Amor máximo pelos filmes

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Não fumar, não beber e assistir dois filmes por dia. Esse parece ser a dieta perfeita para se chegar aos 80 anos. Ou pelo menos a dieta ideal para um dos mais conhecidos — se não o mais conhecido — cinéfilos de toda a Paraíba: Ivan Araújo Costa, ou Ivan Cineminha, que completou oito décadas de vida no domingo passado. Os cerca de 20 mil filmes assistidos nesse meio tempo constam em suas famosas dezenas de cadernos, nos quais anota religiosamente dados técnicos dos longas, como direção, elenco, ano de lançamento e local onde foi assistido.

Ao longo de mais de 70 anos, vindo das terras de Picuí, onde já era espectador mirim do Cine Guarany, do pai, foi ao longo do tempo vivendo as impermanências dos cinemas em João Pessoa, Cabedelo e Recife, desde as grandes filas dos grandes clássicos até a decadência e a entrada nos circuitos dos shoppings. Sua memória prodigiosa é alvo de desafios dos amigos cinéfilos e levou duas vezes a ser entrevistado por Jô Soares em seus programas: em 1995, no SBT, e em 2000, na Globo.

Atualmente, Ivan carrega consigo os bons e velhos amigos, ainda percorre diariamente os mesmos lugares onde conversa sobre cinema e temas prosaicos e, com a decadência dos cinemas, acabou constituindo seu próprio acervo de DVDs e fitas VHS, além do acesso por meio da internet e das plataformas de streaming. Mais recentemente, foi para a frente das câmeras ser personagem de filme, no caso, em O Contador de Filmes, de Elinaldo Rodrigues, e foi também um dos homenageados no 19o Fest Aruanda, no ano passado.

A União bateu um dedo de prosa com ele sobre seu atual comportamento de consumo de cinema, as relações com as produções atuais e como se adaptou às mudanças ao longo desses anos. No final das contas, para saber as atualizações cinéfilas de um dos maiores conhecedores de cinema de todo o Brasil — se não, do mundo.

Relação com o cinema

“Antes, eu ia ao cinema pelo elenco do filme, pelos atores, hoje não tem mais isso. Todos os [bons] atores do cinema praticamente já se foram. Tem poucos que hoje que você conhece que estão vivos. Anthony Hopkins está vivo, Redd Foxx está vivo… O cinema praticamente acabou por conta disso”, opina. “Porque o cinema verdadeiro, os maiores diretores de cinema — John Ford, John Huston, Stanley Kubrick… — todos morreram. Esses caras que fazem cinema hoje, tanto para TV, TV a cabo, Netflix, eles fazem o filme e pronto, colocam um ator que faz programa de TV, alguma coisa. Mas não tem aquele ator profissional que a gente viu naquela época, um ator completo da casa, que faz de quatro a cinco filmes por ano”.

As atuais idas ao cinema

“Hoje não tem mais disso [de ir ao cinema com frequência]. Hoje, se eu pegar sessão às 8h30 da noite em algum cinema da praia, quando saio, os ônibus não estão mais funcionando naquele horário”, reclama. “Os caras dizem que têm Uber, mas não gostam de transportar aqui para o Centro, onde eu moro, no Cordão Encarnado. Aí vou no sábado à tarde, ou então vejo pela internet aqui e pelo que tenho em casa — tenho um grande elenco de filmes aqui. Fico vendo filme em casa ou pela Netflix, pelo canal Odeon, pelo My Family, tudo isso eu vejo”.

Assistir filmes pela internet

“Quando eu quero ver um clássico, eu coloco um filme antigo, no YouTube. Tem filmes antigos que eu tenho aqui em casa também. Como eu estou com essa televisão grandona, aí fico mesmo em casa”, conta. “Só vou no cinema em último caso mesmo. E os filmes que passam hoje, filme de ficção científica, filme de terror, eu não gosto mais”.

O uso da TV

“Quando passa um filme na TV, eu vejo o elenco, às vezes a interpretação dos atores. Aí procuro ver. Mas quando eu não gosto, eu desligo e vou para outro. Entende como é?”, explica. “Não é como antigamente, não, que eu ia até o fim. Eu via tanta porcaria naquela época, porque eu era viciado em cinema mesmo”.

Filmes que revê

“Rapaz, eu gosto de filmes dos anos 1960, 1950. O cinema de até 1990 e pouco ainda vejo — A Lista de Schindler, O Chacal, O Mais Longo dos Dias, O Grande Caruso. Tudo o que eu via há 40 anos, estou atrás de rever”, afirma. “Aqueles faroestes com John Wayne, cinema verdadeiro. Tem um filme novo que eu vou ver hoje, com o Robert DeNiro: A Máfia e o Poder, com direção de Barry Levinson. Mas o verdadeiro cinema se acabou no final dos anos 1990”.

Ainda Estou Aqui

“Eu gosto de cinema nacional, vi Ainda Estou Aqui. Achei interessante. É bom porque aquela é a realidade da época, eu vivi aquela época. É aquilo ali mesmo. Aquela brutalidade, era daquele jeito mesmo”, recorda. “Eles pegavam uma pessoa que era suspeita, espancavam no meio da rua, levavam algemado, botavam um pano na cara do cara para não ver quem era. Rapaz, era aquilo mesmo, viu?”.

Personagem

“Para mim [participar de O Contador de Filmes] foi simples, não precisou de nada demais, não. Eu só achei uma coisa: fui para Picuí, dirigi uma moto até lá para fazer uma cena de um ou dois minutos. Pensou na viagem?”, lembra. “Eles viajaram um trecho, eles me filmaram com capacete, depois sem capacete. A moto era grande, uma moto possante, porque fui motoqueiro muito tempo também. Fiz muitas viagens para Recife, para assistir filme lá”.

Cineminha se informava pelos jornais sobre a programação em Recife. “Os filmes de Elvis, eu ia ver em Recife, porque aqui demorava passar, assim como o filme dos Beatles: fui ver em Recife. Depois que começou a igualar aqui, eu fui deixando de ir”.

Homenagem no Aruanda

“Ah, foi espetacular, gostei demais. Foi ótima, coisa que eu nem esperava. E teve um rapaz que fez uma matéria na no jornal, ele colocou ‘Ivan Cineminha, o maior cinéfilo da Terra!’. Que homenagem impressionante, foi o Alisson Pinheiro”, celebra. “Mas também o maior cinéfilo da Terra, não, eu só sou um dos milhões da terra, mas maior, não! Eu continuo da mesma maneira, anotando meus filmes e conversando com amigos meus que gostam de cinema”.

#Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de maio de 2025.

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A União

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