PF aponta que máfia italiana movimentou R$ 12 bilhões no Brasil e tinha negócios na Paraíba

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Publicado em: 24 mar 2025

Uma reportagem do Jornal O Globo, publicada neste domingo (23), traz detalhes da atuação da máfia italiana no Brasil, com tentáculos em João Pessoa, da Paraíba e do país. Como observou o ClickPB, o conteúdo detalha como a investigação chegou aos agentes da organização criminosa e quais os valores movimentados pela máfia no país.

No fim de 2020, investigadores monitoravam as conversas de mafiosos do clã de San Luca da ‘Ndrangheta em um aplicativo criptografado quando chamou a atenção uma série de mensagens enviadas de um contato vindo do outro lado do Oceano. “Eu tenho o Brasil e o Equador, compá”, escreveu o italiano Vincenzo Pasquino, ostentando a sua influência como correspondente da ‘Ndrangheta na América Latina. Àquela época, o criminoso percorria cidades do litoral brasileiro, como Guarujá (SP) e João Pessoa (PB) em busca de selar parcerias com o Primeiro Comando da Capital (PCC) para escoar drogas e lavar dinheiro do tráfico.

Em maio de 2021, ele foi preso pelas autoridades brasileiras. No ano passado, foi extraditado para o seu país de origem, onde fechou um acordo de delação premiada com a Justiça.

As revelações de Pasquino subsidiaram inquéritos no Brasil e ajudaram a Polícia Federal e o Ministério Público a mapear a atuação das máfias italianas no Brasil.

— Ele revelou detalhes sobre as conexões da máfia com facções criminosas brasileiras e esquemas de lavagem de dinheiro que sustentavam suas operações no Brasil. O impacto dessas ações conjuntas é significativo, pois atinge diretamente a infraestrutura criminosa utilizada pela máfia, tanto no tráfico de drogas quanto na lavagem de dinheiro — afirmou o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.

Além de ver o país como uma rota estratégica no tráfico de drogas, os grupos criminosos são suspeitos de explorar de empresas fantasmas ao garimpo ilegal de ouro da Amazônia para lavar dinheiro ilícito e contam até com “concierges do crime” — brasileiros que se tornaram espécie de “faz tudo” dos traficantes transalpinos.

Reportagem do GLOBO analisou mais de 3 mil páginas de relatórios de investigações de autoridades brasileiras e europeias que apontam que as máfias italianas movimentaram cerca de R$ 12 bilhões desde 2009 até então. Somente nos últimos dez anos, foram presos no Brasil pelo menos 25 italianos ligados a organizações criminosas como Cosa Nostra, ‘Ndrangheta e Camorra.

Segundo investigação da PF, um dos suspeitos de atuar como concierge da máfia italiana é Anselmo Limeira de Oliveira, um ex-assessor parlamentar da Câmara Municipal de João Pessoa, capital da Paraíba, que chegou a se candidatar a vereador no ano passado, mas não se elegeu. Seu nome consta como sócio de uma construtora que fechou contratos com o governo paraibano e a prefeitura de Queimadas (PB) entre 2017 e 2019. Segundo o inquérito, a empresa não possuía “funcionários ou local físico” e era utilizada para “lavar o dinheiro sujo do tráfico de drogas”. Procuradas, as defesas de Oliveira e dos órgãos públicos não se manifestaram.

A relação de Oliveira com a máfia italiana é conhecida pelas autoridades desde 2021, quando ele foi pego reunido com dois ilustres mafiosos da ‘Ndrangheta em um flat na praia de João Pessoa. Eram eles: Vincenzo Pasquino e Rocco Morabito, conhecido como o “Rei da Cocaína de Milão”, que, à época, era o segundo homem mais procurado da Itália.

