‘Perdi meu parceiro’, esposa de homem que morreu esperando em hospital de SC clama por justiça

'Perdi meu parceiro', esposa de homem que morreu esperando em hospital de SC clama por justiçaSalete e João Maria estavam juntos há 3 anos. Ele morreu esperando resultados de exames no HRO, na última sexta-feira (11) – Foto: Arquivo Pessoal/ND

“Ele era um homem bom. Um parceiro para todas as horas. Não passávamos um dia longe um do outro. Até para dormir ficávamos de mãos dadas. Não me conformo que ele morreu sozinho gritando por socorro”. O relato emocionado é de Salete Lurdes de Oliveira Kroth, de 61 anos, esposa de João Maria Teixeira Machado, de 54 anos, que morreu esperando pelo resultado de exames no HRO (Hospital Regional do Oeste), em Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, na última sexta-feira (11).

Cinco dias após João Maria morrer esperando o resultado de exames, Salete conseguiu falar, ainda emocionada e pedindo por justiça. O casal estava junto há três anos e morava em Sul Brasil, município distante cerca de 73 quilômetros de Chapecó.

Eles se conheceram pela internet e foi amor à primeira conversa. Na época, João Maria morava em Blumenau, no Alto Vale do Itajaí, mas nem mesmo os 524 quilômetros de distância foi capaz de impedir o amor dos dois.

“Nós ficamos namorando dois meses assim [à distância] e depois ele veio para Sul Brasil morar comigo. Desde então, não nos desgrudávamos. Até para trabalhar íamos juntos”, lembra.

João Maria era pedreiro, mas, segundo Salete, não recusava trabalho. “Ele fazia de tudo. Era um homem trabalhador e me ajudava até mesmo nos afazeres de casa”, conta.

Natural de Clevelândia, no Paraná, João Maria era pai de sete filhos. Ficou viúvo do primeiro casamento e se dedicou a cuidar da mãe, em Blumenau, onde morou antes de conhecer Salete.

João Maria, de 54 anos, morreu esperando resultado de exames no HRO. – Foto: Arquivo Pessoal/ND

“Ele era muito querido pela minha família. Minhas filhas gostavam dele. O meu neto fica procurando ele pela casa e chamando o ‘vô’”, diz.

Salete conta que o relacionamento deles era exemplo até mesmo na cidade. “As pessoas percebiam o quanto a gente se dava bem e diziam que parecíamos até um casal de jovens. Saíamos de mãos dadas na rua, íamos a bailes de idosos, nos beijávamos na frente das pessoas e nunca tivemos vergonha um do outro”.

O desejo de Salete é por justiça após a morte de João Maria, esperando por resultados de exames no HRO. Ela chegou a acompanhar o marido de ambulância do hospital de Modelo até o HRO, na última sexta-feira, mas foi impedida de permanecer com ele no hospital.

“Eles não me deixaram entrar e eu voltei para casa. Quando cheguei lá, minha filha mandou uma mensagem para ele [João Maria], mas ele disse que ainda não tinha sido atendido”.

Salete diz que recebeu áudios do companheiro gemendo e relatando muita dor enquanto estava esperando resultados de exames e ainda aguardava por respostas de qual conduta médica seria adotada.

Depois disso, por volta das 22h30, Salete recebeu uma ligação do hospital pedindo para que ela comparecesse à unidade.

Salete clama por justiça pela morte do companheiro que morreu esperando pelos exames em Chapecó. – Foto: Arquivo Pessoal/ND

“Me falaram que tinham que falar comigo pessoalmente. Achei que seria para assinar alguma autorização para cirurgia, mas quando cheguei me disseram que ele havia sofrido uma parada cardíaca e perfurou as ‘tripa’ [intestino] e me levaram ver ele no necrotério. É muito triste ver a pessoa daquele jeito”, disse chorando.

A companheira relata que João Maria reclamava de dores há quase uma semana e no último fim de semana esteve no HRO onde foi atendido e realizou exames.

“Eles falaram que não tinha dado nada no exame, deram laxante e encaminhamento para fazer uma colonoscopia, que ele faria na próxima semana, mas não deu tempo”.


