

RETROSPECTIVA_2023 – Atos golpistas de 8 de janeiro. – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Embora esteja em vigor no Brasil há mais de 45 anos, a lei n° 6.683/79, mais conhecida como lei da anistia, voltou a ser muito debatida no Brasil após as condenações de manifestantes que participaram da depredação do patrimônio histórico em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023.
Muito diferente do cenário político em que foi imaginada, para dar início ao processo de redemocratização do Brasil ainda durante o regime militar, e permitir que exilados políticos pudessem retornar ao país; a lei da anistia é vista hoje como uma tábua de salvação para perdoar os crimes de manifestantes que participaram dos atos do 8 de janeiro.
A lei sancionada ainda nos tempos sombrios da ditadura militar, para alguns especialistas em direito e na política, pode ser aplicada agora para perdoar os crimes atribuídos aos manifestantes que ocuparam Brasília para protestar contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e acabaram presos e condenados.
Convocadas pelas redes sociais para um grande protesto na capital federal contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Jair Bolsonaro (PL), milhares de pessoas ocuparam a Esplanada dos Ministérios, no que deveria ter sido um movimento pacífico.
Mas o que aconteceu foi bem diferente, e centenas de pessoas saíram de lá já presas em flagrante, enquanto outras foram presos no dia seguinte, acusadas por crimes como associação criminosa armada, dano qualificado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e deterioração do patrimônio tombado.
Quais os tipos de anistia previstos na legislação brasileira
A lei da anistia que foi editada e aprovada durante a ditadura militar previu ao perdão de crimes políticos e conexos pelos quais foram acusados muitos brasileiros que discordavam do regime em vigor. Com o fim da punibilidade dos crimes a eles imputados, puderam retornar do exílio e retomar suas vidas e empregos.
Mas a lei também beneficiou aqueles que foram identificados como algozes de presos políticos, militares acusados por crimes de tortura e sequestro. Apesar de questionamentos sobre este aspecto, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento confirmando a constitucionalidade da lei da anistia.

