
Estátua em homenagem ao primeiro reitor da UFSC em frente à Reitoria, no Campus de Florianópolis. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC
O Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) deve analisar em sua próxima sessão, na terça-feira, 29 de abril, o processo sobre um tema que tem provocado debates na comunidade universitária e repercussão além dos muros da instituição. A comissão designada pelo CUn para dar encaminhamento às recomendações da Comissão Memória e Verdade (CMV) da UFSC apresentou, no seu relatório final, a proposta de retirar o nome de João David Ferreira Lima, o primeiro reitor (1962-1972), da denominação do campus-sede, localizado no bairro Trindade, em Florianópolis.
Ao mesmo tempo, os conselheiros devem ser convocados a se manifestar sobre um processo iniciado pelos familiares do ex-reitor que busca a impugnação do relatório final da Comissão Memória e Verdade e impedir qualquer retirada de homenagem a João David Ferreira Lima, entre outras medidas. A alegação para essa contestação é de que a comissão não teria observado os princípios do contraditório e da ampla defesa no decorrer do seu trabalho.
O relatório final da Comissão Memória e Verdade foi apresentado e aprovado por unanimidade pelo Conselho Universitário em 25 de setembro de 2018. No documento, a comissão fez uma série de recomendações, entre as quais estava a de reavaliação de homenagens concedidas anteriormente àqueles que praticaram comprovadamente denunciações e perseguições durante a ditadura civil-militar.
A contestação apresentada pela família de Ferreira Lima teve início ainda no final de 2022, por meio de um requerimento apresentado à Reitoria. Esse pedido deu origem a um processo administrativo, autuado em 5 de janeiro de 2023. O pedido de impugnação foi apresentado pela advogada Heloisa Blasi Rodrigues, em nome de David Ferreira Lima, filho do ex-reitor.
À época, a Universidade não havia designado ainda um grupo para dar encaminhamento às recomendações da Comissão Memória e Verdade, o que ocorreu na sessão do Conselho Universitário no final de março. A petição buscava impedir a implementação de medidas que poderiam “atingir ainda mais e de maneira sempre danosa a imagem do ex-reitor, bem como apagar da história da universidade, as inúmeras e profícuas atividades administrativas dos primeiros anos de criação e implantação da UFSC”.
Família argumenta que comissão teve visão unilateral e enviesada dos fatos
A petição apresentada pela família de Ferreira Lima indica o propósito de “divergir e contradizer” o relatório final da Comissão Memória e Verdade, que não teria, do ponto de vista dos familiares, observado os princípios do contraditório e da ampla defesa. De acordo com o documento, o ex-reitor João David Ferreira Lima teve sua memória achincalhada e foi vítima de “palavras ofensivas”. A Comissão Memória e Verdade, segundo os peticionários, teria adotado uma visão unilateral e enviesada dos fatos, privilegiando alguns depoimentos em detrimento de outros. Tudo isso com vistas ao apagamento da memória do ex-reitor na criação da UFSC.
“A demonização que a CMV/UFSC faz do ex-Reitor não reflete parcimônia, ponderação, distanciamento exigido do sujeito epistêmico, diante do seu objeto de estudo. A CMV/UFSC, antes de mergulhar na análise das evidências, deveria ter refletido sobre que tratamento dar a elas, embasada na ideia de que a administração da UFSC na década de 1960 era composta de pessoas que talvez tivessem uma forma de agir, própria daqueles tempos”, diz um trecho da peça. A petição procura apresentar outra versão sobre fatos abordados pela Comissão Memória e Verdade e contém uma série de documentos digitalizados para dar suporte a essa versão.
O documento peticiona ao Conselho Universitário que dê ao conteúdo da impugnação (a peça escrita e os documentos digitalizados) o mesmo tratamento dado ao Relatório Final da CMV, sem custos para a parte. Isso implicaria, entre outras coisas, a publicação de um livro pela Editora da UFSC com a peça de impugnação e também que seu conteúdo fosse incluído no Acervo da Memória e dos Direitos Humanos e encaminhado ao Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH).
Uma das principais preocupações da petição é de que nenhuma homenagem a João David Ferreira Lima seja retirada, especialmente aquela que dá o nome dele ao campus universitário, no bairro Trindade, em Florianópolis. O demandante pede que nenhum título seja retirado pela Universidade “sem que seja aberto processo específico com decisão colegiada do Conselho Universitário, ouvida a parte interessada, seu procurador(a) ou familiar próximo”.