Salete mostrou o último áudio que recebeu do companheiro que morreu esperando o resultado de exames. – Vídeo: Alexandre Madoglio/ND

Ela afirma que o médico que atendeu João Maria em Modelo pediu um raio-x e encaminhou o companheiro com urgência ao HRO para que fizesse uma cirurgia.

“Ele disse que tinha ocorrido um rompimento no intestino e era caso urgente de cirurgia. Não sei porque não levaram ele diretamente para a cirurgia em Chapecó. Se tivessem feito o procedimento teria salvo ele ou, pelo menos, tentado”.

João Maria tinha 54 anos e morava em Sul Brasil; ele morreu esperando o resultado de exames no HRO. – Foto: Alexandre Madoglio/ND

‘Morreu esperando resultados de exames e gritando por socorro’

Questionada, ela disse que acredita que a demora no atendimento pode ter agravado o quadro do companheiro e o levado à morte.

“A demora agravou a situação. Eu não me conformo que não pude ficar lá e ele morreu esperando e gritando por socorro”, lamenta. Salete diz que foi procurada por uma advogada de Chapecó e orientada por familiares a procurar seus direitos.

“Eu não quero dinheiro [de indenização], mas quero justiça. Ainda não sei como funcionam essas coisas, mas o que eu puder fazer para honrar a memória dele eu farei. É revoltante o que aconteceu”.

O atestado de óbito de João Maria descreve a causa da morte como sepse grave com choque séptico. “A gente vivia feliz e agora se foi minha felicidade”.

Secretaria de Estado da Saúde diz que morte de paciente está sendo apurada

O secretário de Saúde do Estado, Diogo Demarchi, disse em entrevista à NDTV RECORD que fez contato com o hospital para apurar a situação.

“Constatamos que o paciente foi atendido, fez exames e aguardava o resultado quando teve a parada cardiorrespiratória. Como em qualquer hospital existe a comissão de investigação de óbitos e solicitamos apuração para além da rotina para que a associação possa acompanhar o caso de perto e verificar todas as ações realizadas”, destaca Demarchi.

Segundo o secretário, uma visita da equipe da SES já estava agendada para o dia 23 de abril para verificar questões relacionadas ao protocolo de atendimento e fluxos para verificar se as rotinas estão corretas.

“No caso específico desse paciente, estão sendo devidamente apuradas todas as condutas, porque ele foi atendimento e sofreu a parada aguardando o resultado da tomografia, mas também vamos verificar o fluxo de atendimento no geral”, reforça ao destacar que o HRO está passando por uma obra na urgência e emergência para melhorar o atendimento.

O que diz o hospital?

Em nota, a ALVF (Associação Lenoir Vargas Ferreira), gestora do HRO, disse que acompanhou com atenção e respeito os desdobramentos do caso, ocorrido no pronto-socorro.

Conforme a Associação, o paciente deu entrada no Pronto-Socorro do HRO às 14h54, com queixas de dores abdominais. Após o atendimento inicial, foi atendido pela equipe de enfermagem às 15h27, quando recebeu a classificação de risco amarela, conforme o Protocolo Catarinense de Acolhimento com Classificação de Risco — o que significa que o paciente necessita de atendimento urgente, porém não imediato, com tempo de espera.

O homem teria morrido esperando atendimento no HRO. – Foto: Alexandre Madoglio/ND

O atendimento médico foi iniciado às 16h59, quando, segundo o hospital, o paciente teria sido avaliado, estava orientado e relatava dor abdominal.

“Foram prescritos medicamentos para alívio da dor, além da solicitação de exames laboratoriais e de imagem. Após a coleta de exames e realização de tomografia, o paciente permaneceu em observação nas dependências do Pronto-Socorro, aguardando os resultados”, disse a nota.

Conforme a nota, às 20h52, o paciente teria sido reavaliado por uma nova equipe médica. “Ele seguia orientado, comunicativo e relatava melhora da dor, restando pendente apenas a emissão do laudo da tomografia”.

Porém, de acordo com o hospital, às 22h, no entanto, o paciente sofreu uma parada cardiorrespiratória. “A equipe de enfermagem acionou imediatamente os médicos, que realizaram manobras de reanimação por mais de 30 minutos, infelizmente sem sucesso e o óbito foi constatado”.

O hospital alegou que, apesar de todos os esforços das equipes médica e de enfermagem, não foi possível reverter o quadro, e lamentou profundamente o desfecho.

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