Consultorias de investimento viram moda e dobram em cinco anos. Mas só a metade deve sobreviver

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O mercado brasileiro de consultorias de investimento tem experimentado um crescimento expressivo nos últimos anos. No ano passado, esse segmento atingiu um marco histórico. Pela primeira vez, o número de novas consultorias registradas junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) superou o de novas gestoras, com 126 empresas criadas.

Segundo dados compilados pela Mont Capital e compartilhados em primeira mão com o NeoFeed, o total de consultorias registradas como pessoa jurídica atingiu 593 no ano passado – mais que o dobro das 261 existentes em 2020. São Paulo concentra a maioria dessas empresas (mais de 400), seguido por Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

“Realmente temos visto um boom de novas consultorias, especialmente após a CVM 179. Com a tecnologia facilitando novos empreendedores, muita gente está acreditando que esse é o futuro do wealth management e que a hora de entrar é agora”, afirma Anderson Luz, sócio-fundador da Mont Capital, em entrevista ao NeoFeed.

O crescimento das consultorias de investimento no Brasil está sendo impulsionado por três tendências principais. A primeira são os family offices tradicionais, que atendem grandes fortunas e estão abrindo braços de consultoria para alcançar clientes de alta renda com patrimônios menores.

Em seguida aparecem as assessorias de investimento, que estão criando divisões de consultoria para manter clientes que desejam diversificar suas custódias. E, em terceiro lugar, as chamadas consultorias ‘puro-sangue’, que nascem já com esse modelo de negócio e focam no atendimento da alta renda (patrimônio entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões).

Cases como a Portfel, do Grupo Primo, com aproximadamente R$ 10 bilhões sob consultoria, e a Nord Wealth, da Nord Research, com mais de R$ 8 bilhões, têm servido de inspiração para novos empreendedores.

O impacto da transparência

A Resolução CVM 179, que entrou em vigor em novembro de 2023, é um fator crucial nesse cenário. A normativa trouxe maior transparência para as comissões pagas em investimentos realizados através de plataformas, revelando que o serviço de gestão de patrimônio nunca foi gratuito, apenas tinha seus custos ocultos.

Essa maior transparência abriu espaço para o modelo multicustódia e baseado em taxas (fee based) das consultorias, já regulamentado pela CVM há alguns anos.

A facilidade para entrar nesse mercado é um dos fatores que explica o alto número de novas empresas. Para abrir uma consultoria, basta ter algumas pessoas com as certificações necessárias para obter o registro na CVM.

“De um ano para cá começamos a ver uns aventureiros nesse mercado. Gente achando que para ter um wealth só precisa ter clientes com dinheiro”, afirma Renato Breia, da Nord Wealth.

“É o mesmo de alguns anos atrás com as gestoras, que eram abertas com duas pessoas e um terminal Bloomberg”, complementa ele, ressaltando que a realidade é mais complexa e que gerir patrimônio tende a ser cada vez mais desafiador.

Alta taxa de mortalidade

A aparente facilidade para ingressar no setor contrasta com a dificuldade de manter o negócio. Segundo cálculos da Mont Capital, a taxa média de mortalidade das consultorias é de 49%. Nos primeiros dois anos de operação, esse índice chega a alarmantes 85%, reduzindo-se para 58% após seis anos de registro.

“Os dados revelam um ambiente marcado por alta rotatividade e mortalidade precoce. Mostrando que apesar da atratividade inicial do modelo consultivo, a manutenção da atividade ao longo do tempo exige mais do que uma boa ideia: requer estrutura, clareza estratégica e preparo para atender a exigências regulatórias específicas”, afirma Fernando Leite, sócio-fundador da Mont Capital.

Um dos maiores desafios para as novas consultorias é atingir o ponto de equilíbrio financeiro, que a Mont Capital estima estar entre R$ 100 milhões e R$ 130 milhões de patrimônio sob consultoria.

Esse cálculo considera uma taxa de remuneração média de 0,5% ao ano e custos operacionais mensais de aproximadamente R$ 40 mil, incluindo aluguel, sistemas, seguros e equipe técnica.

