Interferência russa ou perseguição política? Exclusão de candidato gera caos na Romênia

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A Romênia enfrenta uma crise política sem precedentes após a anulação das eleições presidenciais de novembro de 2024 e a exclusão do candidato independente Călin Georgescu, representante da direita nacionalista, do novo pleito previsto para maio deste ano.

A decisão judicial que invalidou os resultados do primeiro turno, sob alegação de interferência russa, e a posterior exclusão definitiva da candidatura de Georgescu intensificaram protestos e polarizaram profundamente a sociedade romena. Nas redes sociais, muitos cidadãos estão questionando a legitimidade do novo processo eleitoral, apontando para uma possível interferência política do Estado na decisão final.

O ponto de partida para a crise

O primeiro turno da eleição presidencial na Romênia ocorreu em 24 de novembro de 2024, e Georgescu ficou em primeiro lugar na votação, emergindo assim como um “vencedor surpresa” – uma vez que pesquisas de intenção de voto que foram realizadas antes do pleito não o colocavam entre os favoritos. A campanha do candidato nacionalista foi marcada por críticas à União Europeia (UE), à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e ao envolvimento da Romênia no apoio militar à Ucrânia. Georgescu defendia uma mudança radical nas relações internacionais do país, propondo inclusive uma aproximação estratégica com a Rússia, motivo pelo qual chegou a ser elogiado pelo ditador Vladimir Putin como um “homem que ama o seu país”. O candidato independente teve um grande alcance no TikTok, plataforma onde desenvolveu a maior parte de sua campanha política. Nela, ele conseguiu atrair a atenção e, ao que tudo indica, o voto de milhares de romenos.

No segundo turno, que estava marcado para ocorrer no dia 8 de dezembro de 2024, Georgescu estava se preparando para enfrentar a candidata pró-União Europeia Elena Lasconi – que é prefeita de uma pequena cidade romena e também surpreendeu ao ficar em segundo lugar, à frente do então candidato favorito nas pesquisas, o atual premiê de esquerda, Marcel Ciolacu.

Durante a campanha de segundo turno, Georgescu começou a liderar todas as pesquisas de intenção de voto por mais de 50%. Contudo, em 6 de dezembro de 2024, dois dias antes da votação, a Corte Constitucional da Romênia, o Supremo do país, anulou os resultados do primeiro turno e, com isso, as eleições, justificando a decisão com base em relatórios dos serviços de inteligência do país que alegavam “ataques híbridos agressivos russos” que teriam favorecido a campanha de Georgescu, especialmente através do TikTok.

A medida gerou uma rápida crise política e institucional, levando à extensão do mandato do então presidente Klaus Iohannis, que estava no cargo desde 2014. Iohannis renunciou ao cargo de presidente do país no último dia 10 de fevereiro, diante da pressão popular e de uma iminente moção de impeachment. Antes de renunciar, seu governo já havia decidido a data da nova eleição, que ficou marcada para ser realizada no dia 4 de maio, com segundo turno, caso ocorra, no dia 18 do mesmo mês.

Após todo esse processo, no último domingo (9), a Autoridade Eleitoral Central (BEC) rejeitou formalmente a candidatura de Georgescu para o novo pleito, alegando “falta de conformidade com as regulamentações eleitorais”, uma decisão que foi posteriormente confirmada na terça-feira (11) pela Corte Constitucional, que rejeitou um recurso apresentado pelo candidato nacionalista contra a proibição da BEC.

Antes mesmo de sua exclusão definitiva do novo pleito, Georgescu tornou-se alvo de uma investigação criminal. Em fevereiro, o Ministério Público da Romênia anunciou a abertura de um processo contra ele, com acusações que incluíam “incitação contra a ordem constitucional”, “propagação de informações falsas” e “associação com grupos extremistas”. Também foram levantadas suspeitas sobre “falsidade em declarações a respeito do financiamento de sua campanha”.

Georgescu, que ainda lidera as pesquisas de intenção de votos para a presidência, nega todas essas acusações e denunciou seu caso como “perseguição política”. Em entrevista concedida no mês passado ao influenciador Mario Nawfal, ele afirmou que as autoridades romenas “estão tentando inventar evidências para justificar o roubo da eleição” do ano passado.