Apelando para os princípios da Justiça de Transição, afirma que as Comissões da Verdade devem apurar os fatos para que nunca mais se repitam e buscar a conciliação, não promover punições. “A justiça de transição, na UFSC, pela CMV não vem para impedir a repetição de fatos desconfortáveis aos olhos de hoje que teriam havido entre 1964/1971. Ao contrário, o radicalismo com que atua polariza e sugere medidas, as quais ao invés de serem comedidas e pacificadoras, geram controvérsias e mais polêmica”.
Em 14 de março de 2023, o processo com pedido de impugnação do Relatório Final da CMV foi encaminhado à Procuradoria Federal junto à UFSC para verificação de admissibilidade. O parecer da Procuradoria declara que o pedido não se enquadra nos conceitos do Regimento Geral da UFSC na forma de recurso, mas que o processo poderia ser recebido pelo Conselho Universitário em atendimento ao direito de petição. “Porque a presente impugnação versa sobre o relatório final da Comissão da Memória e Verdade da UFSC, constituída no âmbito do Conselho Universitário, pela Resolução nº 48/CUn/2014, assume-se que este mesmo órgão detenha competência para decidir, em última instância, sobre ato praticado por comissão de sua própria criação”.
Processos desse tipo lembram violações para evitar que se repitam, diz professor
Logo depois desta manifestação da Procuradoria, em 28 de março, o Conselho aprovou a Resolução 7/2023/CUn que criou uma comissão para implementação das recomendações contidas no Relatório Final da CMV.
Nomeado presidente desta comissão, o professor Daniel Castelan afirma que, ao tomarem conhecimento do pedido de impugnação, integrantes do grupo reuniram-se com a advogada Heloísa Blasi para escutar seus argumentos e ponderações, que foram levados em consideração na elaboração do parecer final. Avaliaram, no entanto, que o pedido não questionava a validade dos documentos encontrados pela Comissão Memória e Verdade, em particular ofícios que delatavam estudantes e professores aos agentes da repressão.
O pedido de impugnação questionava principalmente o período anterior a 1964, quando esses atos ainda não haviam sido cometidos. Ainda assim, a comissão considerou que os documentos mencionados no pedido de impugnação eram de interesse público e solicitou sua doação ao Arquivo Central da UFSC, para que se tornassem acessíveis a pesquisadores.

Conselho Universitário deve se reunir na próxima terça-feira, 29 de abril. Foto: Divulgação/Agecom/UFSC
O professor diz que vê com naturalidade que o filho do ex-reitor João David Ferreira Lima tente frear o processo de revisão da homenagem.
“Os processos de memória e justiça são comuns a todos os países que passaram por regimes autoritários. Em algum momento as sociedades tomam consciência das violências praticadas e voltam ao passado para evitar que violações sejam esquecidas, tendo em vista que muitos dos crimes praticados durante as ditaduras são acobertados por mecanismos eficazes de censura. Então muitas violências são escondidas e esquecidas. O esquecimento é uma política, baseada em uma ideia equivocada de paz social, que esconde uma grande injustiça. Esses processos de memória e verdade buscam lembrar as violações. Isso evita que sejam repetidas, pois se cria um sentimento de repúdio a violações, contribuindo para construir uma sociedade mais pacífica”, afirma o professor Castelan.
Em seu relatório final, a Comissão de Encaminhamentos incluiu um anexo com documentos retirados do Relatório Final da CMV que comprovariam situações de censura, denunciações aos órgãos militares, perseguições a estudantes, servidores técnicos e professores da Universidade por parte da Administração Central da UFSC à época, “caracterizando um relacionamento estreito desta com os órgãos de informação e repressão do Regime Militar”.
Os documentos reunidos pela comissão evidenciam colaboração com o Serviço Nacional de Informações (SNI) e outros órgãos. “As perseguições e denúncias de estudantes, professores e servidores às autoridades militares citadas anteriormente e constando do Relatório Final da CMV-UFSC foram frequentemente perpetradas na UFSC por parte da Administração Central da Universidade, em particular durante a administração do ex-reitor João David Ferreira Lima”, afirma o relatório da Comissão de Encaminhamentos.
Enquanto se desenrolavam os trabalhos da comissão, o processo de impugnação movido pela família Ferreira Lima seguia em tramitação na UFSC. Em 2 de maio de 2023, o processo foi encaminhado ao professor José Isaac Pilati para elaboração de parecer. O professor Pilati, que à época estava “às vésperas do término do mandato de conselheiro”, como ele próprio mencionou, emitiu com agilidade um parecer no qual propunha convocar os conselheiros para deliberar a respeito dos requerimentos contidos na petição de impugnação. Ele também recomendou que se abrisse vistas do processo à Comissão de Encaminhamentos e que, em seguida, a comissão fosse convocada para nova reunião do CUn “para os devidos encaminhamentos”.
