Ministério Público cobra mudança de nomes de ruas e bairros

Siga @radiopiranhas

A Promotoria de Justiça de João Pessoa oficiou a Câmara de Vereadores e o município de João Pessoa para que, no prazo de 15 dias úteis, informem as medidas adotadas para alterar os nomes de logradouros públicos, vias de transporte, edifícios e instituições públicas que se refiram a agentes públicos ou a particulares que, notoriamente, tenham tido comprometimento com a prática de graves violações de direitos humanos durante o período da Ditadura Militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985.

Os ofícios integram a Notícia de Fato 001.2025.004218, instaurada pelos promotores de Justiça da capital que atuam na defesa da cidadania, Fabiana Maria Lobo da Silva e Francisco Lianza Neto, para verificar o cumprimento dessa medida, que foi recomendada nos relatórios finais da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba.

Segundo os representantes do Ministério Público da Paraíba (MPPB), mesmo após a redemocratização do país e há mais de 10 anos da publicação do relatório final da CNV, o município de João Pessoa possui, até o presente momento, diversos espaços públicos homenageando figuras relacionadas ao período ditatorial. “Com efeito, a capital paraibana ainda preserva resquícios da Ditadura Militar, mantendo, em bairros e ruas, nomes de figuras apontadas como responsáveis por graves violações de direitos humanos no relatório final da CNV”.

Os promotores de Justiça destacaram que, durante o período ditatorial — marcado principalmente pelo Ato Institucional número 5 (AI-5) —, houve o fechamento do Congresso Nacional, a suspensão de liberdades civis, censura, repressão, tortura e o desaparecimento de presos políticos. “Com o objetivo de investigar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas no país, nesse período, foi criada, em 2012, a Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei Federal no 12.528, de 18 de novembro de 2011”, explicaram.

Após dois anos e sete meses de trabalho, a CNV apresentou, em dezembro de 2014, relatório final dividido em três volumes, no qual identificou 377 agentes do Estado como responsáveis por crimes durante o regime; catalogou centenas de casos de tortura, desaparecimentos e execuções e recomendou medidas para prevenir novas violações, incluindo a desmilitarização da polícia e reformas nas Forças Armadas.

“Dentre as recomendações da CNV, está a de ‘promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações’”, detalharam os promotores de Justiça.

Os promotores de Justiça informaram a existência de uma lei municipal que veda a alteração de nomes próprios públicos consolidados há mais de 10 anos, mas defenderam que o dispositivo legal não deve prevalecer, quando confrontada com os valores constitucionais do Estado Democrático de Direito e da dignidade humana. “Essa lei municipal deve ser interpretada à luz da Constituição Federal de 1988, sob pena de padecer de vício de inconstitucionalidade”, argumentaram.

Casos

Entre os casos exemplificados pelo MPPB de agentes públicos ligados à Ditadura Militar que dão nome a logradouros e bairros da capital paraibana, estão o marechal de Exército, Humberto de Alencar Castello Branco (primeiro presidente da República após o Golpe Militar e criador do Serviço Nacional de Informações, que dá nome à Avenida Presidente Castelo Branco e ao bairro Castelo Branco), e o marechal de Exército e presidente da República, Arthur da Costa e Silva (que editou o Ato Institucional número 5, o AI-5,  considerado o mais duro decreto do período militar. Ele dá nome a um bairro e a uma rua do município).

Também são mencionados os generais e presidentes da República, Emilio Garrastazú Médici (em cujo governo foram criados os Destacamentos de Operações de Informações-Centros de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi) e Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro dá nome a uma rua do bairro Funcionários e o segundo, a um bairro do município.

Recomendações

A Recomendação 49 da CNV diz: “Com a mesma finalidade de preservação da memória, a CNV propõe a revogação de medidas que, durante o período da Ditadura Militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos humanos. Entre outras, devem ser adotadas medidas visando:

a) cassar as honrarias que tenham sido concedidas a agentes públicos ou particulares associados a esse quadro de graves violações, como ocorreu com muitos dos agraciados com a Medalha do Pacificador;

b) promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações”.

A Recomendação 2 do Relatório Final 2017 da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba diz:

“Resgatar nossa história, fortalecer nossa memória: renomear todas as ruas, parques, praças, escolas, túneis, pontes, viadutos, cidades etc., que hoje se utilizam do nome de gente que esteve envolvido ou apoiou a ditadura (sejam militares ou civis). Nada melhor para fazer justiça a nossa história do que a renomeação de tudo isso, com os nomes daquelas e daqueles que morreram na luta por liberdade e democracia.

Essa mudança de nome é uma reivindicação de uma parcela significativa da sociedade civil brasileira que almeja o fim da herança da Ditadura em nomes de espaços públicos espalhados pelo território brasileiro. É triste ver o nome dessa gente nas cidades, túneis, pontes, viadutos, bairros, ruas, parques, praças, escolas, teatros. Pessoas que direta ou indiretamente cometeram o crime de lesa humanidade (tortura física ou psicológica) incomoda lembrar”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de fevereiro de 2025.

source
Fonte

A União

Adicionar aos favoritos o Link permanente.