Hammer e o cinema de horror

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Todo fã de cinema, em especial os que gostam de terror, reconhece a importância e o legado do Estúdio Hammer para a filmografia moderna de horror. Títulos como A Maldição de Frankenstein (1957) e O Vampiro da Noite (1958) — ambos estrelados por Christopher Lee e Peter Cushing — revolucionaram as histórias de terror no cinema com muito sangue, violência e erotismo. O selo “produzido pelo Estúdio Hammer” se tornou objeto de culto e interesse, com fãs que se renovam a cada geração — eu sou um deles.

Lançado no ano passado, mas ainda não disponível em streaming no Brasil, o documentário para TV Hammer: Heroes, Legends and Monsters (algo como “Hammer: Heróis, Lendas e Monstros”, em tradução livre), do diretor Benjamin Field, se vale de imagens de bastidor, preciosos depoimentos de arquivo de gente que fez o estúdio acontecer — como o produtor Anthony Hinds (filho de William Hinds, fundador do estúdio em sociedade com Enrique Carreras, cujo filho, James, tornou o empreendimento um marco do cinema) e ainda os citados Lee e Cushing, além de atrizes do porte de Veronica Carlson e Caroline Munro — e entrevistas com especialistas, roteiristas e diretores famosos, como Tim Burton (Os Fantasmas se Divertem), John Landis (Um Lobisomem Americano em Londres), Joe Dante (Gremlins) e John Carpenter (Halloween, O Enigma do Outro Mundo).

Criado nos anos 1930, na Inglaterra, o estúdio demorou algumas décadas para ser notado no circuito comercial. O ponto de virada foi quando percebeu que poderia fazer versões mais aterrorizantes dos monstros que inspiraram outro estúdio, Universal, nos anos 1930. Medonhamente repaginados, vampiros (e vampiras), lobisomem, o Fantasma da Ópera e várias encarnações de Frankenstein fizeram a fama do Estúdio Hammer, que alcançou o auge entre os anos 1950 e 1960, quando passou a produzir filmes coloridos que preenchiam a tela com muito sangue vermelho.

Para escapar dos censores à época, os produtores enviavam para avaliação as cópias em preto e branco, amenizando o impacto do gore. Curiosamente, fizeram da máxima restrição imposta pelos censores, representado pelo “R” de “Restrict” (“Restrito”) para menores de 17 anos, o marketing para atrair público, sinalizando que ali havia um filme de terror recheado com violência e sexo. E, conforme o entendimento da época, isso era sinônimo de uma boa bilheteria.

Heroes, Legends and Monsters aponta, inclusive, que produzir filmes que ganhassem a censura “R” se tornou um objetivo tão forte que, quando os censores afrouxaram as exigências, o estúdio partiu para a sexploitation, designação dada a filmes com bastante nudez feminina e sexo quase explícito, apelando para cenas gratuitas com mulheres nuas. Em depoimento para o documentário, Madeline Smith, atriz de filmes como Atração Mortal, chega a denunciar os abusos cometidos pelo produtor Michael Style. Mas nessa fase, a Hammer já se encaminhava para o declínio. Corria os anos 1970 e o filme O Exorcista chegava aos cinemas (em 1973), mudando ferozmente o gênero de terror. Fantasias com vampiros e castelos assombrados se tornaram distantes do público setentista, que agora sentia medo com as coisas mais próximas do cotidiano.

Porém, antes de decretar falência, em 1979, a Hammer deixou filmes inovadores que ecoam até os dias de hoje, como The Quatermass Xperiment (no Brasil, Terror que Mata), ficção científica lançada em 1955, cujos bastidores são esmiuçados no documentário de 2024. Deixou também filmes notáveis protagonizados por Drácula, personagem de Bram Stoker. Os melhores são os com Christopher Lee, entre eles o citado Vampiro da Noite e Drácula, o Príncipe das Trevas — menção honrosa também para Capitão Kronos — O Caçador de Vampiros (1974), tentativa da Hammer de renovar o subgênero vampiro, misturando terror e aventura capa e espada.

Tem ainda a conhecida “Trilogia Karnstein”, derivado do romance Carmilla, sobre a famosa vampira lésbica Carmilla, ou Mircalla Karnstein. Livremente inspirado na obra, o estúdio lançou The Vampire Lovers (no Brasil, o citado Atração Mortal); Lust for a Vampire (Luxúria de Vampiros) e Twins of Evil (As Filhas de Drácula), entre 1970 e 1972.

Em paralelo, no fim dos anos 1960, embalado pelo sucesso de O Bebê de Rosemary (1968), o estúdio se voltou também ao ocultismo, explorando filmes com possessão demoníaca e satanismo. Os mais celebrados são As Bodas de Satã (1968) e Uma Filha para o Diabo (1976), ambos estrelados por Christopher Lee.

*Coluna  publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de abril de 2025.

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A União

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