Segundo as investigações, Oliveira fornecia documentos aos estrangeiros e fazia a intermediação com corretores de imóveis que despertavam o interesse de Morabito e Pasquino. Em mensagens interceptadas pela PF, ele também foi pego negociando a venda de armas e drogas. Paralelamente aos serviços prestados aos traficantes, Oliveira organizava campanhas políticas em comunidades de João Pessoa, indicava parentes para cargos na prefeitura da capital da Paraíba e pedia contratos na área de construção. “Se puder me ajudar com pequenos serviços, ficarei grato. Depois certamente entrarei nas licitações e pegarei outros serviços maiores”, diz ele em uma mensagem.

Em nota, a prefeitura de João Pessoa ressaltou que o prefeito e a primeira-dama — a quem ele enviava as mensagens — não são alvos do inquérito e não tinham “relação pessoal nem tampouco conhecimento sobre fatos da vida pregressa” de Oliveira, que já havia sido preso por tráfico de drogas.

“Diante do exposto constata-se que Anselmo seria para os estrangeiros uma “espécie de faz tudo”, sendo inclusive o responsável pela locomoção dentro da cidade, aluguel de apartamentos, flats e hotéis para hospedagem dos estrangeiros”, diz o relatório da PF, acrescentando que há “fortes evidências que comprovam a ligação de Anselmo com os estrangeiros, apontando desta vez para o tráfico de drogas, possivelmente internacional”.

Criptodoleiros

A prisão de outros dois concierges da máfia italiana no Paraná dão dimensão do modus operandi dos grupos no Brasil. A PF apontou que uma célula da ‘Ndrangheta utilizava os serviços oferecidos por William Barile Agati e Marlon Santos, presos durante a operação Mafiusi, em dezembro de 2024. Segundo as investigações, eles forneciam uma “complexa estrutura” de empresas e criptodoleiros usados para lavar o dinheiro do tráfico internacional de drogas e do PCC.

— Nessa seara, os criminosos só querem saber do lucro. Não há ideologia. Então, eles dividem esses ganhos e compartilham as estruturas — explicou o delegado da PF Eduardo Verza, responsável pela apuração e integrante da força-tarefa anti-máfia formada entre autoridades brasileiras e italianas.

Entre as empresas em nome de Agati que recebiam os repasses estão uma corretora de valores e uma produtora de eventos suspeitas de envolvimento com garimpo ilegal na Amazônia. Além disso, um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividade Financeiras) apontou movimentações do grupo para uma distribuidora de combustíveis, um banco digital e uma distribuidora de bebidas. As transações feitas para escamotear a origem ilícita dos recursos do narcotráfico, de acordo com as investigações, somam cerca de R$ 2 bilhões. A defesa de Agati nega as acusações, dizendo que ele é “inocente, um empresário internacional de conduta ilibada, primário, e nunca teve nenhum contato (lícito ou ilícito) com o PCC, nem com a máfia italiana”. A defesa de Santos não foi localizada.

A célula identificada pela PF tinha os italianos Nicola Assisi e o filho como responsáveis. Conhecido pela alcunha de “Fantasma da Calábria”, Nicola mantinha um apartamento na Praia Grande, no litoral de São Paulo, de onde negociava as operações do grupo no Brasil. A gravação de uma reunião do mafioso com um integrante do PCC e um guarda civil municipal que atuava no porto de Paranaguá revelou detalhes dessa atuação.

“Amigo, eu tenho 300 anos de cadeia pra fazer, mas estamos aqui. (…) Nós mandamos uma tonelada e duzentas esse mês. Demos carro, arma, dei tudo. Nós temos tudo”, disse Assisi, em português com sotaque italiano, oferecendo aos criminosos armamento, carro e um celular novo para realizarem um serviço.

Tesoureiro da máfia

Para delegados e especialistas, a máfia italiana tem vindo ao Brasil de olho nas oportunidades de aquisição de condomínios, hotéis e restaurantes para branquear os lucros oriundos do tráfico de drogas, das extorsões e redes de prostituição — assim como faz na costa do Mediterrâneo. Esse movimento ficou evidente na Operação Arancia, deflagrada em agosto de 2024 contra três italianos ligados à máfia siciliana Cosa Nostra.

