Apple expõe a contradição do tarifaço de Trump

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Após mais um fim de semana de anúncios e recuos da política tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, as gigantes da indústria tech americana voltaram à planilha de custos nesta segunda-feira, 14 de abril, para tentar se programar visando uma adaptação aos novos padrões globais de comércio e investimento que a elas estão sendo impostos pelo tarifaço de Trump.

Para as gigantes de tecnologia, esses novos padrões podem ser resumidos em uma exigência de Trump, considerada financeiramente inviável e logisticamente disfuncional: a mudança da cadeia de suprimentos da Ásia para os EUA.

A Apple é o melhor exemplo de como essa pressão sobre a indústria tech americana para trazer de volta aos EUA sua base de produção instalada na Ásia não faz sentido nos dias de hoje.

Uma das pioneiras na globalização, ao decidir transferir a maior parte de sua produção para a China em 2005, a Apple multiplicou seus ganhos com esse passo, que acabou sendo seguido por multinacionais de vários setores e países.

Para se ter uma ideia, as margens brutas anuais da Apple giravam em torno de 20% no início dos anos 2000, quando era predominantemente uma empresa de computadores que fabricava produtos na Califórnia e na Irlanda.

No fim daquela década, já instalada e operando na China – e embalada com o lançamento do iPhone, em 2007 -, essas margens dobraram para 40%.

O segredo da Apple não foi apenas reduzir o custo de produção empregando mão de obra mais barata. Nesses 20 anos, a gigante tech criou uma grande e complexa cadeia de suprimentos na China, que forma um ecossistema com mais de 1.000 fornecedores apenas no país asiático. Atualmente, a Apple fabrica mais de 80% de seus produtos na China.

Essa cadeia ganhou escala e eficiência ao longo dos anos permitindo à Apple reduzir os custos de produção em todas as etapas – o que explica o fato de a fabricante do iPhone obter 80% de participação nos lucros de toda a produção global de smartphones, apesar de sua remessa de dispositivos ficar abaixo de 20%, de acordo com a Counterpoint Research.

A fórmula deu tão certo que a Apple passou a transferir parte da fabricação de iPhones para Vietnã e Índia nos últimos anos, quando o custo de mão de obra na China passou a ficar muito elevado. No total, cerca de 1 milhão de trabalhadores fazem parte da cadeia de suprimentos de todos os produtos Apple na Ásia.

No ano passado, a Apple vendeu 233 milhões de iPhones, maior naco dos US$ 300 bilhões em vendas de produtos fabricados no exterior. Em dezembro, a capitalização de mercado da empresa atingiu o pico de quase US$ 4 trilhões.

Esse império está agora sob ameaça. Desde o anúncio do tarifaço de Trump, o “Dia da Libertação”, em 2 de abril, até a a sexta-feira, 11 de abril, as ações da Apple caíram 12%. As outras gigantes do setor de tecnologia tiveram uma perda média de apenas 2%.

A dependência da Apple da cadeia de suprimentos asiática, em especial da China – alvo de tarifas de 145% impostas por Trump -, explica essa queda no mercado de ações americano.

“Sem exceção”

Na noite da última sexta-feira, 11, o Departamento de Alfândega dos EUA anunciou uma isenção de tarifas para smartphones, laptops e outros eletrônicos importados da China. A alegria, porém, durou pouco. No fim de semana, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, avisou que a isenção duraria talvez apenas um mês ou mais.

Em uma postagem no domingo no Truth Social, Trump advertiu que “não houve nenhuma ‘exceção’ tarifária” anunciada na sexta-feira. “Ninguém vai se safar das tarifas”, escreveu, avisando que os produtos eletrônicos da lista da Alfandega fabricados na China ainda têm tarifas de 20%, referentes à penalização imposta anterior ao “Dia da Libertação”, referente ao tráfico de fentanil.

O recuo de Trump, embora temporário, ajudou as ações da Apple a subirem mais de 4% na manhã desta segunda-feira. A questão central – a necessidade de a empresa reorganizar toda sua cadeia de produção -, porém, permanece em suspenso.

Embora a Apple esteja estudando como transferir parte da produção do iPhone para os EUA, de acordo com uma fonte da empresa citada pelo jornal The Wall Street Journal, isso provavelmente levará anos, além de representar um retrocesso de duas décadas.

Dois fatores reforçam essa certeza. O primeiro é a constatação de que o custo de mão de obra nos EUA é cinco vezes maior que o da Ásia.

Além disso, o setor de manufatura nos EUA se tornou muito avançado e altamente automatizado. De janeiro de 2020 a fevereiro de 2025, o PIB real do setor aumentou quase 11%, de US$ 2,8 trilhões para US$ 3,1 trilhões, segundo dados do Bureau of Economic Analysis.

Apesar dessa avanço, o emprego no setor não está mudando. Em janeiro de 2020, havia 12,75 milhões de trabalhadores na indústria. Em fevereiro de 2025, esse número era de 12,76 milhões, quase sem alteração, segundo dados do Departamento do Trabalho.

O crescimento na manufatura tem sido em setores que usam tecnologia avançada para fabricar produtos que exigem mão de obra altamente qualificada, em segmentos como automobilístico, de energia limpa e de Defesa.

O trabalho intensivo em mão de obra nas fábricas, que Trump almeja retornar aos EUA, ainda é muito mais lucrativo se for feito no exterior.

Dan Ives, analista da Wedbush – empresa de serviços financeiros com sede em Los Angeles – estima que a Apple precisaria gastar US$ 30 bilhões em três anos para mover 10% de sua cadeia de suprimentos para os EUA.

Ou seja, a ideia de simplesmente reverter a fortíssima cadeia de suprimentos que a China levou 40 anos para desenvolver não é racionalmente viável.

Apesar dos salários de fabricação na China serem mais que o dobro daqueles no Vietnã, Índia e outros locais alternativos, as cadeias de suprimentos de laptops, tablets e smartphones permanecem concentradas na China.

Por mais de 15 anos, as exportações chinesas de produtos eletrônicos de consumo acabados superaram todos os outros países combinados, com apenas uma ligeira queda nos últimos anos. Em 2023, a China representou mais de 65% das exportações de laptops e tablets.

A China também lidera a produção e exportação global de componentes eletrônicos. Em 2023, a China foi responsável por quase um quinto das exportações globais de insumos intermediários, como vidro de segurança temperado (usado na produção de smartphones e laptops) e transistores.

O país asiático também é um ator-chave na fabricação e exportação de componentes eletrônicos, como chips de memória, placas de circuito impresso (PCBs) e unidades de armazenamento.

“A realidade é que as principais empresas de tecnologia dos EUA continuam fortemente dependentes do ecossistema de manufatura altamente eficiente e profundamente integrado da China”, afirmou Francisco Jeronimo, analista de hardware da IDC, em um relatório no fim de semana.

“Para produtos de alto volume, como smartphones, tablets ou PCs, qualquer tentativa de diversificação rápida seria custosa e logisticamente inviável”, acrescentou.

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Neofeed

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