Em maio, o processo foi formalmente encaminhado para a comissão.
Em 20 de julho de 2023, a advogada Heloisa Blasi Rodrigues apresentou uma petição no processo de impugnação, a fim de “corrigir ilegalidades flagrantes” na formação da Comissão de Encaminhamentos. Argumentou que a comissão não poderia ser integrada por pessoas estranhas ao CUn, ou seja, que não fossem conselheiros, e contestou o fato de três integrantes da Comissão Especial terem sido também membros da própria Comissão Memória e Verdade da UFSC. “É no mínimo um contrassenso três membros da CMV/UFSC avaliarem, por meio de comissão especial que integram, as suas próprias sugestões e recomendações ao CUn”, pontuou.
Preocupada com a possibilidade de o Conselho Universitário decidir sobre a implementação das recomendações da CMV antes de analisar o processo de impugnação, e também com “o clima beligerante que toma conta da comunidade universitária, alimentado por contumaz campanha difamatória contra o primeiro reitor”, a representante de David Ferreira Lima solicitou que o processo fosse pautado no CUN, analisado e julgado em “prazo razoável e legal”.
Na sequência, em 14 de setembro de 2023, os membros da Comissão de Encaminhamentos reuniram-se com a advogada Heloisa Blasi para ouvir os argumentos, ponderações e receios da família Ferreira Lima, bem como prestar informações sobre o andamento dos trabalhos.
No entanto, em 5 de dezembro, diante da informação de membros da comissão de que não poderiam estabelecer prazo para a conclusão dos trabalhos, dada a complexidade e extensão da matéria, a advogada apresentou nova petição. Mencionando a razoável duração do processo e a idade avançada do requerente (com mais de 85 anos), solicitou que o processo fosse colocado em pauta no CUn o mais breve possível. E que, na seção do conselho para apreciar a matéria, ela pudesse fazer sustentação oral da tese que defende.
Relatório recomenda 12 encaminhamentos, incluindo retirada do nome do campus
Cerca de quatro meses depois, em 11 de abril de 2024, a Comissão de Encaminhamentos enviou à Reitoria relatório contendo as propostas de implementação das resoluções da CMV.
Neste documento, a comissão apresenta o status atual e proposta de encaminhamento para cada uma das 12 recomendações expressas no relatório final da Comissão Memória e Verdade da UFSC. Entre estas, a que propõe seja alterada a denominação atual do campus-sede da UFSC e retirada a menção a João David Ferreira Lima.
“Com o objetivo de respeito à verdade histórica completa, de reparação de dores e injustiças causados neste período e da consequente busca de harmonização de toda a Comunidade Universitária, a Comissão da Resolução N° 7/Cun/2023 sugere também que ao visto da documentação comprovada, fornecida no Relatório Final da CMV/UFSC, e parcialmente apresentada no Anexo III, seja alterada a denominação do Campus de Florianópolis da UFSC, retirando o nome do ex-reitor João David Ferreira Lima que lhe está associado conforme decisão do Conselho Universitário na sessão de 23 de setembro de 2003. A Comissão entende que naquela sessão na qual foi decidida esta homenagem, os fatos revelados pelo Relatório Final da CMV/UFSC e os estudos subsequentes eram desconhecidos dos conselheiros que a votaram por unanimidade”.

Na época da homenagem ao primeiro reitor, fatos eram desconhecidos, argumenta comissão. Foto: Divulgação/Agecom/UFSC
No relato, a Comissão de Encaminhamentos incluiu um anexo em que apresenta “uma síntese representativa e não exaustiva” de atos analisados pela CMV que constam do Relatório Final daquela comissão e que se configurariam em exemplos de perseguições e denúncias perpetradas pelo ex-reitor e seus assessores diretos durante o período da ditadura militar.
Os membros da comissão afirmam que levaram em conta, na elaboração do relato, as informações e argumentações apresentadas no processo de impugnação, além da petição apresentada pela advogada de David Ferreira Lima e a reunião entre as partes ocorrida em setembro de 2023.