Entre os alvos estava Giuseppe Calvaruso, apontado como o “tesoureiro” da organização e responsável pelo “reinvestimento do capital ilícito siciliano” — ele está sob custódia na Itália após ter desembarcado do Brasil para passar a Páscoa com parentes em 2021. Segundo a procuradoria, seu grupo movimentou cerca de R$ 300 milhões por meio da compra de apartamentos, flats, loteamento de casas, pizzaria e cafeteria em cidades do Rio Grande do Norte e da Paraíba, incluindo Natal e João Pessoa. Entre as empresas do suposto esquema, está a “América Latina Hemisfério Investimentos Imobiliários”, que tem capital de R$ 100 milhões.

Em troca de mensagens com mafiosos de Palermo, Calvaruso foi flagrado detalhando o potencial de investimentos no Brasil: “Faz a proposta de investir 30 mil euros e garantimos daqui até dezembro devolvermos 150 mil euros. Para eles é muito dinheiro, mas para nós são migalhas pois vamos ganhar o dobro”. Em outra conversa, ele garante que “salva tudo e todos” e nunca “volta de mãos vazias”.

Código Antimáfia

Diante da expansão de organizações criminosas que atravessam fronteiras, o Ministério da Justiça brasileiro acendeu o sinal de alerta e passou a redigir um “código antimáfia” para poder atuar de forma mais eficaz no combate a esses criminosos. O secretário Nacional de Segurança Pública (Senasp), Mario Sarrubo, afirma que o objetivo da medida é justamente conseguir sufocar financeiramente esses grupos.

— Devo entregar o texto ao ministro (Ricardo Lewandowski) entre o fim de março e começo de abril — diz ele, que foi à Itália no fim do mês passado para conhecer melhor a legislação do país europeu contra as máfias.

As parcerias no continente sul-americano vão desde facções brasileiras, como o PCC a cartéis colombianos, como o Clan do Golfo.

— Uma das estratégias da ‘Ndrangheta é diversificar os investimentos. Os clãs vão para onde a oferta e a demanda se encontram, principalmente em países com a lei contra crimes financeiros menos rigorosa — diz Antonio Nicaso, professor italiano da universidade de Queens, no Canadá, e autor do livro “Máfia Global: A nova ordem mundial do crime organizado”.

Para o jurista e ex-desembargador Walter Maierovitch, autor do livro “Máfia, poder e antimáfia”, há um fenômeno em curso de “terceirização” e “atuação em rede” dessas organizações no Brasil.

— É uma prática nova que foi introduzida pela ‘Ndrangheta, que tem uma estrutura horizontalizada de células independentes. Não há mais a exposição dos grandes capos. O maior recurso deles hoje é a “terceirização”, a capacidade de fazer contatos e usar a estrutura do crime daqui — afirmou Maierovitch, que foi secretário nacional antidrogas no governo FH e observador da ONU na Conferência de Palermo sobre Crime Transnacional.

De acordo com pesquisadores que estudam a evolução do crime organizado no Brasil, houve mudanças na forma como a máfia italiana estabeleceu conexões ao longo do tempo no país, que de refúgio de fugitivos passou a “plataforma de negócios” ilícitos.

— Antes, os mafiosos italianos vinham para cá para lavar a cidadania. Se aposentar do crime e ficar perto do que chamávamos de três Ps (pizza, praia e prostíbulo). Hoje, com a consolidação e globalização das facções daqui, eles vêm para fazer joint ventures e inflar os lucros. Não é mais só a areia da praia que fica interessante, mas toda a plataforma de negócios disponível — afirma o delegado aposentado da PF Jorge Pontes, que já coordenou a Interpol no Brasil.

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