Uma voz que falta ao debate da política fiscal

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Ao morrer, em 11 de abril de 2022, vítima de um câncer no cérebro, aos 56 anos, o paulistano Eduardo Guardia deixou uma herança importante para o pensamento econômico brasileiro na área de política fiscal, construído ao longo de aproximadamente três décadas de carreira tanto no setor público quanto no privado.

Formado em economia pela PUC-SP, com mestrado na Unicamp e doutorado na USP, além de professor, ele foi secretário do Tesouro Nacional de maio a dezembro de 2002, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, quando se tornou responsável pela gestão das finanças públicas nacionais. Em seguida, ocupou o cargo de diretor executivo de produtos da BM&F Bovespa, de 2010 a 2016.

Na pasta da Fazenda do estado de São Paulo, no governo de Geraldo Alckmin, liderou a política fiscal estadual. Voltou a Brasília em 2016, como secretário-executivo do Ministério da Fazenda no mandato de Michel Temer, promovido em seguida a ministro da Fazenda. Lá, Guardia buscou a recuperação da economia após a crise de 2014 e a gestão do teto de gastos públicos. Ao sair, virou CEO da BTG Pactual Asset Management, a partir de fevereiro de 2019.

O economista deixou um legado de modernidade e tecnicidade capaz de impressionar tanto seus colegas que rendeu o livro Estado, economia, desafios fiscais e reformas estruturais no Brasil — Textos em homenagem a Eduardo Guardia, da Editora Intrínseca.

Escrito por alguns dos mais influentes economistas e pensadores da economia do país, o volume tem organização de Ana Carla Abrão (CEO da governança do Open Finance), Ana Paula Vescovi (economista-chefe do banco Santander Brasil) e Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central).

A ser lançado em 9 de abril, com sessão de autógrafos dos organizadores, na Livraria Travessa do Shopping Iguatemi, em São Paulo, a obra traz 22 artigos inéditos de 32 autores.

Entre os colaboradores estão Edmar Bacha, Carlos Ari Sundfeld, Gustavo Franco, Mario Engler Pinto Junior, Daniel Sonder, João Manoel Pinho de Mello, Marcello Estevão, Mariana lootty, Marcos Lisboa, Murilo Portugal Filho, Arminio Fraga, Paulo Hartung e Pérsio Arida.

Em 528 páginas, eles destacam aspectos pessoais e profissionais da trajetória do ex-ministro como gestor público e privado e professor. Claro que os textos vão além das qualidades e do pensamento de Guardia, porque não é possível falar de alguém que esteve em cargos importantes sem trazer um panorama das transformações nas políticas públicas e econômicas durante as duas últimas décadas.

Os artigos foram divididos em três blocos: Estado e economia, Desafios fiscais e Reformas estruturais. São explorados temas como “O fisco e a inflação, 30 anos depois” (Edmar Bacha), “A Lei de Segurança Jurídica de 2018 no caminho de uma nova estabilidade institucional (Ari Sundfeld) e “Produtividade e crescimento da economia brasileira: questões microeconômicas” (Marcello Estevão e Mariana lootty).

Alguns trazem perfis do homenageado, em uma combinação de ideias e trajetória. Gustavo Franco, por exemplo, apresenta “Uma nota sobre a contribuição de Eduardo Guardia”.

Arminio Fraga escreve sobre “Guardia e a difícil reconstrução da responsabilidade fiscal”. A dupla Teresa Ter-Minassian e Luiz de Mello faz uma “Retrospectiva das políticas fiscais da administração Temer”. E Persio Arida lhe dedica o ensaio “Ainda sobre uma contribuição de Eduardo Guardia”.

Pedro Malan é um dos organizadores do livro (Foto: Solange Macedo)

Bem jovem ainda, desde a época da implementação do Plano Real, no fim do anos 1990, Guardia fez parte da equipe do Ministério do Planejamento na negociação das dívidas de estados e municípios. Para organizadores, o economista foi fundamental na formulação de políticas econômicas em prol da responsabilidade fiscal, um tema que segue na ordem do dia no debate público.

Em várias passagens, é destacado seu papel na recuperação da Eletrobras, como liderança nas articulações para a implementação da Lei das Estatais e seu desempenho como secretário-executivo e, posteriormente, ministro da Fazenda de Temer. Não ficam de fora as características da personalidade do economista, destacado por seu estilo cordial e discreto.

Tanto que é lembrado por amigos e colegas nesse sentido. Ana Paula Vescovi escreve na apresentação: ”sobre Edu — era assim que a maioria de nós se referia a ele fora dos ambientes mais formais —, equilíbrio, gentileza, honestidade, sinceridade, empatia, confiança, respeito e bom humor, por vezes ácido, mas sempre inteligente, são elogios que facilmente se ouvirão!”.

O ex-presidente da Petrobras Ivan Monteiro observa que, como ministro, Guardia trabalhou incessantemente para construir um país mais justo. Ao mesmo tempo, inovou na discussão sobre equilíbrio fiscal. “A pessoa do Edu combinou gentileza, firmeza e espírito público como raramente conheci na minha carreira”.

Para Maria Sílvia Bastos Marques, ex-presidente do BNDES no governo Temer, é reconhecida a competência técnica do economista: “Queria falar de Edu, um raro ser humano, sem ego e sem arrogância, que falava baixo e prezava a negociação ao confronto, o que o fazia imprescindível e eficaz. Foi um parceiro inestimável no governo Temer, em nossos diversos embates, e tornou-se um amigo fraterno e querido, deixando muita saudade”.

Além de breve biografia de Guardia na última parte, o livro inclui a transcrição da entrevista concedida por ele ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em novembro de 2018.

Como observa Ana Paula, a sabatina “mostra um profissional maduro, um ministro capaz de conciliar a visão do técnico, que aprendeu na dureza das crises, a visão do executivo, que liderou transformações, e a visão do ministro de Estado, que soube conciliar a política do que é viável com o que é correto”.

Para Mirian Leitão, “Guardia era um economista sólido, preparado para pensar políticas públicas — o que era o seu forte. Nunca alterava a voz. Se a pergunta fosse difícil, ou embutisse crítica à gestão, dava a sua visão. Foi uma sorte contar com uma autoridade que respeitava opiniões divergentes, explicava e dava informações que ajudavam a formar uma opinião própria”.

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