Chinkanas – misteriosos túneis andinos

Em 1989, estive perambulando por várias regiões do Peru como mochileiro. Naquela época, muitas das descobertas de hoje ainda não existiam, como a milenar cidade de Caral ou as crianças mumificadas de Llullaillaco. Mas escutei ao longo de minha viagem, muitas histórias sobre os Chinkanas – rede de tuneis pré-colombianos – que então já eram bastante difundidas. No magnífico sítio arqueológico de Sacsayhuaman, tive a oportunidade de entrar em um desses tuneis, hoje lacrado pelas autoridades de Cusco. Infelizmente perdi a única foto que tinha neste local, mas posso dizer que as paredes em rocha eram frias e bastante polidas.

Os invasores espanhóis no século XVI já o mencionavam em seus documentos; e depois deles diversos exploradores e viajantes os descrevem, replicando ditos populares e ampliando o mistério sobre sua real existência. Não são poucas as histórias de pessoas que neles adentraram, perdendo-se em um labirinto de passagens, para saírem a quilômetros de distância em péssimo estado físico após andarem por dias na escuridão. 

Mas o que era lenda popular tornou-se realidade. Recentemente, um grupo de arqueólogos descobriu sob a cidade de Cusco, parte desta rede de tuneis que se estendem por mais de 1.750 metros a uma profundidade de cerca de 3 metros abaixo do solo. Os arqueólogos Jorge Calero Flores e Mildred Fernandez Palomino fazem parte do “Projeto Chinkana-Sacsayhuamán”, e conseguiram detectar através de radar de penetração do solo (georadares) e prospecção sonora, uma rede de tuneis que avança por três ramificações: uma leva em direção ao sítio arqueológico de Callispuquio, a segunda passa pela paróquia de San Cristóbal e uma terceira via pelo setor de Muyucmarca abaixo das ruinas de Sacsyahuamán. Nestes métodos de pesquisa, a prospecção sonora indica estruturas ocas abaixo da terra, segundo a intensidade do eco. Já o radar de penetração consegue mapear a estrutura em detalhes, proporcionando uma imagem do que existe abaixo do solo. 

Mas antes da aplicação destas técnicas, uma vasta pesquisa documental foi realizada com foco nos séculos XVI, XVII e XVIII. Muitos relatos – Garcilaso de la Veja, Anello de Oliva – apontavam um dos ramos subterrâneos cuja origem estaria abaixo do Coricancha, o templo de maior importância para os Incas, de onde realizavam importantes cerimônias em graça ao Sol. Isso se confirmou. Em 1594, um jesuíta anônimo também registrou a presença de um túnel abaixo da atual igreja da Companhia de Jesus de Cusco, que teve sua construção realizada em 1570. As primeiras imagens revelaram um túnel que possui cerca de 1,60 metros de altura e cuja largura varia de 1 a 2,60 metros. 

Os pesquisadores acreditam que a rede subterrânea foi feita para conectar locais de importância cerimonial e administrativa da capital Inca. Contudo, algumas outras questões surgem com essa confirmação dos chinkanas. Uma delas diz respeito ao tamanho dos tuneis. Será que eles se restringem a Cusco ou foram feitos também em outras localidades como Cajamarca ou Machu Picchu? Outra questão diz respeito ao uso desse sistema subterrâneo. Será que de fato eram usados apenas para ligar centros cerimoniais ou também usados com função militar, ou de fuga das autoridades em caso de uma invasão da capital Inca? E por fim, podemos nos perguntar se foram de fato os Incas que os construíram, tendo em vista que seu auge como Império não durou muito mais do que 100 anos. Seriam os chinkanas, obras anteriores aos Incas? Mas por enquanto, mais perguntas surgem diante deste enigma revelado, e devemos aguardar os próximos passos das pesquisas do Projeto Chinkana-Sacsayhuamán

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e editor da revista Gilgamesh. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a página: (https://www.revistagilgamesh.com.br

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