No plano trilionário de data centers do governo federal, pode faltar energia (literalmente)

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Brasília – O marco legal dos data centers gestado pelo governo federal, que prevê investimentos de R$ 2 trilhões em 10 anos nessa área, deve ser dividido em duas partes distintas para a tramitação no Congresso.

A primeira envolve regras tarifárias, a partir de um programa de isenção tarifária para importação de produtos, implementado por medida provisória (MP). A segunda trata de normas relacionadas à soberania de dados, diretos autorais e contrapartidas de estados e municípios para as empresas, temas que deverão ser analisados por projetos de lei.

A primeira parte do plano, que será implementado por Medida Provisória (MP), tem efeito imediato diante da urgência de estabelecer regras de isenção de tarifas para importar equipamentos na montagem dos data centers. Hoje, o Brasil disputa um mercado direto com o Chile e Colômbia, na América do Sul, e com a Índia, na Ásia. A regulamentação, entretanto, ficaria a cargo do Congresso – hoje há dois projetos em tramitação e uma comissão especial a ser instalada sobre inteligência artificial.

O primeiro desses projetos trata-se do PL 3018/24, que promete uma legislação própria para os centros de processamentos de dados e IA. A primeira audiência pública está para ocorrer em 15 dias. Será o início de um cabo de guerra sobre soberania e segurança nacional, fontes de energia para operação dos equipamentos e infraestrutura de cabos subterrâneos.

Há um consenso entre integrantes do governo e do Congresso sobre a necessidade de definir regras o quanto antes para o setor. A audiência tem entre os convidados integrantes dos ministérios da Fazenda; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; da Ciência e Tecnologia; e de Minas e Energia, além de empresários.

O segundo projeto está na Câmara. Será relatado pelo deputado Pedro Lucas (União Brasil-MA), que chegou a ser confirmado pelo governo Lula como ministro das Comunicações, mas acabou desistindo do cargo. O texto propõe a criação de uma Política Nacional de Processamento e Armazenamento Digitais. Tratará também de contrapartidas da União, estados e municípios, como destinação de zonas especiais para data centers.

A última frente no Congresso está na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto sobre inteligência artificial. Em entrevista ao NeoFeed, a presidente do colegiado, Luísa Canziani (PSD-PR), disse que a regulamentação dos data centers estará no projeto. “Temos que estabelecer critérios de como o Brasil poderá se preparar para entrar na briga pela infraestrutura.”

Em visita aos Estados Unidos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu a edição da medida provisória para os próximos dias. A ideia do governo é antecipar os efeitos da reforma tributária para os data centers. A ideia é estabelecer uma desoneração total dos tributos federais, reduzir imposto de importação sobre equipamentos de TI não fabricados no Brasil e isentar exportações de serviços produzidos nos data centers.

Limitação da rede

O ambicioso plano do governo federal para atrair investimentos em data centers deixa de lado um problema que pode atrapalhar a viabilização do projeto no curto prazo: a limitação do setor elétrico nacional em suportar a sobrecarga significativa na rede de transmissão prevista com a instalação desses data centers.

Desde o apagão de 2023, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem barrado a aprovação de projetos que demandam grande carga de energia jogada na rede alegando riscos de sobrecarga.

No caso mais recente, no mês passado, a empresa de energia Casa dos Ventos viu ser recusado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) um pedido de conexão de projetos de uma planta para produzir amônia verde, um investimento de R$ 49 bilhões, e de dois data centers em parceria com a empresa chinesa ByteDance, dona do TikTok, no valor total de R$ 50 bilhões, no Complexo do Pecém, no Ceará – que vem se firmando como o maior hub de projetos de hidrogênio verde no País.

A Aneel decidiu seguir recomendações do ONS, que condicionou a aprovação dos projetos a reforços estruturais na rede, sem oferecer detalhes ou prazos para os reforços serem feitos. Os dois empreendimentos, com demanda total de 1,77 gigawatt (GW), tinham previsão de entrar em operação no final de 2027 (data centers) e de 2028 (planta de amônia).

A instalação no País de data centers de grande porte – com capacidade de armazenar dados de inteligência artificial, como os previstos pelo plano do governo – vai exigir aumento das linhas de transmissão existentes no País, que hoje se estendem por 180 mil quilômetros.

Além de absorver muita água, para refrigerar os servidores, um data center de grande porte consome cerca de 10 megawatts (MW) por hora, equivalente ao de uma cidade de 100 mil habitantes.

Há ainda dois problemas sobrepostos que devem ser levados em conta pelo governo. Um deles é a contradição da grande oferta de energia, disponibilizada nos últimos anos pelo crescimento exponencial de fontes renováveis, como as energias eólica e solar, que injetam energia na rede durante o dia sem que haja demanda, sobrecarregando o sistema – uma vez que a ampliação da rede de linhas de transmissão não acompanhou esse crescimento.

Para evitar a sobrecarga na rede, além de recusar novos projetos com grande demanda de energia, como os da Casa dos Ventos, o ONS vem efetuando cortes de geração em determinadas horas do dia – o chamado curtailment.

Só em 2024, 1.445 usinas solares, eólicas e hidrelétricas foram afetadas pelos cortes, causando prejuízos financeiros de R$ 1,6 bilhão aos ativos afetados, de acordo com levantamento da consultoria Volt Robotics.

O segundo problema é como acomodar a nova demanda de data centers de empresas estrangeiras diante dessa limitação do sistema. A rede dos chamados linhões – estruturas gigantescas que transmitem energia elétrica cruzando os estados – deve ganhar mais 38 mil km até 2034, de acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia da EPE (empresa pública de pesquisa energética).

O Ministério de Minas e Energia (MME) estima que, em 12 anos, a soma do consumo de todos os data centers em território nacional será de 2,5 GW. Hoje, o Brasil tem 181 data centers. Até 2034, esse número poderá chegar a 500. Mas os planejamentos da EPE e do MME foram feitos antes do anúncio do plano do governo.

Escalas diferentes

Luiz Augusto Barroso, CEO da consultoria PSR e ex-presidente da EPE, afirma que o desafio do ONS para acomodar uma nova leva de projetos de data centers é grande. Mas ressalta que o caso dos projetos recusados da Casa dos Ventos no Pecém não serve de parâmetro.

Isso porque, segundo ele, a conexão para hidrogênio verde exige grande carga de energia por projeto, com demanda contada em gigawatts, o que exige uma solução de planejamento mais específica.

“Já um data center demanda várias cargas menores de energia, em dezenas de megawatts, e de forma mais distribuída”, diz. “Pode ser que o operador do sistema consiga acomodar soluções de curto prazo que permitam conexão de algumas dessas cargas – mas não todas – num horizonte de três anos.”

Para Barroso, o novo projeto de data centers do governo vai gerar uma pressão para que a expansão da atual rede de linhas de transmissão seja mais acelerada.

O processo para instalação de um linhão, porém, é bem demorado. Entre planejamento, edital, leilão e, na sequência, obras, licenciamento ambiental e entrada em operação são entre seis e sete anos.

Dessa forma, pelo menos boa parte desses R$ 2 trilhões de investimentos só começam a se materializar “na próxima década”, conforme admitiu o governo, possivelmente a partir de 2034.

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Neofeed

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