Duas cinebiografias bem diferentes

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Vi duas cinebiografias espetaculares recentemente, mas tão diferentes entre si quanto o são seus biografados: Um Completo Desconhecido e Better Man — A História de Robbie Williams. O primeiro é um breve recorte da carreira do bardo norte-americano Bob Dylan e o segundo, bem, o subtítulo já entrega: é a trajetória do cantor pop inglês. Ambas frequentaram o Oscar deste ano, mas com intensidades também distintas: Um Completo Desconhecido foi indicado a oito prêmios, incluindo melhor filme, melhor diretor e melhor ator. Better Man recebeu apenas uma indicação, por efeitos visuais. Ambos saíram de mãos vazias.

É estranho uma cinebiografia ser indicada a melhores efeitos visuais? Em se tratando de Robbie Williams, não! É que no papel do cantor responsável por sucessos como “Angel”, “Come undone”, “Feel”, “Rock DJ” e “Better man” — que dá nome ao filme — está um macaco completamente digital. Sim, um macaco parecido com os dos recentes Planeta dos Macacos.

O filme de Michael Gracey (que dirigiu O Rei do Show e atuou na produção de Rocketman, cinebiografia de Elton John) é produzido pelo próprio Robbie Williams, mas está longe de ser chapa-branca. Ele empresta sua voz ao macaco e à narração em off que acompanha o enredo e não tem o menor receio de expor a maneira errática como conduziu sua vida. É importante dizer que no filme, os personagens que o cercam o veem como Robbie Williams e só nós, espectadores, é que vemos um macaco cantar, dançar, namorar, cheirar cocaína e fazer outras “macaquices”.

Há algumas teorias que cercam a opção por ter um macaco ao invés do astro pop. Uma é que ele se sentia o menos evoluído entre os integrantes do Take That, boyband que integrou no começo da carreira. Outra é que o show business o fazia se sentir “um mico de circo”. E uma terceira é que Robbie Willams achava-se uma fraude e não merecia subir ao palco, mas era arrastado “como se fosse um macaco”. Seja qual for a teoria, a estética de ter um símio em um filme “comum” chama bastante atenção e cria momentos cinematográficos incríveis (como quando ele se vê em meio ao público).

Autodepreciativa e sincera, a cinebiografia de Robbie Willams é ótimo entretenimento, independente se você conhece alguma coisa da carreira do artista ou não. O roteiro é bastante clichezão, o que garante uma boa experiência para qualquer tipo de público: vai do aspirante a astro pop à derrocada pelas drogas, pelo ego monumental e por um núcleo familiar instável, que inclui o pai ausente.

Passa pelo namoro falido com a cantora Nicole Appleton (do grupo The Saints, que mais tarde se casaria com Liam Gallagher, do Oasis, personagem que também dá as caras no filme) e chega à redenção, superando as dificuldades, condensado em número tocante em que ele performa a canção “My way”.

Em Um Completo Desconhecido, a pegada é outra. Vai na vibe mais introspectiva de Bob Dylan, que, inclusive, aprovou o roteiro, abençoou Timothée Chalamet no papel dele e até sugeriu a mudança de nome de uma personagem, Suze Rotolo, sua namorada na vida real (ela está na capa do LP The Freewheelin’ Bob Dylan), que virou Sylvie Russo (interpretada por Elle Fanning).

O enredo mostra a ascensão de Dylan de um completo desconhecido a um ídolo da música ousado, que não faz concessões. Tudo isso em menos de cinco anos. Começa com a chegada do cantor a Nova York, em 1961, disposto a encontrar seu ídolo Woody Guthrie (Scoot McNairy), que está convalescendo no hospital. Dylan chega a tocar para ele, em uma performance assistida também por outro bastião da música folk, Pete Seeger (Edward Norton, tão bom no papel que recebeu uma indicação a coadjuvante).

A história, que passa pelo relacionamento artístico e amoroso com Joan Baez (Monica Barbaro, também indicada pelo papel), vai até a famosa apresentação de Bob Dylan no Festival de Newport, em 1965, como grande estrela daquele ano, mas que surpreende o público ao trocar os aclamados sucessos acústicos da sua recente carreira por um repertório de inéditas pautado pelo rock elétrico de uma banda em chamas — uma troca que fez alguém da plateia a gritar “Judas”, episódio ocorrido na Inglaterra, só mais tarde, mas incluindo dessa forma no roteiro para poder ter um ponto crucial da carreira de Dylan.

Ao contrário de Better Man, Um Completo Desconhecido é um filme que exige um olhar mais atento e até cinéfilo do espectador e é um deleite para quem já tem familiaridade com os discos e a carreira de Dylan. A direção de James Mangold, combinada com a interpretação contida de Chalamet (que passou cinco anos treinando para cantar, de própria voz, as músicas que compõem a trilha) dão a exata dimensão ao personagem que os fãs de Dylan esperam.

A rigor, cinebiografias não têm compromisso fiel com as histórias de seus biografados — ambas citadas neste artigo tomam bastante liberdade quanto a isso. Importante é que se tornem bons filmes, desses que você sai da sala de cinema com a sensação de ter tido uma tremenda experiência, que no caso da música é, rigorosamente, audiovisual.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de março de 2025.

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A União

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