Bolsonaro e aliados tornam-se réus

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Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro réu pelos crimes de golpe de Estado e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito. É a primeira vez que um ex-presidente eleito é colocado no banco dos réus por crimes contra a ordem democrática estabelecida com a Constituição de 1988. Esses tipos de crime estão previstos nos artigos 359-L (golpe de Estado) e 359-M (abolição do Estado Democrático de Direito) do Código Penal brasileiro.

Sete aliados de Bolsonaro também se tornaram réus na mesma ação penal e responderão pelos mesmos crimes imputados ao ex-presidente: Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Almir Garnier, Paulo Sérgio Nogueira e Mauro Cid. A Primeira Turma considerou haver indícios suficientes de que os crimes imputados existiram (materialidade) e foram praticados pelos denunciados (autoria), merecendo, assim, serem mais bem apurados.

“Não há, então, dúvidas de que a Procuradoria apontou elementos mais do que suficientes, razoáveis, de materialidade e autoria, para o recebimento da denúncia contra Jair Messias Bolsonaro”, disse o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo, referindo-se à acusação apresentada, no mês passado, pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Alexandre de Moraes votou para que Bolsonaro também responda, na condição de réu no Supremo, aos crimes de organização criminosa armada, dano qualificado pelo emprego de violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Se somadas, todas as penas superam os 30 anos de cadeia. Seguiram o relator os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma — colegiado composto por cinco dos 11 ministros do Supremo, no qual tramita o caso sobre o golpe.

Justificativas

Primeiro a proferir voto, o ministro Alexandre de Moraes disse que o 8 de janeiro “não foi um passeio no parque”. Ele destacou que não há dúvidas quanto à materialidade dos crimes investigados e exibiu imagens dos ataques às sedes dos Três Poderes.

“Ninguém estava passeando. Nenhuma Bíblia é vista. A depredação e o ataque ao patrimônio são vistos. É um absurdo pessoas dizerem que não houve agressão e, consequentemente, não houve materialidade”, pontuou o relator, acrescentando que a tentativa de golpe demonstrou “violência selvagem” e “incivilidade total”.

O ministro Flávio Dino concordou que existem indícios razoáveis contra cada um dos acusados e rebateu argumentos de que o episódio não foi tão grave, uma vez que não resultou em mortes.

“No dia 1o de abril de 64, também não morreu ninguém. Mas centenas, milhares morreram depois. Golpe de Estado mata, não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois. É falsa a ideia de que um golpe de Estado ou uma tentativa de golpe de Estado, porque não resultou em mortes naquele dia, é uma infração penal de menor potencial ofensivo ou suscetível de aplicação, até, do princípio da insignificância”, sustentou.

O ministro Luiz Fux destacou que tudo que se volta contra o Estado Democrático de Direito é repugnante e inaceitável e elogiou a atuação de Alexandre de Moraes no processo. Por outro lado, ele sinalizou que é preciso discutir as dosimetrias de pena.

“Eu confesso que, em determinadas ocasiões, deparo- -me com pena exacerbada, e foi por essa razão que eu pedi vista do caso”, disse Fux, referindo-se à condenação a 14 anos de prisão da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, acusada de pichar a frase “Perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, localizada na área externa do prédio do STF.

Alexandre de Moraes rebateu a ponderação do colega e afirmou que o ato não representa uma simples pichação. “Houve toda uma manifestação anterior de aderir a uma tentativa de golpe de Estado”, defendeu o relator.

A ministra Cármen Lúcia assinalou que a violência contra as instituições nacionais não foi ocasional. “Impossível não ter sido planejado. Alguém planejou, tentou e executou. É preciso que o Brasil saiba o que aconteceu e quem praticou o crime tem que pagar por ele”, cravou. A magistrada pontuou, ainda, que é necessário permitir que o caso seja investigado e esclarecido, para impedir outra tentativa de golpe de Estado e garantir que “essa máquina de democracia continue a reverberar”.

Por fim, Cristiano Zanin afirmou que “não adianta dizer que a pessoa não estava no dia 8 de janeiro se ela participou de uma série de atos que culminaram” na ação antidemocrática e reforçou o conjunto probatório apresentado pela PGR. “Longe de ser uma denúncia amparada exclusivamente em uma delação premiada. O que se tem aqui são diversos documentos, vídeos, materiais que dão amparo àquilo que foi apresentado pela acusação”, analisou.

