“Tesoura genética” corta o desperdício pelo DNA

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Quem diria, a luta contra o desperdício de comida também se trava nos laboratórios de genética! Graças aos progressos da edição gênica, a ciência avança na criação de espécies vegetais nutritivas, longevas, resilientes e apetitosas — inclusive, esteticamente.

Desde o final do século 19, os pesquisadores buscam uma forma de alterar o genoma das plantas. Mas, apenas nos últimos anos, foram desenvolvidas ferramentas precisas (e seguras) o bastante para manipular trechos específicos do DNA e, assim, determinar as características das novas variedades. Bem-vindos à era dos alimentos “sob medida”.

Arroz tolerante ao sal? Tem. Milho que aguenta bem a seca? Também. E ainda tomate enriquecido com vitamina D, cana de açúcar com mais sacarose, café com baixos teores de cafeína, batata resistente às pancadas do transporte… e banana que não escurece, mesmo depois de cortada.

A “nova” fruta é uma criação da biotech inglesa Tropic e deve ser lançada até o final de março, nos Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Honduras e Filipinas, países onde a inovação já está aprovada.

Nos cálculos de Eyal Maori e Gilad Gershon, fundadores da startup, evitar o escurecimento das bananas poderia reduzir as perdas do alimento em 25%. E isso é muita coisa. No Brasil, por exemplo, metade das cerca de 7 milhões de toneladas produzidas anualmente no país tem o lixo como destino. No âmbito doméstico, esse índice chega a 20%.

Para muitos consumidores, aquelas manchas amarronzadas são marcas de apodrecimento — o que não é necessariamente uma verdade. Na confusão, frutas em perfeitas condições de consumo são descartadas.

Resgatar a banana do fluxo de resíduos não evita apenas o desperdício de comida, como também preserva os recursos naturais. Para a produção de um quilo da fruta, por exemplo, são necessários 500 litros de água.

Há de se considerar ainda os impactos financeiros. Quarta cultura alimentar mais importante, depois do trigo, arroz e milho, a banana deve fechar 2025 movimentando, globalmente, quase US$ 167 bilhões. Até 2030, o mercado deve avançar a uma taxa de crescimento anual composta de 7,07%, informam os analistas da consultoria Statista.

Os cientistas da startup londrina conseguiram “silenciar” os genes responsáveis pela produção da enzima polifenol oxidase (PPO). Quando a banana é descascada e exposta ao ar e à luz, determinados compostos oxidam e a fruta escurece.

A banana da Tropic foi criada por meio da técnica de edição gênica CRISPR. Desenvolvida, em 2012, a tecnologia rendeu o prêmio Nobel de Química, de 2020, para a geneticista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica americana Jennifer Doudna.

Batizada “tesoura genética”, a ferramenta permite mover, adicionar ou excluir pedaços específicos das fitas de DNA, com muita precisão. Sem usar genes exógenos, ao trabalhar com variações genéticas da própria espécie, a CRISPR acelera em laboratório um processo que a natureza levaria muito, muito tempo para concluir. É versão 4.0 da seleção natural, de Charles Darwin.

Eyal Maori e Gilad Gershon fundaram a Tropic em 2016 e, desde então, levantaram US$ 80 milhões junto aos capitalistas de risco (Foto: tropic.bio)

Quarta cultura alimentar mais importante, depois do trigo, arroz e milho, a banana deve fechar 2025 movimentando, globalmente, quase US$ 167 bilhões

As manchas amarronzadas não são sinal do apodrecimento da fruta

A “tesoura genética” é a versão 4.0 da teoria da evolução, de Charles Darwin

Importante deixar claro: edição gênica não tem a nada a ver com transgenia. Nesse caso, o DNA de uma planta é alterado mediante a introdução de material de outras espécies. Desenvolvidos a partir dos anos 1990, os alimentos transgênicos exigem uma quantidade enorme de agrotóxicos, o que sempre incomodou os ambientalistas e assustou os consumidores.

Maori e Gershon também estão usando a CRISPR no desenvolvimento de uma outra variedade da fruta, a banana com prazo de validade prolongado, prevista ser lançada até o final de 2025.

Do grupo das frutas climatéricas, que continuam a amadurecer mesmo depois de colhidas, a banana é tirada do pé ainda verde. E a intenção é mantê-la nesse estado por um algum tempo — o suficiente para sair do centro produtor e chegar ao mercado consumidor ainda fresca.

Com a edição gênica, os cientistas da Tropic conseguiram “desativar” os genes responsáveis pela produção etileno, o hormônio responsável pelo amadurecimento de vários vegetais.

“A Tropic não está impedindo o amadurecimento completamente, o que seria indesejável, mas dando aos produtores pelo menos dez dias extras”, diz Gershon, à AgFunderNews, plataforma de notícias do maior fundo de investimentos em inovações do ecossistema agrifoodtech.

Desde a fundação da empresa, em 2016, Maori e Gershon estão trabalhando nas duas variedades de banana. Apenas no ano passado, porém, eles iniciaram a produção de mudas.

Ao acenar com a possibilidade de um futuro mais resiliente, sustentável e inclusivo, a edição gênica para a criação de novas frutas, legumes e verduras vem atraindo mais e mais o interesse dos capitalistas de risco.

No primeiro semestre de 2024, as startups da área arrecadaram pouco mais de US$ 161 milhões. Um aumento de 206%, em comparação ao mesmo período de 2023, informam os consultores do AgFunder.

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