Parece, mas não é: Com o café mais caro, surge o ‘cafake’ nos supermercados

O preço chamou a atenção de consumidores da cidade de Bauru, interior de São Paulo, neste início de ano: enquanto meio quilo de café custa quase R$ 30, um pacote que se assemelha a marcas conhecidas do produto era vendido por R$ 13,99, menos da metade do preço. A Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) faz o alerta: não se trata de café, mas de bebida que imita café e pode ter em sua composição impurezas como palha, pedaços de madeira e cascas.

As imagens do produto viralizaram nas redes sociais e a produto passou a ser chamado de “cafake”, o “café fake”.

— Fazemos mais de 5 mil análises por ano de café de produtores associados e não associados, mas neste início de ano nos deparamos com esse produto, que conhecemos pouco. É uma bebida que é à base de café, mas não é café. Isso trouxe preocupação — disse ao GLOBO, Celírio Inácio da Silva, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).

O preço do café subiu 37,4% no ano passado, um dos destaques de alta na inflação. Como o produto é consumido em 98% dos lares, Celírio avalia que “pessoas criativas” aproveitaram e criaram a bebida fake, que custa metade do preço, para buscar lucro fácil e enganar o consumidor.

Propriedade de marca

Por isso, a Abic notificou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura sobre a venda das bebidas que, segundo a entidade, não teriam autorização. A Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) foi alertada. Foram encontrados pacotes da bebida à base de café também em cidades do Rio Grande do Sul.

Entre os “café fakes” encontrados está a marca Oficial do Brasil. Em seu rótulo, o produto é descrito como “bebida sabor café” e “pó para preparo de bebida à base de café”. Outro exemplo é o Melissa, que tem nome e embalagem semelhantes a uma marca conhecida, a Melitta.

Uma checagem do rótulo mostra que se trata de “pó para preparo de bebida sabor tradicional” e que o produto “contém aromatizante sintético idêntico ao natural”.

Procurada a respeito da semelhança nas embalagens, a Melitta informou que “está tomando as providências necessárias para defender sua propriedade de marca e seus direitos”. E acrescenta que reforça o compromisso com ética, qualidade e segurança de produto.

A Master Blends, fabricante da Oficial do Brasil, localizada na cidade paulista de Salto de Pirapora, não respondeu. A empresa disse à agência Reuters que criou “subproduto” do café, deixando claro na embalagem, e disse que não aceita que digam que está enganando os consumidores.

Especificação sobre o produto no verso da embalagem do café tradicional — Foto: Letícia Lopes
Especificação sobre o produto no verso da embalagem do café tradicional — Foto: Letícia Lopes

“Em momento algum falamos que é café, criamos apenas um subproduto para atender uma classe que está sofrendo a cada dia que passa, este produto é composto de café e polpa de café torrado e moído, está escrito ‘bebida à base de café’ na frente e também atrás da embalagem”, afirmou na nota a Master Blends. A DM Alimentos, com sede no Paraná, que fabrica a Melissa, não retornou.

A legislação sanitária prevê que a oferta de novos alimentos e ingredientes ao consumidor requer autorização prévia da Anvisa, com comprovação de segurança do produto. O comércio irregular e o consumo de produtos clandestinos por empresas sem registro nos órgãos oficiais viola a legislação, diz a Abic em nota. Procurada, a Anvisa não comentou.

Karine Karam, professora de Pesquisa e Comportamento do Consumidor da ESPM e sócia da Markka Consultoria, diz que a indústria pode pensar em alternativas para atender o consumidor quando há alta de preços. A redução do tamanho das embalagens, por exemplo, é estratégia que muitas marcas usam para evitar repassar todo o aumento de custos ao consumidor. Mas, alerta a especialista, é preciso ser transparente:

— É importante que essas práticas sejam transparentes e éticas. O consumidor merece saber o que está comprando e ter a garantia de que está recebendo um produto de qualidade. Uma empresa que usa uma estratégia fake não terá vida longa no mercado.

A discussão sobre substituir alimentos que aumentaram de preço ganhou atenção depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu semana passada que consumidores deixassem de comprar produtos que estivessem caros, substituindo-os por outros.

O que chamou a atenção da Abic é que os pacotes do “café fake” estavam na mesma prateleira do produto original. O Procon/SP ainda não registrou reclamações sobre o tema. Mas a área de fiscalização do órgão orienta que quem encontrar produtos com rótulo inadequado pode registrar reclamação nos órgãos de defesa do consumidor. (O Globo)

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