A Ordem dos Advogados do Brasil, através da OABRS, e a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), emitiram notas de repúdio a atuação da juíza que presidiu o tribunal do júri que ocorreu na última sexta-feira (25) em Montenegro.
A OAB informou que encaminhou ofício à Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), questionando a postura da magistrada. No entender da OAB/RS, “foi uma postura desrespeitosa” à advocacia adotada pela juíza de Direito Débora de Souza Vissoni, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Montenegro, durante o julgamento do caso da personal trainer Débora Michels Rodrigues da Silva (Debby), finalizado na madrugada do último sábado.
Segundo a OAB/RS, enquanto a defesa do acusado explanava oralmente sua tese, a juíza interrompeu um dos advogados do réu, disse que sua colocação seria “inoportuna” e, em seguida, cassou sua palavra, dizendo que o advogado estaria “agindo de má-fé” e de “forma teatral”, afirmando ainda: “entendo que é o seu ganha-pão, a advocacia particular fazer isso”.
Para a OAB/RS, além da manifestação claramente ofensiva à advocacia como um todo, em outros momentos durante a sessão a magistrada não agiu com discrição, equilíbrio e ponderação necessárias à presidência do Tribunal do Júri.
O presidente da OAB/RS, Leonardo Lamachia, disse que entrou em contato com os advogados que participaram do júri e, após assistir aos vídeos, encaminhou ofício à CGJ do TJRS pedindo providências em relação aos fatos. “A manifestação da juíza em questão afronta a dignidade da advocacia, que estava ali de maneira respeitosa exercendo o seu papel e garantindo o sagrado direito de defesa do acusado.
O que se espera de uma magistrada ou magistrado que preside uma sessão de júri é, para com todos os operadores do Direito que lá estão – jurados e partes –, uma postura respeitosa, equilibrada e ponderada o que não ocorreu em alguns momentos naquele plenário”, disse Lamachia, em relação à atitude da juíza.
O presidente da subseção de Montenegro, Vinicius Kirsten, comentou o assunto e destacou que a subseção já está atuando em conjunto com a seccional: “Em que pese a nossa subseção não ter sido demandada diretamente pelos colegas, já estamos agindo junto com a seccional, considerando que o júri ocorreu na Comarca de Montenegro e que a manifestação da magistrada ofendeu toda a advocacia gaúcha”, afirmou.
ABRACRIM
A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), através de nota, pelas mesmas razões, também manifestou o seu repúdio com relação a conduta da magistrada que presidiu o júri. “A postura da magistrada em relação à advocacia fere frontalmente o artigo 6º da Lei 8.906/94, que prevê que “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.
“Desrespeitou a atuação não só dos advogados constituídos no caso concreto, mas de toda a advocacia criminal, que atua diariamente om zelo e comprometimento, contribuindo, de forma indispensável, para a administração da justiça”, destacou a nota, ressaltando que é direito do advogado reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento. No final da nota, a ABRACRIM citou que reafirma o seu compromisso de não transigir quanto à violação de prerrogativas da advocacia e informa que adotará as medidas pertinentes ao caso narrado.
Pedido de anulação
Ao final do júri, os advogados de defesa Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé Vares manifestaram que iriam recorrer da sentença e também pedir a anulação do julgamento. “O resultado do julgamento passa muito pela atuação da magistrada que presidiu o júri. Isso foi registrado em ata pela defesa e será tema de debate agora em grau de recurso. Estamos confiantes que o Tribunal de Justiça vai anular esse julgamento e o réu vai ter que ser julgado oportunamente dentro de um devido processo legal”, disse Rodrigo. Em vídeo publicado nas suas redes sociais, o advogado Ezequiel Vetoretti postou um vídeo se manifestando sobre o caso.
Em contato com as assessorias de imprensa, o Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) e o Ministério Público (MP) informaram que não iriam se manifestar sobre os questionamentos da defesa e da OAB/RS.
Após o final do julgamento, a promotora de justiça Rafaela Hias Moreira Huergo avaliou o resultado do júri, sobre a sentença de 26 anos e 8 meses de reclusão aplicada ao réu. “Foi uma pena exemplar. O Conselho de sentença era muito qualificado e votou por unanimidade em todos os quesitos. Excelente resultado”, avaliou. Já nesta terça-feira a promotora Rafaela comentou sobre o protesto dos advogados do réu. “Para o Ministério Público, a irresignação da defesa é parte do processo e deve ser enfrentada dentro dos autos, na esfera própria, através dos recursos cabíveis. A par disso, os debates da sessão plenária transcorreram de forma normal e respeitosa, culminando com o integral acolhimento dos pedidos da acusação, em decisão soberana e livre dos Jurados, que deve ser mantida porque reflete a prova reunida no processo”, declarou
Sobre o pedido de anulação do julgamento, a promotora Graziela Vieira Lorenzoni, que também atuou na acusação, entende que se trata de uma estratégia da defesa, ao vislumbrar uma possível condenação, buscando “cavar uma nulidade”. “O Tribunal de Justiça tem a última palavra”, afirma.
A condenação
A personal trainer Débora Michels Rodrigues da Silva (Debby), de 30 anos, foi morta na madrugada de 26 de janeiro do ano passado, na localidade de Vendinha, no interior de Montenegro. Depois o então companheiro da vítima ainda deixou o corpo dela na calçada em frente à casa dos pais, no bairro Centenário. O réu Alexsandro Alves Gunsch, de 49 anos, foi condenado por homicídio qualificado por feminicídio (cometido contra mulher em contexto de violência doméstica e familiar), motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. A pena fixada é de 26 anos e 8 meses de reclusão em regime inicialmente fechado. Foi determinada a imediata execução da condenação imposta, sendo novamente recolhido para a Penitenciária de Canoas.