Manifestação reuniu apoiadores de Bolsonaro na Avenida Paulista em manifestação pela anistia. Foto: Reprodução/YouTube/ND
A anistia também é prevista pela Constituição de 1988 e por outras legislações, e pode ser classificada em anistia política e anistia penal. A anistia política trata do fim das penas para quem praticou crimes de natureza política, especialmente durante regimes autoritários, como foi o caso da ditadura militar no Brasil.
Isso ocorre, por exemplo, quando o governo decide perdoar aqueles que lutaram contra o regime, como militantes de esquerda ou de oposição durante o regime militar.A anistia política não implica perdão para crimes comuns, mas para aqueles considerados de natureza política.
A advogada criminalista Amanda Silva Santos explica que a anistia é um ato do Congresso Nacional, mediante edição de lei ordinária, com efeitos retroativos, que extingue a punibilidade de um crime. “Essa modalidade, em regra, se destina a crimes políticos, abrangendo, excepcionalmente, crimes comuns”, destaca.
A criminalista lembra que embora a lei perdoe crimes, é preciso ressaltar que práticas como tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo e crimes definidos como hediondos não são passíveis de anistia.
A legislação brasileira prevê ainda a anistia penal, para crimes considerados de menor gravidade. De acordo com a advogada criminalista ouvida pelo NDmais, este tipo de anistia é mais comum em períodos de reconciliação nacional, ou de mudança de regimes políticos, e resulta geralmente na isenção da pena para o infrator, ou na extinção de uma pena já cumprida.
Em termos legais, a anistia é aplicada por atos normativos ou por decisões do poder legislativo e pode ter um alcance limitado (como a anistia apenas para determinados crimes) ou mais amplo. Em muitos casos, as anistias são usadas em momentos de reconciliação política, como transições de regimes autoritários para democracias.
A anistia pode ser própria quando concedida antes da condenação ou imprópria quando operada após a sentença condenatória. Além disso, ela pode ser condicionada, quando há a imposição de certas condições ou obrigações ao beneficiário para alcance do perdão e/ou incondicionada, quando inexistirem condições para garantia do benefício.
Nessa modalidade, uma vez concedida a lei, seus efeitos são aplicados de forma automática. A anistia é considerada comum quando se refere a crimes comuns, não políticos. E Especial/Política, quando atrelada ao perdão de crimes de natureza política.
De acordo com a advogada Amanda Silva Santos, a anistia também se aplica a casos de natureza tributária ou fiscal, “quando se prestar ao perdão de débitos fiscais e outras penalidades tributárias˜.
Recentemente, o Congresso aprovou proposta de emenda à Constituição que perdoou dívidas milionários dos partidos políticos que descumpriram normas para preenchimento de cotas de mulheres e negros.
Ex-presidente Dilma Roussef e ex-ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, puderam voltar ao Brasil após anistia
Entre diversas personalidades que deixaram o Brasil acusadas de crimes políticos nos anos em que o país foi governado pelos militares estavam a ex-presidente Dilma Roussef (PT), e um dos ativistas mais conhecidos do Partido dos Trabalhadores até hoje, o ex-ministro José Dirceu.
Ambos retornaram do exílio e retomaram as carreiras políticas após a ediçao da lei da anistia, ainda no periodo em que o país era liderado pelo general João Figueiredo. Personalidades como o jornalista Fernando Gabeira, e os cantores baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso também estavam entre os perseguidos que tiveram que abandonar a terra natal e puderam retornar ao Brasil.
Anistia, Indulto e Graça: entenda a diferença entre estes instrumentos jurídicos
Anistia, graça e indulto são benefícios que extinguem a punição de um crime, ou seja, que perdoam a pena. São medidas que visam atenuar penalidades em situações específicas, levando em conta questões humanitárias, sociais ou políticas.
O advogado especialista em Direito Penal, Lucas Fernando Serafim Alves, explica que os instrumentos tem algumas diferenças, como por exemplo, a forma de concessão. No caso da anistia, quem decide é o Congresso Nacional, por meio de leis.
“Ela tem caráter mais amplo, pois perdoa crimes antes do julgamento final; ou seja, extingue a própria possibilidade de haver uma punição”, pontua. Já a graça e o indulto, são prerrogativas do Presidente da República. A graça é um benefício individual concedida a uma pessoa específica, e só pode ser aplicada após o trânsito em julgado de sentença condenatória.
Já o indulto pode ser individual ou coletivo, e concedido pelo Presidente da República por meio de decretos, em datas comemorativas, como Natal e outros feriados, beneficiando pessoas que atendem a alguns critérios como tempo de cumprimento de pena e outros.
Mas tanto na graça quanto no indulto o advogado afirma que o que se extingue é apenas a pena, e não o crime; enquanto a anistia “apaga” o delito.
PL da Anistia: Parlamentares cobram perdão para manifestantes presos e pressionam líderes no Congresso
No Congresso Nacional, líderes de partidos da oposição ao governo se mobilizam para aprovar um projeto que permite anistiar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Muitos tiveram penas fixadas em mais de 17 anos e ainda se encontram presos em Brasília.
A proposta é recheada de polêmica desde a apresentação de uma proposta de emenda à Constituição, em 2023, e no ano passado chegou a ser aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, depois de muita pressão dos deputados oposicionistas, muitos do Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas o então presidente da Casa, Arthur Lira, decidiu retirar o tema do colegiado, e a pauta foi destaque entre os então candidatos à sucessão de Lira, como parte importante de troca de apoio entre partidos.
O texto prevê a anulação das penas dos condenados pelos atos de depredação naquela data e dos envolvidos em uma tentativa de golpe de Estado que, segundo a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, visava impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para manter Jair Bolsonaro no poder.
A inclusão do requerimento na pauta da Câmara depende do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). Depois, ele precisa ser aprovada por maioria simples dos deputados. A urgência dispensa formalidades e acelera os trâmites para que o projeto seja debatido diretamente em plenário.

Hugo Motta concedeu uma coletiva sobre o adiamento da pauta da anistia – Foto: Luiz Rodrigues/NDTV