
O projeto que institui em Balneário Camboriú o Dia Municipal da Democracia, em memória do ex-Prefeito Higino João Pio, a ser celebrado anualmente no dia 3 de março, recebeu nesta terça-feira 10 assinaturas, mas nenhuma de vereadores da oposição, dentre os quais os seis representantes do PL, partido associado a golpismo e ditadura devido ao comportamento do seu líder, Jair Bolsonaro.
O bolsonarismo -e aparentemente seus vereadors locais também- considera heróis, assassinos como os que mataram durante a ditadura militar o ex-prefeito de Balneário Camboriú Higino João Pio.
Veja o quadro de signatários e, mais abaixo, o projeto e sua justificativa:
Projeto de Lei Ordinária N.º 86/2025
Institui o Dia Municipal da Democracia, em memória do ex-Prefeito Higino João Pio.
Art. 1º Fica instituído o Dia Municipal da Democracia, em memória do ex-Prefeito Higino João Pio, a ser celebrado anualmente no dia 03 (três) de março.
Parágrafo único. A data faz homenagem a Higino João Pio, o primeiro prefeito democraticamente eleito no Município de Balneário Camboriú, morto pelo Estado brasileiro no contexto do regime ditatorial instaurado em 1964.
Art. 2º O Dia Municipal da Democracia terá como objetivo a defesa da manutenção do regime democrático e o fomento da difusão e ensino dos valores democráticos.
Art. 3º O Dia Municipal da Democracia passa a integrar o calendário oficial do Município de Balneário Camboriú.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A Democracia é definida na Grécia Antiga como o Poder do Povo (Démokratía, que significa povo (demos) e poder (kratía). Tal essência é o princípio fundamental da República Federativa do Brasil que através do artigo 1º de sua Constituição estabelece que “todo poder emana do povo”.
Contudo, é preciso entender que este poder não representa uma unanimidade de pensamentos homogêneos, pois a sociedade é plural e naturalmente será dividida por suas opiniões, porém o princípio da democracia é justamente a sua forma de organização, para que prevaleça a decisão tomada pela maioria das pessoas, respeitando a opinião dos demais.
Na história do Brasil tivemos diversos momentos que foram intercalados entre regimes democráticos e ditatoriais, desde que o país se tornou uma República. No período mais recente, nossa democracia foi consagrada a partir da Constituição Federal de 1988, após um período de regime militar, instituído em 1964.
Justamente neste período que Balneário Camboriú foi vítima dos arroubos autoritários de um regime não democrático, quando teve o seu prefeito eleito encarcerado, sob pretextos falsos, para interrogatórios, dos quais jamais saiu vivo, sendo encontrado morto em sua cela no dia 03 de março de 1969.
A morte tida na época como suicídio, foi desmentida após um longo trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída pela Lei Federal nº 12.528/2011, que através de análise documental e técnica pericial, reconheceu que a morte se deu de forma violenta e que a cena de seu suposto suicídio teria sido forjada. Conforme se extrai de trecho do Relatório Final da CNV:
Em fevereiro de 1969, Higino foi levado pela Polícia Federal (PF) à Escola de Aprendizes de Marinheiros de Florianópolis para esclarecer denúncias de irregularidades administrativas e enriquecimento ilícito. No dia 3 de março foi divulgado seu suicídio. Essa morte por razões políticas era praticamente desconhecida até 1997, quando a família levou o caso à CEMDP. Durante o processo, ficou claro que sua detenção e morte decorreram de perseguição pela amizade que tinha com o ex-presidente João Goulart, deposto em 1964.
Na investigação da CEMDP, confirmou-se que “adversários políticos” o haviam denunciado à PF e à Procuradoria-Geral. O caso foi até o SNI e a Comissão Geral de Investigação, que inclusive tentou, posteriormente, suspender seu inventário. Como informa o livro-relatório da CEMDP Direito à memória e à verdade, porém, “a tentativa foi infrutífera, pois Higino, segundo todos os depoimentos, era cidadão honesto, um político sem mácula, cujo patrimônio diminuíra (sic) durante a gestão”.
(…)
Nos casos considerados como suicídios, conforme a versão oficial, a análise pericial da CNV também comprovou inconsistências e fragilidades nas circunstâncias de morte de várias vítimas, registradas em laudos oficiais.
São situações diversas, nas quais a CNV identificou exames médico-legais e outros documentos relevantes que atestavam óbitos em decorrência de suicídios por enforcamentos, arma de fogo, atropelamentos e projeções (de prédios, pontes e viadutos), entre outros, que na verdade se revelaram casos de execução.
São exemplos as mortes de João Lucas Alves (1968), Higino João Pio (1969), Severino Viana Colou (1969), Henrique Cintra Ferreira de Ornellas (1973), Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho (1976), registradas como enforcamento; e a de Luiz Eurico Tejera Lisbôa (1972), como autoeliminação com disparo de arma de fogo. Nesses pronunciamentos periciais da CNV, foram apresentadas explicações das reais circunstâncias de morte dessas pessoas, que nem sempre eram militantes de oposição ao regime, como Ornellas e Pio.
O caso de Higino Pio é simbólico pois demonstra os abusos dos regimes anti-democráticos, que através do poder concentrado realizam atrocidades aquém do que a lei prevê, levando a morte um cidadão que jamais cometeu um ilícito em sua carreira política, apenas por uma suspeita de relação com o ex-presidente João Goulart, que se tratava muito mais de uma relação cordial do que por afinidade política.
Neste sentido, além de homenagear a figura política e pessoal de Higino Pio, a escolha pelo dia de sua morte como o Dia da Democracia é como símbolo de que precisamos estar alertas para defesa do regime democrático, pois fora dele pessoas inocentes são vítimas de atos autoritários e violentos.
Portanto, apresentamos o presente Projeto de Lei como forma de defesa da democracia como forma de organização do Estado, bem como um meio para o fomento ao ensino dos valores democráticos às novas gerações, além de homenagear uma personalidade do município que foi vítima de um regime ditatorial.
Formalmente o projeto foi objeto de consulta pública formalizada através de abaixo assinado, conforme anexo, bem como apresentada em Sessão Solene na Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú, realizada no dia 31 de março de 2025.
Eduardo Zanatta (PT)
Aldemar Bola Pereira (PSD)
Alessandro Teco (DC)
Ciça Müller (PDT)
Elizeu Pereira (MDB)
Elton Garcia (PSD)
Jade Martins (MDB)
Marcos Augusto Kurtz (PODEMOS)
Ricardinho da Saúde (PRD)
Samir Dawud (Cidadania)