Criminosos tentam controlar serviços de internet e transporte para aumentar domínio fora de comunidades no RJ


Em diversos bairros e municípios, serviço de internet se tornou monopólio lucrativo para TCP, Comando Vermelho e grupos milicianos. No Complexo de Israel, após prisão de dono e fechamento de empresa, PM já apreendeu carro de outra empresa supostamente autorizada pelo tráfico a funcionar na região. Polícia desmonta serviço ilegal de internet controlado por Peixão no Complexo de Israel
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Criminosos do Rio de Janeiro tentam tomar controle da exploração de internet, transporte por aplicativo e outros serviços, como água e luz, para aumentar o lucro e o domínio territorial, inclusive fora das favelas dominadas pelas facções.
Os casos mais recentes envolvem o monopólio da atuação de empresas de internet em diversas áreas da capital e da Região Metropolitana. Moradores vêm enfrentando problemas com os serviços prestados e as ameaças caso não cedam às ordens das quadrilhas.
Além de exploração de empresas de internet, foram registrados casos de quiosques fechados na Gardênia Azul, a mando do Comando Vermelho, e proibições de circulação de aplicativos como Uber e 99 em ruas na Ilha do Governador, na Zona Norte, e em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
No caso dos aplicativos de transportes proibidos por criminosos, as investigações indicam que os bandidos impõem como alternativa cooperativas ligadas a eles.
Provedores ligados ao tráfico
Nesta quarta (19), policiais militares apreenderam em Brás de Pina, na Zona Norte, um carro e uma escada de um provedor que estava oferecendo o serviço na região. O bairro é um dos controlados pelo traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, um dos principais nomes do Terceiro Comando Puro.
PMs apreenderam carro e escada de empresa de internet que passou a atuar na região do Complexo de Israel
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No local da apreensão, na Rua Cintra, o funcionário ouvido pela polícia afirmou que representava a empresa Octa Telecom. Os policiais estranharam o fato de que, ao contrário de várias outras empresas, o trabalhador não foi incomodado pelos criminosos locais. A polícia suspeita que a provedora de internet foi autorizada pelo tráfico local.
A apreensão aconteceu uma semana depois que Renato de Oliveira, representante de outra empresa que funcionava na região, a RDO, foi preso.
Segundo a Polícia Civil, Renato é apontado como um “laranja” da empresa. A 22ª DP (Penha) ainda descobriu que o CNPJ apresentado pelos advogados da empresa era, na verdade, de uma empresa de cestas básicas do município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
De acordo com os investigadores, o provedor ilegal gerava lucros milionários para a facção, que utilizava esse dinheiro para financiar suas atividades criminosas.
Quiosques da Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio, amanheceram fechados
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A polícia afirma que os clientes da empresa eram captados “à base de roubos majorados pelo concurso de pessoas e emprego de arma de fogo de uso restrito, constrangimentos ilegais, extorsões majoradas e receptações qualificadas”.
Enquanto isso, empresas tradicionais do ramo, como a Claro, deixaram de atuar na região, segundo relatos de moradores, que agora sofrem para conseguir ter acesso à internet.
“Na última operação policial, o sinal foi cortado porque a empresa estava irregular. E agora não temos mais nem uma e nem outra”, resumiu um morador.
Segundo as investigações, o modus operandi dos bandidos consiste, em parte, em sabotar o serviço tradicional incansavelmente, cortando e queimando cabos, e ameaçando funcionários das empresas. Muitos servidores foram, inclusive, agredidos para impedir a manutenção técnica nos bairros controlados pelos bandidos.
O corte de fios pelos criminosos afeta inclusive a 22ª DP (Penha), que sofre com as constantes quedas de sinal de internet. As investigações apontam que a atuação da RDO atingia diversos pontos dos bairros Penha Circular, Penha e Brás de Pina.
Agressões e ameaças a funcionários
Criminosos impõem controle sobre internet em 7 bairros do Rio e Vilar dos Teles, na Baixada
Investigações da Polícia Civil do Rio indicam agressões a funcionários dessas empresas na área dominada por Peixão. Alguns relatos falam de violência física e celulares quebrados.
Em depoimento à 22ª DP (Penha), uma pessoa disse que os criminosos ameaçaram queimar o carro da empresa caso não pagassem uma taxa ao TCP.
Outro relatou que, após ameaças, teve a chave do carro roubada e teve que deixar o carro da provedora com diversos equipamentos, inclusive com cabos de fibra ótica.