O relatório não contesta as ponderações do processo de impugnação no que se referem à atuação do ex-reitor João David Ferreira Lima na criação e consolidação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Como dito anteriormente, os documentos apresentados no Processo nº 23080.000600/2023-25 vieram confirmar o protagonismo e a importância incontestáveis do ex-reitor João David Ferreira Lima na construção da Universidade e de sua estrutura administrativa que se repercute até os dias atuais e na implantação pioneira da Reforma Universitária na UFSC”.
A comissão, no entanto, classifica como improcedente o pedido de impugnação do relatório final da CMV quase cinco anos após a sua aprovação unânime pelo Conselho Universitário. Defende que os trabalhos da CMV foram públicos e transparentes, os resultados foram amplamente debatidos e divulgados e abertos à manifestação de todos os interessados. E que a família do ex-reitor poderia ter exercido o seu direito ao contraditório ao longo dos trabalhos da Comissão Memória e Verdade. “No entender desta comissão, o pedido é improcedente porque não houve atentado ao direito de contraditório e ampla defesa pela Comissão da Memória e Verdade. A impugnação do Relatório Final teria o efeito de mais uma vez reprimir a verdade histórica revelada por depoimentos censurados e por documentos oficiais. Seria reeditar a censura praticada durante um longo período no Brasil”.
Documentos mostram ações do ex-reitor em colaboração ao regime militar
No Anexo I do seu parecer, a Comissão de Encaminhamentos apresenta alguns exemplos buscando demonstrar o liame entre as ações de Ferreira Lima e da estrutura administrativa da Universidade em perseguições e denunciações de pessoas da comunidade universitária para órgãos de informação e repressão do governo militar.
Um dos casos citados é a criação de uma Comissão de Inquérito, dentro da UFSC, para realizar “investigação sumária” de servidores, com o intuito de embasar demissões, dispensas, aposentadorias ou transferências, conforme autorizado pelo Ato Institucional 1 (AI-1), de 9 de abril de 1964, um dos primeiros atos da ditadura implantada na sequência do golpe civil-militar.
“Ao final dos trabalhos, a C.I. deliberou pelo indiciamento dos estudantes Francisco Mastella, Rogério Queiroz, Eduardo Luiz Mussi e Ivo Eckert, todos da Faculdade de Direito, como incursos no Artigo 7º do Ato Institucional nº 1. A comissão remeteu cópia dos processos para a Comissão de Investigações da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Do mesmo modo, a Comissão indiciou os funcionários Emanoel Campos, João Nilo Linhares, Murilo Gonzaga Martins e Carlos Alberto Silveira Lenzi. Este último, pelos seus escritos na imprensa local, a comissão sugeriu enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional. A comissão tratou de produzir resultados que foram disponibilizados para vários órgãos de repressão, notadamente os das esferas militares, onde IPMs – inquéritos policiais militares – poderiam ser abertos sobre os indiciados. O resultado do trabalho da Comissão de Inquérito da universidade subsidiou a ação repressiva dos órgãos de segurança”, afirma um trecho do documento.
Com base em comunicações entre o ex-reitor Ferreira Lima e a Comissão de Inquérito, a comissão afirma que ficou explícita a participação ativa do dirigente da UFSC em denunciações. “No Ofício n. 863/6411, de 15 de maio de 64, o reitor João David Ferreira Lima apresenta um relato circunstanciado à Comissão de Inquérito, incriminando nominalmente lideranças estudantis, professores e o diretor da Faculdade de Direito por supostos atos de ‘subversão’, muitos anteriores a 1964, como o encontro da UNE em Florianópolis em 1963 […]. A delação nominal pelo reitor das lideranças estudantis Francisco Mastella, presidente da FEUSC (atual DCE), Rogério Duarte de Queiroz, presidente da UCE, e Eduardo Luiz Mussi, presidente do CAXIF, à Comissão de Inquérito foi repetida posteriormente, pelo Ofício n. 875/6412, de 20 de maio de 1964 […]”.
O relatório cita e apresenta documentos a respeito das denúncias do ex-reitor e atitudes persecutórias em relação aos professores José do Patrocínio Gallotti, Henrique Stodieck, então diretor da Faculdade de Direito, e Armen Mamigonian, além de relatar casos de professores que tiveram sua contratação suspensa ou indeferida no curso da colaboração com o regime militar.
