Entre o frevo e o brega

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Hoje é dia de tirar do armário a camisa com estampa de oncinha e fazê–la combinar, sem pudor, com a calça de motivos florais. Para completar o look, um batom roxo ou o clássico bigode fininho. O Cafuçu, bloco carnavalesco dos mais tradicionais de João Pessoa, pretende trazer, logo mais, a sua conhecida irreverência para a prévia carnavalesca da capital. A concentração será hoje, a partir das 20h, nas Praças Rio Branco e Dom Adauto e na Avenida General Osório. Um dos destaques musicais é o conjunto Quem Roubou Minha Cueca, liderado pelos cantores paraibanos Lukete, Nathália Bellar e Val Donato, e criado para o bloco.

A estreia do projeto foi no Baile do Cafuçu, no início do mês. No repertório dos artistas, além de clássicos do período, como “Vumbora amar”, da banda Chiclete com Banana, canções conhecidas de cantores “bregas”, como Reginaldo Rossi e Grelo, entram na grade, dando o tom ao bloco. O grupo tem como arranjador o músico Toni Silva.

Quando perguntado quais as suas músicas carnavalescas prediletas, Silva dispara: as marchinhas de carnaval. Mas o destaque de Toni fica com a faixa que dá nome ao conjunto: a “Marcha da cueca”, composta pelo paraibano Livardo Alves, Carlos Mendes e Sardinha. Uma das primeiras gravações do álbum data de 1972 e está presente no LP Carnaval Copacabana, cantada por Celso Teixeira

Livardo, todavia, penou para conseguir ser reconhecido como autor da canção, atribuída originalmente só a Carlos Mendes e Sardinha. Apenas mediante um processo judicial, seu nome passou a constar oficialmente na faixa.

O criador da infame pergunta sobre a cueca era boêmio e frequentava assiduamente o Centro de João Pessoa. Tanto que, anos após sua morte (ocorrida em 2002), ele ganhou uma estátua em bronze, fixada num dos bancos do Ponto de Cem Réis. Em 2023, o prefeito Cícero Lucena sancionou a Lei Livardo Alves, que institui o serviço municipal de apoio ao autor e de proteção às obras autorais da cidade, mediados por meio de um sistema de registro.

Canções preferidas

Natural de Campina Grande, Toni Silva assinala que as marchinhas embalaram os carnavais dos parentes mais velhos: ele rememora que visitava João Pessoa e tem lembranças claras dos seus parentes se divertindo ao som dessas faixas.

O arranjador do Quem Roubou Minha Cueca afirma que o lançamento do projeto foi um sucesso e espera repetir o êxito esta noite. “Conseguimos agradar todos os públicos do baile, no último dia 1o. Os cantores foram ótimos e se conectaram muito bem ao público, uma mistura que deu muito certo”, declara.

Val Donato revela que o grupo foi batizado pelo ator cajazeirense Buda Lira, presente na fundação do bloco há 36 anos e perpétuo apoiador do Cafuçu. A cantora escolheu “Festa no interior”, na voz de Gal Costa, como sua canção preferida do carnaval. A composição de Abel Silva e Moraes Moreira fez parte do álbum Fantasia, lançado em 1981.

“Lembro que tínhamos o LP lá em casa. Eu brincava muito com a minha irmã enquanto ouvia essa música, ‘no interior do interior’. Apesar de essa letra falar de São João, ela é frevo, na verdade”, recorda.

Nathália Bellar explica que o repertório do grupo se manterá o mesmo do baile, apresentado há algumas semanas, mas que cada membro do trio vocalista encampará um estilo próprio — Lukete estará mais próximo do “brega”; Val, do axé; e ela, dos ritmos do recôncavo baiano.

A música predileta de Nathália é “Frevo mulher”, composição de Zé Ramalho para a então companheira Amelinha. “Eu acho que tem um lugar de pertencimento: o frevo é patrimônio imaterial, símbolo de identidade nacional. E é muito legal ter um frevo nosso, feito por um paraibano e que toca em tudo quanto é carnaval. Conheci festas de Salvador, Recife e Belo Horizonte e em todos ‘Frevo mulher’ está”, atesta.

 Além da Quem Roubou Minha Cueca, sobem ao palco do Cafuçu hoje as bandas Cinzeiro de Motel, Caburé, Brega É Você, a Orquestra Sanhauá e os DJs Brazinha, Claudinha Summer e Maraffo.

Projetos sociais

Buda Lira, um dos fundadores, também tem um faixa especial no repertório da folia: “Máscara negra”, obra seminal de Zé Keti e Pereira Matos, de 1967. A canção ficou conhecida na voz de Dalva de Oliveira, que a gravou, no mesmo ano, para o disco A Cantora do Brasil.

Embalada pelo refrão “Tanto riso, oh, quanta alegria /Mais de mil palhaços no salão”, a faixa narra o reencontro de um casal que, na festa anterior, havia se disfarçado com as icônicas fantasias de Pierrot e Colombina, personagens recorrentes nos bailes e nos blocos.

O ator avalia as mudanças que ocorreram na estrutura do Cafuçu ao longo das décadas — as mais sensíveis foram a mudança de local de concentração (da orla de João Pessoa para o Centro Histórico da cidade) e a abolição dos trios elétricos. A “Difusora Cafuçu”, criada especialmente para o baile que antecede o desfile, espalha “bilhetinhos” entre os presentes. “Nosso maior desafio segue sendo a autonomia financeira do bloco. Isso a gente ainda não conseguiu. Terminando um Carnaval, já vamos inscrevendo projeto na Lei Rouanet, para garantir o próximo, ao mesmo tempo que pensamos na nossa versão junina”, ressalta.

O carnavalesco pessoense Jocemar Chaves, falecido em 2025, será o homenageado desta nova edição do bloco, que não exclui a responsabilidade social dos festejos de Carnaval. Buda informa que, em 2023, o Cafuçu criou sua Fábrica de Adereços e Cenografia, que oferta cursos de artes visuais, de cenografia e de cenotécnica para jovens carentes, que estejam ou não vinculados à rede pública de ensino.

“No desfecho do projeto, a cada ano, nós fazemos a decoração do Ponto de Cem Réis e da Praça Rio Branco. Agora a gente tem mais dois cursos: já começamos o de audiovisual e vamos ter outro, de iluminação alternativa”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de fevereiro de 2025.

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A União

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