Em uma coletiva de imprensa recente, ele também disse que “estava feliz” pela anulação do pleito de 2024, porque isso “expôs a corrupção e o sistema”. Elena Lasconi, que seria a adversária de Georgescu na disputa de segundo turno, também criticou a anulação da eleição de 2024 pela Corte Constitucional. A candidata pró-União Europeia disse que a decisão do tribunal foi “ilegal” e um ataque à democracia, apontando que 9 milhões de votos foram ignorados.

No mês passado, a situação eleitoral da Romênia ganhou destaque no discurso do vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, durante a Conferência de Segurança de Munique. Neste discurso, Vance criticou o avanço da perseguição política e da censura na Europa, especialmente contra conservadores e opositores de direita. Em sua fala, ele apontou a Romênia como uma das principais preocupações dos EUA no continente, condenando a anulação do pleito presidencial de 2024 por decisão judicial. O vice-presidente questionou a legitimidade das justificativas para essa medida e declarou: “Se uma democracia pode ser destruída com alguns milhares de dólares em publicidade digital de um país estrangeiro, então ela não era muito forte para começar.”

O empresário Elon Musk também tem reagido ao caso nas redes sociais. Por meio de sua conta no X, o líder do DOGE e principal aliado do presidente Donald Trump chegou a compartilhar um post sobre a anulação das eleições, afirmando que isso era “uma loucura”.

Protestos e polarização política

A decisão de barrar Georgescu da nova eleição levou à intensificação dos protestos que já estavam em curso no país. No último dia 9, quando a decisão foi anunciada, centenas de manifestantes de direita se reuniram em frente à sede do BEC em Bucareste, capital do país, gritando “a última esperança é outra revolução!”. Houve confrontos com a polícia, que utilizou gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Alguns grupos incendiaram objetos e atacaram um veículo da imprensa.

O líder do partido de direita Aliança para a União dos Romenos (AUR), George Simion, que foi um dos candidatos favoritos na eleição presidencial de novembro e agora é aliado de Georgescu, tem sido o responsável por organizar as manifestações. Ele condenou a decisão do BEC de remover definitivamente Georgescu da disputa presidencial de maio, classificando-a como “um novo abuso e uma continuação do golpe de Estado”.

Simion também exigiu a renúncia do premiê Ciolacu, que ocupa este cargo desde 2023. No ano passado, Ciolacu, que é pró-União Europeia, foi reconduzido para a posição de primeiro-ministro pelo então presidente Klaus Iohannis após sua legenda, o Partido Social-Democrata (PSD), conquistar maioria nas eleições parlamentares de dezembro e formar uma nova coalizão com partidos de centro. Diferente das eleições presidenciais, as parlamentares ocorreram normalmente no ano passado. Ciolacu disputou a eleição presidencial de novembro, termnando o pleito em terceiro lugar, ficando de fora do segundo turno – que seria decidido entre Georgescu e Lasconi. O premiê foi um dos políticos locais que apoiaram a decisão da Corte Constitucional de anular toda a corrida presidencial.

Posição das autoridades

Diante das críticas e da mobilização popular, as autoridades romenas tem reforçado sua posição. Um porta-voz da autoridade eleitoral afirmou que “há evidências claras de violações que justificam a decisão [de barrar a candidatura de Georgescu], essenciais para proteger nossa democracia”.

Com Georgescu agora oficialmente fora da disputa, os principais candidatos à presidência incluem Nicușor Dan, prefeito de Bucareste, e Crin Antonescu, apoiado pelo governo de coalizão do premiê esquerdista Ciolacu. As pesquisas indicam que George Simion, que sairá novamente como candidato, pode herdar parte do eleitorado de Georgescu e se consolidar como um dos favoritos da disputa de maio.

Função estratégica
Na Romênia, a função do presidente é estratégica, pois ele atua como chefe de Estado, exercendo influência na política externa, na segurança nacional e no comando das Forças Armadas, bem como na nomeação de juízes. Além disso, tem a prerrogativa de indicar o primeiro-ministro, que lidera o governo e, geralmente, pertence ao partido ou coalizão majoritária no Parlamento. O presidente, que fica no cargo durante cinco anos e tem direito a uma reeleição, também possui o poder de vetar leis, solicitar revisões constitucionais e presidir o Conselho Supremo de Defesa Nacional, desempenhando um papel crucial na estabilidade e direção política do país.

Desde a saída de Klaus Iohanis da presidência, quem ocupa essa posição na Romênia interinamente é o presidente do Senado, Ilie Bolojan, que deverá ser substituído pelo vencedor da disputa de maio.

Crédito Gazeta do Povo

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Fonte:
Paulo Figueiredo

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