Segundo o delegado Pedro Bittencourt, titular da Delegacia de Serviços Delegados (DDSD), a internet é um serviço essencial, comum a todas as faixas etárias e grupos sociais, que aumenta o domínio territorial de criminosos de todas as facções e do Rio:
“No caso da internet, essas facções estabelecem monopólios ilegais, obrigando moradores a contratar provedores específicos, limitando a sua liberdade de escolha. Essa prática não só amplia sua influência territorial, como também fortalece seu poderio financeiro e bélico”, pontuou o titular da delegacia, que investiga crimes contra empresas que prestam serviços para o poder público”.
Para o delegado da DDSD, não há diferença na exploração dos serviços por diferentes facções do crime organizado, como traficantes e milicianos.
“Praticamente todos os grupos operam da mesma forma, utilizando a força para impor regras e explorar economicamente as comunidades, controlando a segurança local, impondo taxas e restringindo a concorrência em serviços essenciais”, disse ele, citando ainda água, energia e gás como outras atividades exploradas há mais tempo pelos criminosos.
Relatos de moradores
Mensagem da Claro sobre problemas de segurança pública
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Um morador de Senador Camará, na Zona Oeste, relatou que traficantes destruíram a central de distribuição de uma empresa grande que fornece internet, que deixou de consertar o sinal e repor os cabos roubados. Com isso, não houve outra alternativa a não ser aderir à gatonet do crime.
“A gente está à mercê disso aí”, resumiu o morador, que pediu para não ser identificado.
Em mensagem enviada a esse mesmo cliente, a empresa cita problemas de segurança pública:
“Prezado cliente, sua região enfrenta problemas de segurança pública e, por medida preventiva, as equipes técnicas estão impossibilitadas de entrar na região e prestar qualquer atendimento no local em razão de ameaças físicas aos técnicos. Por isso, informamos que essa situação foge ao controle da empresa e reiteramos que, neste momento, não há previsão para normalização”
Um morador de Inhaúma, região com forte atuação do Comando Vermelho, disse que os fios de internet de grandes empresas estavam sendo cortados. Sobrou, então, a provedora autorizada a funcionar no bairro. O valor é mais caro e a velocidade da internet é reduzida, de acordo com ele. A empresa, no entanto, é desconhecida:
“Não tem sede, nem nome, só imprimem os boletos e colocam nas caixas de correios”.
O que dizem as empresas e órgãos
Durante a semana, a Secretaria de Segurança Pública do Rio informou que está finalizando um levantamento das empresas de internet afetadas pelo crime organizado. Ainda neste mês, haverá uma reunião com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para discutir soluções.
A agência declarou que mantém contato constante com as operadoras e autoridades para buscar medidas de enfrentamento.
Procurada, a Claro enviou a seguinte nota, na íntegra:
“O furto, roubo, vandalismo e também a receptação de cabos e equipamentos causam prejuízo direto a milhões de consumidores todos os anos, que ficam sem acesso a serviços de utilidade pública como polícia, bombeiros e emergências médicas.
Em alguns estados o problema do roubo e vandalismo de cabos, geradores, baterias, entre outros equipamentos, se soma ao bloqueio de acesso das equipes das prestadoras para a manutenção de seus equipamentos, usados para a prestação do serviço. As operadoras ficam sem acesso aos equipamentos e impedidas de dar a manutenção necessária à prestação do serviço.
O setor de telecomunicações defende uma ação coordenada de segurança pública envolvendo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, tanto o federal, quanto os estaduais e municipais, e a aprovação de projetos de lei no Congresso Nacional (PL 4872/2024, PL 3780/2023 e PL 5846/2016) que aumentem a punição para esses crimes e ajudem a combater essas ações criminosas”.
Em nota, a Uber lamentou a situação e disse que, para aumentar a segurança de motoristas e usuários, o aplicativo ode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos.
“A ferramenta bloqueia as viagens consideradas potencialmente mais arriscadas, a menos que o usuário forneça detalhes adicionais de identificação”, explica.
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que responde pela 99, disse que tem acompanhado relatos de restrições ao acesso de veículos de aplicativos a algumas regiões no Rio de Janeiro e é favorável a iniciativas do poder público para coibir a violência e garantir a liberdade da população na escolha de seus prestadores de serviços para exercer o direito de ir e vir.
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