Últimas espécies da megafauna nas Américas viveram além da Era do Gelo

Estudo desenvolvido com apoio da FAPERJ propõe uma mudança de paradigmas sobre o marco temporal aceito até então pela comunidade científica internacional para a extinção dos grandes mamíferos que habitaram as Américas na Era do Gelo. Pesquisadores fluminenses identificaram, após análises de datação do Carbono 14, no Laboratório de Radiocarbono da Universidade Federal Fluminense (LAC/UFF), que espécies da megafauna encontradas em Itapipoca (Sítio Paleontológico do Jirau, Ceará) e no rio Miranda (Mato Grosso do Sul) viveram há inimagináveis 3.500 anos, ou seja, não foram extintas ao final da Era do Gelo, há cerca de 11,7 mil anos, como se imaginava, e sobreviveram muito além da passagem do período Pleistoceno para o atual Holoceno, coexistindo com seres humanos primitivos por milhares de anos.

A pesquisa rendeu a publicação nesta terça-feira, 21 de janeiro, de um artigo na conceituada revista científica internacional Journal of South American Earth Sciences – Leia o artigo na íntegra (arquivo em PDF). Ela é fruto do trabalho de pós-doutorado de Fábio Henrique Cortes Faria, bolsista do programa Pós-Doutorado Nota 10 da FAPERJ, sob supervisão do professor Ismar de Souza Carvalho, contemplado pelo edital Cientista do Nosso Estado, da Fundação, no Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além deles, participam da equipe e assinam o artigo os paleontólogos Hermínio Ismael de Araújo-Júnior, da Faculdade de Geologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que também recebe apoio da FAPERJ, por meio do programa Jovem Cientista do Nosso Estado; Celso Lira Ximenes, pesquisador e curador do Museu de Pré-História de Itapipoca (MUPHI); e Edna Maria Facincani, da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

A equipe de pesquisadores que assina o artigo publicado no Journal of South American Earth Sciences, a partir da esq.: Ismar Carvalho, Fábio Faria, Hermínio Araújo Jr., Edna Maria Facincani e Celso Ximenes (Fotos: Divulgação)

A presença de animais considerados até então extintos ao final da Era do Gelo há poucos milhares de anos revoluciona o que hoje se discute sobre os eventos de extinção abrupta dos grandes mamíferos pré-históricos no limite do Holoceno-Pleistoceno. “O tempo geológico geralmente é dividido baseado em eventos ligados à extinção, seja de animais ou de plantas. Ao questionarmos a existência do marco temporal ao final da Era do Gelo, estamos construindo novos paradigmas no âmbito das Geociências e da Paleontologia, que vão abrir caminhos para a construção de outras formas de compreensão sobre a extinção dessas espécies”, destacou Carvalho. “Essa pesquisa é um marco não só nas Américas, mas em nível mundial, e é uma descoberta feita por pesquisadores brasileiros. Foi muito importante a parceria com o Museu de Pré-História de Itapipoca e a UFMS”, completou.

Os cientistas acreditavam que os grandes mamíferos que habitavam o planeta na Era do Gelo, como as preguiças gigantes (Eremotherium laurillardi), as paleolamas (Paleolama major), os mastodontes (Notiomastodon platensis), os tigres dentes-de-sabre (Smilodon populator), os toxodontes (Toxodon platensis) e a espécie Xenorhinotherium bahiense haviam desaparecido entre 10 e 12 mil anos atrás devido a fatores como o aquecimento global e as mudanças nos biomas, e a ação predatória do homem primitivo por meio da caça. “As idades de 3.500 anos dos fósseis analisados no estudo, junto com as evidências arqueológicas, demonstram que as teorias de caça predatória por homens primitivos e a rápida expansão humana para novos territórios não são muito adequadas para explicar a extinção da megafauna na América do Sul. De alguma forma, essas espécies se adaptaram ao clima mais quente e úmido e sobreviveram por milhares de anos após o fim da Era do Gelo”, contextualizou Fábio Faria.

 

Detalhe do dente da Paleolama major, em foto produzida pelo paleontólogo Celso Ximenes durante expedição no Sítio de Jirau, em Itapipoca (CE)

 

Os fósseis descritos no artigo e analisados no Laboratório de Radiocarbono na UFF – o único laboratório a realizar esse tipo de análise na América do Sul, localizado no campus do Gragoatá, em Niterói – pertencem às coleções paleontológicas do Museu de Pré-História de Itapipoca e do Laboratório de Zoologia do Departamento de Biologia da UFMS. Os grandes mamíferos com idade de aproximadamente 3.500 anos foram encontrados em Itapipoca – o Xenorhinotherium bahiense (3.587 ± 112) e a Palaeolama major (3.492 ± 165 anos). Junto com eles foram identificados, da coleção cearense, a Preguiça Gigante (Eremotherium laurillardi; 6.161 ± 364 anos e 7.415 ± 167 anos), o Tigre Dentes-de-Sabre (Smilodon populator; 7.803 ± 179 anos), o Toxodon platensis (7.804 ± 226 anos) e o Mastodonte (Notiomastodon platensis; 7.940 ± 502 anos). Já entre os fósseis oriundos do rio Miranda, no MS, foi identificada outra Preguiça Gigante (Eremotherium laurillardi; 5.942 ± 294 anos). O método utilizado para a datação dos fósseis foi 14C-AMS (Datação do Carbono-14 por Espectrometria de Massa com Aceleradores).

Outro pesquisador fluminense integrante da equipe, Hermínio Araújo-Júnior, da Uerj, ressaltou a importância do fomento à pesquisa em Geociências e Paleontologia. “Fui coorientador do Fábio Faria durante o seu Doutorado, junto com o professor Ismar, quando ele já se dedicava a esse tema. A construção do conhecimento científico leva anos e se dá pela continuidade e, nesse sentido, a FAPERJ tem sido uma das agências de fomento à pesquisa que mais contribuem com os estudos em Paleontologia, tendo apoiado diretamente esse projeto. O trabalho é um marco na história da Paleontologia do Quaternário de animais gigantes para as Américas e esperamos que ele tenha outros desdobramentos”, concluiu.  

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