Carta de 1968 delata liderança estudantil do “movimento subversivo”
Com relação aos estudantes da UFSC, a Comissão de Encaminhamentos apontou exemplos de ações “que visaram tutelar, tolher, controlar, reprimir e delatar estudantes contrários ao Regime Militar aos órgãos de segurança do regime, e outros instrumentos como a cassação de mandatos, a censura prévia, a intervenção em eleições estudantis e a omissão em casos de prisões”. Estão relacionados os casos do pedido de cassação da diretoria da Federação de Estudantes da Universidade de Santa Catarina (FEUSC – hoje DCE) em 1964 e determinação de censura prévia dos trotes dos calouros, para evitar críticas ao regime.
Denúncias de lideranças estudantis ao Serviço Nacional de Informações (SNI) eram realizadas com frequência pela administração universitária de então. O parecer da comissão apresenta um caso em que houve ação direta do ex-reitor Ferreira Lima: “Em carta de 14 de junho de 1968, endereçada ao General Álvaro Veiga Lima, Chefe do SNI-SC, e assinada pelo reitor João David Ferreira Lima, os estudantes Heitor Bittencourt Filho e Norberto Ferreira foram denunciados como lideranças do movimento subversivo. O primeiro citado era o presidente do DCE, que estava liderando a greve em curso para a moradia estudantil”.

Estátua já foi alvo de atos de vandalismo outras vezes e agora traz inscrição “X9” logo abaixo da placa que homenageia o ex-reitor. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC
Também são apontados casos de interferência na organização do movimento estudantil, como a intervenção nas eleições do Centro Acadêmico 11 de Fevereiro, do curso de Direito (CAXIF). “Em outubro de 1965, a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de Santa Catarina, por determinação do coronel Danilo Klaes, titular da Secretaria da Segurança Pública, e contando com a expressa anuência do reitor Ferreira Lima, intervém nas eleições da Diretoria do CAXIF”. A intervenção foi realizada por meio da apreensão das urnas.
Anos depois, em 1969, nova intervenção da Reitoria no movimento estudantil, desta vez na eleição para a diretoria do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Com base em um decreto-lei do governo militar que previa punições como demissão de professores e expulsão de estudantes, uma portaria do reitor Ferreira Lima publicada na véspera do pleito eleitoral considerou inelegíveis os estudantes Sérgio Luiz de Castro Bonson, Marcos Cardoso Filho, Gerônimo Wanderley Machado e Celso Wiggers, todos integrantes de uma das chapas concorrentes.
O conteúdo do parecer da Comissão de Encaminhamentos foi inserido no processo de impugnação, mas nenhum dos dois processos foi pautado no Conselho Universitário. Em 18 junho de 2024, os processos de impugnação e aquele originado no trabalho da Comissão de Encaminhamento foram juntados em um único processo, que foi encaminhado para elaboração de um novo parecer.
CMV gravou mais de 40 horas de depoimentos e reuniu 2.500 imagens
A Comissão Memória e Verdade da UFSC foi instituída em 2014 por Resolução Normativa do Conselho Universitário (CUn) e durante quatro anos dedicou-se à pesquisa de fatos relativos a violações de direitos humanos durante o período da ditadura civil-militar iniciada em abril de 1964. Foi um trabalho que se debruçou sobre documentos e também reuniu dezenas de depoimentos de pessoas que viveram naquele período e estiveram envolvidas nos fatos relatados.
Esse levantamento foi realizado a partir de documentos encontrados nos arquivos públicos da Universidade e do Estado. Também foram pesquisados os mais de 1.500 arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI) e de órgãos militares de repressão, relacionados à UFSC e a Santa Catarina, alguns dos quais considerados secretos ou reservados à época. Eles foram encaminhados à CMV-UFSC pelo Arquivo Nacional, a pedido da comissão. E a partir deste levantamento foram realizadas também entrevistas, que compuseram o relatório final.
Em decorrência das atividades, a CMV reuniu aproximadamente 1 terabyte (TB) de dados, contendo mais de 50 vídeos e áudios – são mais de 40 horas de gravação de depoimentos – e aproximadamente 2.500 imagens e documentos digitalizados. Todo este material está atualmente sob guarda do Acervo sobre Direitos Humanos, projeto criado em 2017 e que reúne também o acervo existente no Memorial de Direitos Humanos (MDH).
Em seu relatório final, apresentado ao Conselho Universitário, a CMV fez uma síntese das informações reunidas na pesquisa, que teve foco em fatos ocorridos na UFSC ou nos quais a universidade esteve envolvida, inclusive prejuízos sofridos por servidores docentes e técnico-administrativos em razão de perseguições e denunciações. Após intenso debate, o relatório final foi aprovado por unanimidade pelo CUn.
Luís Carlos Ferrari | Jornalista da Agecom
[email protected] / Agecom-UFSC