O investimento inicial em tecnologia representa um desafio significativo, com valores entre R$ 50 mil e R$150 mil para uma consultoria de pequeno porte que deseja oferecer ferramentas de consolidação de patrimônio, relatórios sofisticados e interface adequada para seus clientes.

“O que vemos é que muita gente entra neste mercado, mas quando não consegue gerar receita o suficiente fica pelo caminho, principalmente quando não acham ferramentas que suportem o seu início”, diz Luz.

O desenvolvimento tecnológico tem sido crucial para o crescimento do setor. Plataformas white label como Gorila, Wealth Systems, Investtools e Alphatools permitem que consultorias de pequeno e médio porte ofereçam serviços sofisticados de consolidação patrimonial e relatórios sem precisar desenvolver sistemas próprios.

O futuro desse mercado

Além da concentração nas capitais, observa-se uma tendência de “interiorização” das consultorias, com crescimento em cidades médias como Campinas, Ribeirão Preto, Joinville e Londrina, onde há concentração de riqueza mas menor concorrência. Esta expansão geográfica tem sido facilitada por ferramentas digitais que permitem atendimento remoto de qualidade.

Apesar da alta taxa de mortalidade, o mercado deve continuar em expansão. Especialistas consultados pelo NeoFeed não preveem uma redução na taxa de fechamento de empresas no curto prazo, considerando que o setor ainda está em formação.

O segmento de robo-advisors também tem crescido como alternativa automatizada às consultorias tradicionais, com taxas geralmente menores (0,2% a 0,4% ao ano), representando uma opção para clientes com patrimônios menores ou com preferência por soluções tecnológicas.

A comparação com o mercado americano sugere um potencial de crescimento significativo. Nos Estados Unidos, existem mais de 300 mil Registered Investment Advisors (RIAs) – equivalentes aos consultores brasileiros por seu modelo multicustódia – para uma população de cerca de 350 milhões. No Brasil, com 212 milhões de habitantes, há apenas cerca de 25 mil assessores de investimento e aproximadamente 2 mil consultores.

“O que vimos nos Estados Unidos foi o mercado indo para o independente. E isso está acontecendo aqui, por mais que os bancos ainda detenham 80% hoje. E ele irá se desenvolver tanto com assessores como com consultores”, afirma Bruno Ballista, sócio e head de assessoria e relacionamento com o cliente XP.

O lançamento da plataforma XP Wealth Services em 2021 exemplifica a aposta da XP nesse mercado. Em 2023, a plataforma alcançou R$ 100 bilhões sob custódia, chegando a aproximadamente R$ 150 bilhões atualmente, atendendo desde consultorias independentes até family offices.

Especialistas apontam que o mercado brasileiro provavelmente seguirá tendências internacionais de regulamentação, como a Regulação Best Interest nos EUA, que impõe padrões fiduciários mais rigorosos para consultores. Este cenário de maior exigência regulatória pode acelerar o processo de consolidação, favorecendo empresas com estrutura robusta de compliance.

Consolidação: o próximo capítulo

Os especialistas apontam que, em algum momento, o mercado brasileiro deve passar por um processo de consolidação, semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos, onde surgiram gigantes como a Captrust (com cerca de US$ 1,1 trilhão sob gestão) e a Fisher Investments (aproximadamente US$ 300 bilhões).

O principal fator para essa consolidação é a necessidade de escala. Quanto maior o volume de ativos sob consultoria, maior a capacidade de investimento em tecnologia, elemento fundamental para a competitividade no setor.

Empresas menores terão o seu espaço e provavelmente serão atendidas por consolidadores como a própria Mont Capital e o Gorila, que fornecem infraestrutura para operação. Já as maiores consultorias tendem a desenvolver sistemas próprios para se diferenciar no mercado – um investimento custoso.

“Nós gastamos milhões por ano em tecnologia, e conseguimos uma virada de chave importante quando nos associamos ao grupo Primo, entrando em uma estrutura mais robusta. Acredito que para ser grande isso é necessário”, diz Felipe Spritzer, CEO da Portfel.

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Neofeed

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