
Felino, ameaçado de extinção no estado, atravessou estrutura construída para conectar habitats e reduzir atropelamentos de fauna silvestre. Primeiro registro de onça-parda em passagem de fauna na BR-101, no RJ
Imagens registraram pela primeira vez uma onça-parda (Puma concolor) utilizando o viaduto vegetado construído sobre a BR-101, em trecho administrado pela concessionária Arteris Fluminense, no Rio de Janeiro. A estrutura, concluída em 2020 como parte de medidas mitigadoras da duplicação da rodovia, é o primeiro viaduto vegetado do Brasil em uma rodovia federal.
A estrutura está situada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João, no município de Silva Jardim (RJ). O viaduto estabelece a ligação entre duas áreas protegidas: de um lado, a Reserva Biológica de Poço das Antas; do outro, o Parque Ecológico Mico-Leão-Dourado, uma reserva particular administrada pela Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD).
O objetivo da passagem é garantir o fluxo seguro da fauna entre fragmentos da Mata Atlântica, especialmente para espécies ameaçadas e evitar o isolamento da Reserva Biológica de Poço das Antas, a primeira Rebio do país, criada em 1974.
Rio São João é o maior rio fluminense e faz fronteira com Poço das Antas
Divulgação/Mehgan Murphy
As passagens de fauna são essenciais para conectar habitats fragmentados, reduzir o risco de atropelamentos e permitir o fluxo genético das espécies, promovendo um equilíbrio ecológico fundamental em áreas altamente impactadas pelo avanço das rodovias.
As imagens da onça-parda foram registradas por um sistema de monitoramento composto por câmeras com sensores de movimento, instaladas nas entradas e saídas da passagem. O monitoramento contínuo permite avaliar a efetividade das diversas estruturas implantadas e orientar novas ações de conservação.
A Associação Mico-Leão-Dourado foi responsável pelo plantio florestal com espécies nativas no viaduto, que hoje já apresenta uma cobertura vegetal significativa, favorecendo a circulação de animais arborícolas e terrestres.
Desde a sua implantação, muitos animais já foram registrados utilizando a travessia, como cachorro-do-mato, cotia, tatu, tamanduás e lontras. No conjunto das 37 passagens de fauna da Arteris Fluminense, já foram registrados mais de 40 espécies diferentes em travessias, com destaque especial para os registros de micos-leões-dourados, espécie ameaçada de extinção.
Onça foi flagrada pela primeira vez atravessando o viaduto vegetado
Arteris Fluminense/Reprodução
Agora, com o registro da onça-parda, reforça-se a importância ecológica da estrutura. A espécie está classificada como vulnerável no Estado do Rio de Janeiro, conforme a Resolução SMAC nº 073/2022.
“Esse registro representa um marco importante dentro do conjunto de ações voltadas à mitigação de atropelamentos de fauna silvestre nas rodovias. A presença da onça-parda, espécie vulnerável e de baixa densidade populacional na região, reforça a importância das estruturas implantadas para garantir travessias seguras e promover a conectividade entre fragmentos florestais”, diz o coordenador de Meio Ambiente da Arteris Fluminense, Marcello Guerreiro.
A presença da onça-parda é um sinal importante da funcionalidade ecológica da região, demonstrando que há condições mínimas para a movimentação e permanência de espécies de topo de cadeia. Para Marcello, o registro do felino é um indicativo positivo de que as medidas de mitigação estão contribuindo para a segurança da fauna e a conectividade entre habitats.
O uso das passagens por uma espécie considerada vulnerável no estado evidencia a importância das estratégias adotadas para evitar o isolamento genético e garantir a viabilidade populacional a longo prazo. No entanto, a manutenção desse cenário depende de ações contínuas de conservação, como o monitoramento e o cuidado com os corredores ecológicos.
Onça-parda é classificada como Vulnerável no estado do RJ
Igor Ferreira/Arquivo pessoal
Desde o início do monitoramento, mais de 12 mil cruzamentos de fauna já foram contabilizados, com uma redução de 77% na mortalidade de animais atropelados na rodovia ao longo dos últimos 10 anos. Esses resultados fazem parte do Programa de Monitoramento e Mitigação do Atropelamento de Fauna (PMAF), desenvolvido no trecho RJ/Norte da BR-101. O programa integra o processo de licenciamento ambiental junto ao IBAMA e é realizado em parceria com o ICMBio e a AMLD.
“Esses dados indicam uma adaptação crescente da fauna às estruturas implantadas e já resultaram em uma redução de mais de 77% nos atropelamentos de animais silvestres no trecho da Área de Proteção Ambiental do Rio São João, que está inserida em três unidades de conservação federal, é habitat de animais endêmicos, como o mico leão dourado, e abrange os municípios de Rio Bonito, Silva Jardim e Casimiro de Abreu”, explica Marcello.
A implantação de estruturas de travessia de fauna em rodovias federais envolve desafios técnicos e logísticos, especialmente em áreas de alta sensibilidade ambiental. No caso do viaduto vegetado, o planejamento de sua localização foi com base nos planos de manejo das Unidades de Conservação, com apoio técnico do ICMBio.
“Também foram considerados fatores como o tipo de vegetação, movimentação da fauna e integração com cercas de condução. A Arteris investiu em um conjunto de medidas para garantir a funcionalidade dessas estruturas, reforçando seu compromisso com a sustentabilidade e com o cumprimento da legislação ambiental em toda a malha rodoviária que administra”, finaliza Marcello.
A obra é resultado de anos de trabalho, pesquisa e mobilização, envolvendo diversos atores. Para todos esses agentes, a travessia da onça-parda simboliza mais do que um registro inédito, representa a confirmação de que a conectividade ecológica está sendo restabelecida e que ações bem planejadas de infraestrutura podem caminhar lado a lado com a conservação da biodiversidade.
*Texto sob supervisão de Lizzy Arruda
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