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Desde o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a ocupar um novo papel na engrenagem de poder em Brasília: de árbitro constitucional a instrumento estratégico de governo. Em pouco mais de dois anos, o Planalto já acionou a Corte 19 vezes por meio de ações diretas, ultrapassando o total de processos ajuizados por todos os presidentes desde 2003.
Os números são reveladores. Jair Bolsonaro, em quatro anos, recorreu ao STF 17 vezes. Dilma Rousseff, apenas nove. Michel Temer, cinco. Lula, agora, judicializa com mais frequência do que articula, recorrendo à Corte para destravar pautas que enfrentam resistência no Congresso Nacional ou nos governos estaduais.
A movimentação é capitaneada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que tem liderado ofensivas contra normas estaduais sobre armas de fogo, desoneração da folha de pagamento e regras locais que contrariam diretrizes do governo federal. Na prática, o STF virou o canal preferencial do Planalto para contornar derrotas políticas — e o centro de uma estratégia inédita no presidencialismo brasileiro.
“É uma forma de compensar o enfraquecimento da capacidade de negociação com o Parlamento”, explica o jurista Luiz Esteves, professor do Insper.
“Pode existir aí um movimento de buscar o STF como um órgão que pode ajudar, em alguma medida, a governar”, complementa o cientista político Lucio Rennó, da Universidade de Brasília.
A interpretação não é gratuita. Com um Congresso fragmentado e dominado pelo chamado “Centrão”, Lula tem encontrado dificuldades para avançar com sua agenda legislativa — mesmo em áreas onde o discurso social tem apelo. Sem base fiel e com governadores resistentes a certas diretrizes federais, o Supremo passou a ser o atalho institucional preferido.
Entre os casos recentes está a ação que questiona a lei do Paraná que classificava colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) como profissionais de risco, facilitando o porte de armas. Também foi alvo do governo a prorrogação da desoneração da folha de pagamento, aprovada pelo Congresso sem cálculo do impacto fiscal.
Nos bastidores, ministros do STF têm assumido esse novo protagonismo com naturalidade — embora a prática aproxime perigosamente o Judiciário do papel de coparticipante do Executivo, minando o princípio da separação de Poderes.
Para críticos, a prática levanta sérias dúvidas sobre o equilíbrio institucional. “Quando o Executivo desiste de negociar e passa a governar por meio de decisões judiciais, quem perde é a democracia representativa”, diz um jurista que prefere anonimato por receio de retaliação.
No fundo, a judicialização acelerada revela um impasse: um governo que não consegue fazer política no Congresso e um Judiciário cada vez mais disposto a legislar por ele. Se é uma solução prática ou um sintoma de disfunção democrática, ainda está em disputa. Mas uma coisa é certa: nunca antes na história deste país o Supremo foi tão acionado para governar indiretamente.

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Fonte : Hora Brasilia