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O cantor campinense Cassiano faleceu há exatos quatro anos, deixando, junto ao público, sua maior herança: a música. Faixas como “Coleção” e “Primavera (Vai chuva)”, êxitos na sua própria voz ou em registros de Tim Maia e de Ivete Sangalo, mantêm acesa a imagem do compositor e intérprete que, por razões pessoais, decidiu afastar-se da mídia. Este ano, Cassiano será homenageado (junto com a sousense Glorinha Gadelha) no 8o Festival de Música da Paraíba, promovido, neste mês de maio, pela Empresa Paraibana de Comunicação (EPC) e pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc); ambos os artistas também estampam a capa deste mês do Correio das Artes, suplemento literário de A União.

Genival Cassiano dos Santos nasceu em setembro de 1943, na Rainha da Borborema. Pouco se sabe sobre a infância do cantor em terras paraibanas, mas o dado biográfico que salta aos olhos é proximidade de sua família com o lendário Jackson do Pandeiro.

Foi graças à influência do chamado Rei do Ritmo que o então menino enveredou pela música — não por meio dos instrumentos de percussão, como o experiente artista, mas pelas cordas do cavaquinho — que “evoluíram”, depois, para o violão e a guitarra, quando ele passou a residir na capital fluminense – para onde se mudou com a família, nos anos 1950.

O ofício como servente de pedreiro não impediu que Cassiano começasse a se profissionalizar na música. Com o irmão Camarão e o amigo José Amaro fundou o Bossa Trio, na década de 1960, grupo que flertava com o soul, tão marcante na carreira do paraibano nos anos seguintes.

Logo, o conjunto mudou de nome. Sagraram-se como Os Diagonais, trabalhando com outros instrumentistas que orbitavam shows e gravações em estúdio, a exemplo do baiano Hyldon, ainda adolescente e antes alcançar êxito com o LP Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda, que continha a canção homônima.

O trabalho dos Diagonais e, mais detalhadamente, de Cassiano, chamou a atenção de Tim Maia, recém-chegado dos Estados Unidos e em vias de gravar seu primeiro álbum em português, em meados de 1969. Além de contribuir com a guitarra nesse disco, o campinense presentou o colega com quatro canções — duas delas, os maiores sucessos do álbum “Eu amo você” e “Primavera”, ambas em parceria com Silvio Rochadel. O êxito das faixas na rádio catapultou Cassiano e forneceu-lhe as ferramentas para que sua carreira solo tivesse início em 1971, com o disco Imagem e Som, pela RCA (atual Sony Music). 

Discos e arquivos

O LP de estreia continha uma versão diferente de “Primavera”, na voz de seu autor, além de “Eu, meu filho e você” – segundo o relato de Hyldon para o Correio das Artes, essa faixa foi oferecida para Roberto Carlos, que não aceitou gravar. O disco não obteve repercussão, mas o prestígio do artista lhe garantiu uma segunda chance — Apresentamos Nosso Cassiano, de 1973, este editado pela Odeon (Universal Music atualmente).

Novamente, não houve repercussão, mas o campinense consolidou-se como “cantautor” da música popular brasileira — todas as canções são assinadas por Cassiano, sete delas sozinho.

Ao transferir-se para uma nova gravadora, a Polydor (também pertencente à Universal hoje em dia), gravou o compacto “A lua e eu”, que obteve lançamento tímido. Apesar disso, o produtor musical Nelson Motta gostou da canção, selecionando-a para a trilha da novela O Grito, em 1975.

Embalando os personagens Sérgio e Pilar (Ney Latorraca e Elizabeth Savalla) a composição se tornou o primeiro sucesso radiofônico de Cassiano como intérprete. Do compacto, ele foi para o LP Cuban Soul: 18 Kilates, foi um êxito fonográfico graças ao single “Coleção”, que fui incluído em outra novela, Locomotivas – esta, ganhou dezenas de regravações nas décadas posteriores.

Em 1978, no auge do sucesso como intérprete, Cassiano estava prestes a entrar novamente em estúdio (desta vez, contratado da CBS, também adquirida pela Sony anos mais tarde), mas foi acometido por uma tuberculose. O artista teve de interromper o projeto e passar por um longo processo de recuperação, que durou até a década de 1980.

Essa empreitada permanece arquivada até hoje pela gravadora, mas as tratativas entre os familiares e empresários não foram adiante. Desgostoso com a falta de espaço nos palcos e nas gravadoras, Cassiano optou pela reclusão até o seu falecimento, em maio de 2021.

Velho Cassiano

Alguns jornalistas especializados em cultura e que tiveram contato com Cassiano, ainda em vida, ou com seu espólio foram ouvidos para ilustrarmos esse texto. André Cananéa, gerente executivo de conteúdo e programas da Parahyba FM, tentou entrevistar o paraibano quando trabalhava no Jornal da Paraíba.

Uma voz masculina chegou a atender o número indicado por um colega, mas ao se identificar como profissional da imprensa, Cananéa levou um fora: “Não tem nenhum Cassiano aqui!”, retrucou a pessoa do outro lado da linha.

Sérgio Martins, que trabalhou como setorista para a revista Veja, conseguiu realizar uma entrevista com Cassiano, em 2000, por ocasião do lançamento de uma coletânea do cantor, produzida por Ed Motta. Apesar de afável durante o telefonema, ouviu da sua então esposa, dias depois, que ele não tinha gostado do texto.

“Era um cara fantástico, mas era um cara difícil. E hoje em dia, pessoas que têm essa autenticidade como o Cassiano tinha, encontram cada vez dificuldade em serem aceitas. Porque as pessoas querem o comum, quer o trivial, quer o banal. Culpa do público? Não sei. Mas é o que a gente tem hoje”, pontua.

Mas nenhum relato indireto pareceu tão próximo da pessoa que foi Cassiano como o de Melissa dos Santos, filha mais velha do cantor, que conversou com a reportagem. Seus pais se separaram quando ela tinha apenas seis anos – por isso, tem poucas lembranças da primeira infância.

Apesar disso, rememora uma boneca que ganhou do paraibano, presente de Natal. “A personalidade do meu pai, muito pelo contrário, se manteve ao longo destes anos todos. Um cara simples, desconfiado. Carregava algumas magoas da vida, mas um cara muito, muito ‘sangue bom’”, finaliza.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de maio de 2025.

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A União

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