairam que os fatos narrados na denúncia são de extrema gravidade. A aquisição de 200 (duzentos) respiradores pulmonares em meio à crise sanitária causada pela pandemia de COVID-19, sem a devida entrega dos equipamentos e com o pagamento antecipado de R$ 33.000.000,00 (trinta e três milhões de reais), resultou em um prejuízo expressivo aos cofres públicos do Estado de Santa Catarina em um momento de extrema fragilidade social e econômica. Trata-se de um episódio que não apenas impactou os recursos financeiros do Estado, mas também comprometeu a efetividade das medidas de enfrentamento à pandemia, colocando vidas em risco.
Contudo, ao analisar detidamente os fatos e condutas descritos na denúncia, conclui pela inexistência de elementos capazes de comprovar o “vínculo estrutural, estável e permanente” dos envolvidos para a prática de delitos.
Frisa o juiz:
O simples envolvimento de múltiplos agentes na execução da conduta não é suficiente para caracterizar a existência de uma organização criminosa. Conforme jurisprudência consolidada, a diferenciação entre mero concurso de agentes e organização criminosa reside na exigência de um vínculo estrutural estável e permanente, com divisão de tarefas e hierarquia funcional, voltado à prática reiterada de delitos. No presente caso, os elementos colhidos indicam, no máximo, um ajuste ocasional entre indivíduos para a execução do fato específico narrado na denúncia, o que não se amolda ao tipo penal do artigo 2º da Lei n° 12.850/2013.
O magistrado destaca, ainda, que “a prova é robusta quanto à atuação dos denunciados para a consecução do negócio com o Governo do Estado de Santa Catarina, não havendo indícios de que formaram uma associação dotada de hierarquia, estabilidade e permanência para a consecucão de crimes.
Portanto, ressalta a decisão, “considerando a hialina ausência de uma associação estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, aliada à inexistência de animus associativo entre os denunciados, é forçoso reconhecer sumariamente que a suposta organização criminosa não restou configurada.”
A decisão foi publicada nesta terça-feira (13). Ação penal número 5066291-47.2021.8.24.0023/SC
(JusCatarina)