Próximos passos

Agora, terá início o trâmite da ação penal. Somente ao fim de todo o processo, que inclui uma série de oitivas e diligências — que podem ser requeridas tanto pela acusação como pela defesa —, será marcado o julgamento. A expectativa é que ele ocorra ainda neste ano, para evitar que o tema influencie as Eleições 2026.

Ex-presidente faz ataques a Moraes e às urnas 

Em pronunciamento, Bolsonaro negou acusações da PGR | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Em sua primeira manifestação pública após se tornar réu, Jair Bolsonaro (PL) negou ter participado da tentativa de golpe de Estado, alegou ser alvo de acusações “graves e infundadas” e repetiu acusações ao ministro Alexandre de Moraes. “Ele bota o que quer [no processo]”, declarou.

O ex-presidente também rebateu a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), que o acusou de ter convocado comandantes das Forças Armadas para consultá-los para uma eventual ruptura democrática por uma decretação de estado de sítio. “Nem atos preparatórios houve para isso, se é que para você trabalhar com dispositivo constitucional é sinal de golpe. Golpe não tem lei, não tem norma. Golpe tem conspiração com a imprensa, o parlamento, setores do Poder Judiciário, setores da economia, fora do Brasil. Forças Armadas em primeiro lugar, sociedade, empresários, agricultores. Aí você começa a gestar um hipotético golpe, nada disso houve”, disse Bolsonaro.

O ex-presidente apresentou como argumento de defesa o fato de ter nomeado uma equipe de transição após a derrota nas urnas. “Se tivesse qualquer ideia (de golpe), não deixaria os comandantes do Lula assumir”, alegou.

No pronunciamento, Bolsonaro voltou a disparar acusações, sem provas, de fraudes no sistema eleitoral brasileiro. “Eu não sou obrigado a acreditar e confiar em um programador”, desdenhou.

Saiba Mais
Os oito réus compõem o chamado “núcleo crucial” do golpe. Confira os nomes e as atribuições listadas pela PGR:

• Jair Bolsonaro, ex-presidente da República — Liderou uma organização criminosa que, desde 2021, dedicou-se a incitar a intervenção militar no país e, assim, deflagrar um golpe de Estado. Bolsonaro também estimulou ações que possibilitassem a ruptura institucional, incluindo acampamentos montados por apoiadores em frente a quartéis-generais;
• Walter Braga Netto, general do Exército, ex-ministro e vice de Bolsonaro em 2022 — Líder da organização criminosa ao lado do ex–presidente. Em novembro de 2022, realizou uma reunião para discutir uma forma de “neutralizar” o ministro Alexandre de Moraes. Além disso, atuou na incitação de movimentos populares golpistas e articulou a pressão contra militares que não concordavam com o golpe;
• Augusto Heleno, general do Exército e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional — Possuía manuscritos sobre o planejamento da organização criminosa para fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas. Em reunião ministerial de 5 de julho de 2022, orientou a Abin a infiltrar agentes nas campanhas eleitorais;
• Alexandre Ramagem, delegado da Polícia Federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) — Detinha documentos com uma série de argumentos contrários às urnas eletrônicas. Em um deles, foi identificada a sugestão de que o então presidente se utilizasse da estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU) para emitir atos que permitissem o descumprimento de ordens judiciais;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal — Em 19 de outubro de 2022, participou de reunião sobre “policiamento direcionado” no dia do segundo turno da votação, o que poderia impedir eleitores de votar. Na residência dele, foi encontrada minuta que fundamentaria um golpe de Estado;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha — Teve acesso às versões de decreto golpista. Segundo a denúncia da PGR, o apoio dele ao movimento foi um elemento de pressão para que o Exército e a Aeronáutica seguissem o mesmo caminho;
• Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército e ex-ministro da Defesa — Endossava o conjunto de críticas ao sistema eleitoral. Na reunião ministerial de julho de 2022, instigou a ideia da intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral. Após o resultado eleitoral, divulgou nova nota oficial insinuando não ter sido descartada a possibilidade de fraude eleitoral, mesmo após um relatório técnico do ministério ter apontado a inexistência de irregularidade;
• Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro — Atuava como porta-voz do então presidente na articulação e mantinha canais de comunicação com os demais envolvidos. Registros do decreto golpista 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de março de 2025.

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A União

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