Eu sei o que vocês fizeram no Oscar passado

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É difícil fazer apostas para o Oscar deste ano. Aliás, a corrida para a maior premiação do cinema de 2025 tem mais plot twist do que os 10 indicados à categoria principal juntos. No centro dessa disputa, está o controverso Emilia Pérez, a começar pela campanha feroz para levar as principais estatuetas da noite, incluindo Melhor Filme do Ano, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz — nas três categorias, o drama-policial-musical do francês Jacques Audiard (o mesmo de Ferrugem e Osso) concorre com o brasileiro Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, estrelado por Fernanda Torres, que disputa com a atriz espanhola Karla Sofía Gascón a estatueta de Atriz.

No momento em que escrevo este texto, Sofía Gascón, que vive a personagem principal e é a primeira artista transexual indicada ao Oscar, já insinuou — sem provas — que a equipe de mídias ligada a Fernanda Torres provoca haters contra ela e Emilia Pérez e se desculpou por publicações antigas que ressurgiram na semana passada em que ela: a) foi racista (ao se referir a George Floyd, morto por asfixia por um policial branco); b) criticou o aumento de muçulmanos na Espanha; e c) criticou a própria diversidade do Oscar, ao dizer com desdém, sobre a premiação de 2021, “eu não sabia se estava assistindo a um festival afro-coreano, a uma manifestação do Black Lives Matter ou ao 8M”, citando o movimento antirracista deflagrado com a morte de Floyd.

Também apareceram postagens antigas (pós-pandemia) em que ela supostamente critica Adele, Miley Cyrus e até a colega Selena Gomez, que contracena com a espanhola em Emilia Pérez. “Ela é uma menina rica que banca a pobre coitada sempre que pode e nunca vai parar de irritar o ex–namorado e a esposa dele”, diz o post no velho Twitter (hoje X), que Gascón jura de pés juntos que é falso. Talvez para evitar estragos ainda maiores na vibe do suspense Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, a artista deletou sua conta na rede social.

Tenho visto especialistas explicando que o Oscar exige mais que talento: é preciso ter uma supercampanha para que o filme seja visto — e querido — pelos quase 11 mil votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Por trás de Emilia Pérez, estão a toda-poderosa Netflix e a renomada companhia francesa Pathé, assim como a campanha de Ainda Estou Aqui mobiliza a Sony Pictures (responsável pela distribuição internacional) e o próprio Walter Salles, cineasta benquisto nos círculos de Hollywood, além da própria Fernanda Torres.

O esforço da Netflix rendeu resultados. Emilia Pérez está indicado a 13 categorias: não só é o filme com o maior número de indicações neste ano, como bateu na trave dos recordistas Titanic, A Malvada e La La Land (14 indicações cada um) e superou superproduções como Ben-Hur (12 indicações) e O Senhor dos Anéis — O Retorno do Rei (11 indicações).

Acontece que Emilia Pérez é um filme muito fraco. Produzido em um estúdio nos arredores de Paris, o filme é um desastre em retratar o México e foi criticado pelo povo mexicano, e pegou pessimamente mal no contexto da atual política anti-imigração de Donald Trump. Também é acusado de transfóbico, xenofóbico e racista. E ainda tem a música. Curiosamente, o trailer exibido nos cinemas não faz qualquer referência ao fato de que Emilia Pérez é um musical, porém um musical com canções ruins, de letras pobres e coreografias sofríveis (surpreendentemente tem duas canções no páreo).

Os números musicais costuram a história de um temido traficante mexicano que decide se tornar mulher, cria uma ONG para encontrar os corpos dos mexicanos exterminados pelos carteis e é vítima de uma traição que não termina bem. Fim. Tudo isso contado de forma linear e previsível, adornado com “dancinhas TikTok” sem o brilho de uma produção do Baz Luhrmann (indicado duas vezes ao Oscar, por Moulin Rouge e Elvis).

Estrela de blockbusters como Avatar e Guardiões da Galáxia, Zoe Saldana é o único ponto louvável do filme (ela é favorita a Atriz Coadjuvante, embora seja a protagonista da trama) como Rita, advogada que se torna braço direito do traficante Manitas e, em seguida, da ativista Emilia (ambos interpretados por Sofía Gascón, muito bem no papel, apesar das controvérsias).

Por fim, o fato de Emilia Pérez estar indicado ao Oscar, e Coringa 2 (que também é musical) não ter sido considerado pela Academia, é a maior prova de que o lobby é o que move a principal premiação de cinema. Obra com grande acento cinematográfico, Coringa 2 foi parar no malfadado Framboesa de Ouro, que elege as piores produções da indústria do cinema. A indicação não é justa. Justo seria o contrário.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 04 de fevereiro de 2025.

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A União

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